Pivô da RTP afirma que ainda não foi contactado pelo Conselho de Administração
Rodrigues dos Santos continua a apresentar o Telejornal 10.10.2007 - 00h23 Maria Lopes, Ana Machado
As notícias veiculadas nas últimas horas que davam conta de que José Rodrigues dos Santos ia ser alvo de um processo disciplinar e que já não apresentava mais o Telejornal não se confirmam. Em declarações ao PÚBLICO o pivô da RTP afirma que ainda não foi contactado pelo Conselho de Administração (CA) do operador público no âmbito das suas declarações à PÚBLICA no passado domingo. E o próprio CA ainda está a estudar as medidas a tomar.
"Vamos iniciar, para já, um esclarecimento rigoroso sobre o que foi dito por José Rodrigues dos Santos a todos os órgãos de comunicação porque há versões contraditórias nas suas diversas declarações", disse ao PÚBLICO o administrador da RTP, Luís Marques, quando questionado sobre o significado do que são os "procedimentos legais" que a administração da estação afirma no comunicado que vai desencadear.
Luis Marques nega que o pivô já tenha sido afastado do telejornal: "Não é verdade que ele tenha sido afastado do Telejornal. Apenas não o está a apresentar porque quem está na escala esta semana é o José Alberto Carvalho. Se estiver escalado para a próxima, é lógico que o apresentará – mas não sei se está, as escalas são feitas pela Direcção de Informação e a administração não tem conhecimento delas", esclareceu o administrador Luís Marques. O PÚBLICO sabe que José Rodrigues dos Santos estará ausente do país esta semana e só não se ausentou ontem devido ao facto de ter sido convocado para uma audição no conselho de redacção da RTP.
"Em função das conclusões faremos uma avaliação do procedimento a seguir e tomaremos a decisão que melhor defenda os interesses da RTP", acrescentou o administrador. O processo será levado a cabo pelo departamento jurídico da empresa – um procedimento normal num caso destes, esclareceu. Serão analisados todos os artigos e o jornalista poderá ser questionado sobre as declarações que fez. No final, tanto se pode concluir que "não há nada a apontar" como lhe pode ser levantado um processo disciplinar, adiantou, negando que já tenha sido tomada alguma decisão do caminho a tomar. Para já, o jornalista continua nas suas funções normais, garante o administrador.
O caso na origem desta luta entre um dos principais pivôs do Telejornal e o CA da RTP remonta a 2004. Na altura a decisão do CA de escolher para correspondente em Madrid a quarta classificada do concurso de candidatura à vaga levou a que Rodrigues dos Santos, então director de informação, se demitisse.
No comunicado emitido, o CA acusa Rodrigues dos Santos de "singular sentido de oportunidade" , de ser "um dos quadros mais bem pagos da RTP", e de auferir da mesma remuneração de quando era director. Acusa ainda José Rodrigues dos Santos de ter pedido um regime de excepção mais favorável em termos de horários, algo que lhe foi negado. Mas Rodrigues dos Santos nega a acusação: "Não percebo porque é que falam em histórias de remunerações e de horários porque não é isso que está em causa. A independência da RTP é que está em causa desde o princípio", afirma, acrescentando que para si, "esta parece ser uma tentativa desesperada e mesquinha de divergir da questão essencial".
"A minha desmotivação tem a ver com o facto do CA ter interferido numa competência da direcção de informação e esse acto ter resultado impune", diz, acrescentando que as questões laborais com a empresa serão tratadas em fórum próprio. "O que o CA está a fazer revela tudo sobre o que o CA é realmente. E nada revela sobre mim", conclui.
"Desculpas esfarrapadas"
Sebastião Lima Rego, antigo membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), já extinta, lembra o caso de 2004 que levaram à demissão de Rodrigues dos Santos: "Um dos argumentos esfarrapados da administração foi que a ordem hierárquica de escolha dos candidatos a correspondente, nunca tinha sido um critério". Rodrigues dos Santos afirmava que sempre tinha sido respeitada a hierarquia de classificação do concurso, Almerindo Marques disse que não.
À falta de um regulamento de concurso que ditasse a regra, a entidade reguladora pediu para analisar outros casos de nomeação de correspondentes. E verificou que sempre tinha imperado a ordem hierárquica das classificações na nomeação. Verificou-se que os factos davam razão a Rodrigues dos Santos e que, quer no Parlamento, quer junto do regulador, o CA da RTP tinha prestado falsas declarações.
"Muito embora as versões da administração e do director de informação cessante divirjam, [...] a verdade é que o sustentado pelo director de informação é mais detalhado, sólido e credível, não tendo a administração apresentado, na documentação que posteriormente fez chegar à AACS, um acervo factual que abonasse a sua tese inicial, muito antes pelo contrário". É isto que se pode ler na deliberação da antiga AACS.
Mas a questão essencial, segundo Lima Rego, que foi relator da deliberação, é outra: "A nossa posição foi clara. Não pode ser a administração a nomear correspondentes. O correspondente é um jornalista. Este é um cargo exclusivamente de contornos jornalísticos. Então a RTP tem embaixadas?"
Para resolver o problema da falta de um regulamento de concurso que ditasse as regras claras da escolha de um correspondente, a administração redigiu um regulamento, que hoje existe, com data de 7 de Janeiro de 2005. No ponto 6 pode ler-se que é o Conselho de Administração que nomeia o correspondente, tendo em conta a proposta da direcção de informação.
Sobre o facto de o assunto ter sido agora levantado por Rodrigues dos Santos, Lima Rego afirma: "Uma injustiça é sempre uma injustiça. O Papa pediu desculpa pela Inquisição 500 anos depois. Se o asunto voltou para a agenda, ainda bem". E afirma que o actual regulador tem aqui matéria para agir.
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