Pensando poder ter algum interesse, transcrevo um artigo de um jornalista francês enviado especial a bordo dos porta-aviões STENNIS (USA) e o francês 'Charles-de-Gaulle' (CDH), que estão a intervir na guerra do Afeganistão, operando no mar de Omã.
"O dia mal começou ainda quando a ponte de descolagem de 358 metros do porta-aviões STENNIS 'desperta'.Os caças-bombardeiros F-18 Hornet e os aviões de vigilancia aérea Hawkeye tem ainda as asas recolhidas, os motores silenciosos e os mecânicos vao disfarçando os bocejos.Uma calma aparente:esta cidade de cerca de 5500 homens e mulheres que vive ao ritmo dos avioes apenas repousa por turnos.
Os aparelhos reentraram bem tarde durante a noite, das suas missões por cima do Afeganistão, e as verificações regulamentares começam.
A cerca de 50 milhas (92 kms), o porta-aviões Charles-de-Gaulle(CDG) tem já algum avanço na sua actividade aérea:os seus aviões Rafale e Super-Etendard descolam de manhã (os F-18 voam de tarde e toda a noite) para as missões de vigilancia aérea e apoio às tropas terrestres da Força Internacional de Assistência à Segurança (ISAF) da NATO envolvidos nas operações militares contra os talibans.
O "CDG" está na zona desde meados de Março, tendo sido precedido em três semanas pelo STENNIS, que cruza a cerca de 160 milhas ao largo da costa paquistanesa.
O 'Charles-de-Gaulle' cujos aviões, como dizem os marinheiros, tem as 'patas' mais curtas, é obrigado a ficar a 90 milhas da costa.
O golfo Arabico-Persa está a menos de dois dias de navegação, mas os dois porta-aviões nao tem razões para atravessar o estreito de Ormuz: o porta-aviões americano EISENHOWER navega no Golfo com o seu grupo aeronaval, no quadro da operaçao 'Iraki Freedom'.
Os aviões dos dois navios recebem as suas missões do Centro de Operaçoes Aéreas da coligação(CAOC) de luta contra o terrorismo, situado em Al-Udeid, no Qatar, do qual um dos ramos se dedica a operações no Iraque e outro ao Afeganistão.Todas as manhãs o CAOC difunde a lista de missões planeadas para o dia, em função dos pedidos do ISAF.A maior parte das vezes são imprevisiveis: os aviões da coligação limitam-se a levantar voo e esperam que comando de terra lhes transmita o objectivo da missão que pode ser vigilancia, reconhecimento fotografico, 'show de força'(a passagem de avioes a baixa altitude é suficiente para dispersar combatentes isolados) ou bombardeamento de objectivos.
Apesar da diferença de tamanho (a ponte do 'Charles-de-Gaulle' tem 261 metros e desloca 42000 t. contra os 358 metros e 97000 t. do STENNIS) e de culturas nacionais diferentes, os dois porta-aviões tem um modo operacional muito semelhante.Em vagas sucessivas os F-18, Rafale Marine, Super Etendard, Hawkeye ( este, comum aos dois) assim como os EA-6 Prowler americanos especializados na guerra electrónica, levantam voo num enorme ruído de reactores e da fumarada branca das catapultas.
A partir da costa paquistanesa os aviões seguem para o Norte, tomando a 'driveway'(corredor aéreo de 50 kms de largo) situada apenas a algumas dezenas de quilómetros da fronteira iraniana.As missões duram 6 a 8 horas para os americanos e de 5 a 6 para os aviões franceses, com 3 ou 4 reabastecimentos.
No céu afegão, os Rafale Marine e Super-Etendard encontram os Rafale Air e Mirage 2000 franceses que intervem a partir de Duchambé (Tadjiquistao) enquanto os F-18 do STENNIS misturam-se com os caças americanos, britânicos, holandeses, alemães e belgas que descolaram das bases de Bagram, Kandahar e Mazar-e-Charif.Com os aviões reabastecedores, os helicópteros e os 'drones', mais de 110 aeronaves rodam constantemente no céu do Afeganistão.
Indiferentemente, ou quase, esses aviões são solicitados pelo comando terrestre do ISAF em função de necessidades tácticas. " é raro que tenhamos de largar bombas - explicou um piloto de F-18- a não ser em caso de legítima defesa só utilizamos as nossas armas depois de ter recebido ordem do JTAC(o especialista que no solo guia o piloto sobre o objectivo). O dogma é evitar danos colaterais.Ficaria muito abalado se cometesse um erro de alvo.Até porque ao mesmo tempo os que estão em terra tem real necessidade das nossas informações e do nosso apoio de fogo, porque é a sua vida que está em jogo"
Os pilotos americanos tem á sua escolha bombas 'guiadas a laser' e 'guiadas por GPS' de 250 Kgs, enquanto os franceses só tem à sua disposição as primeiras.A diferença entre as duas munições suscita alguma polémica 'disfarçada': as bombas 'guiadas a laser'são largadas após uma passagem à vista que permite evitar os erros de alvo, mas supôem condições atmosféricas 'limpas'.
As outras dispensam essa condição, porque o piloto põe no seu sistema de tiro coordenadas GPS fornecidas pelo JTAC.Neste caso o risco de 'danos colaterais' entre a populaçao civil é mais elevado.
As regras de 'envolvimento' dos pilotos franceses são estritas: "as mesquitas, monumentos históricos, escolas, hospitais, não podem constituir objectivos militares e além disso temos interdição de atirar sobre alvos a menos de 300 mts de zona urbana" explicou um oficial superior, e acrescenta " para nos o Afeganistão não é um pais inimigo, mas sim amigo.Os americanos tem uma outra atitude: eles estão em guerra contra o terrorismo e isso justifica métodos diferentes".
Esta situação tem consequências oficiosas de algum peso: sabendo que os aviões franceses são 'menos flexíveis' e que um avião americano é utilizável em todas as configurações o comando de terra tem tendencia a privilegiar os aparelhos de certa nacionalidade em função dos objectivos a atingir."nós temos critérios intangíveis e muito precisos no que respeita ao emprego de armamento, e a nossa acção é sobretudo dissuasiva" diz um capitão de grupo aéreo embarcado no "CDG".
"é por vezes dificil evitar os danos colaterais, admite um piloto de F-18.Em Al-Udeid, o representante francês, que 'escuta' o tráfego aéreo, pode opor-se a uma missão pedida pelo comando do ISAF, preferindo o "show de presença" ou "show de força", especialmente por as concentrações de 'talibans' raramente ultrapassarem 150 combatentes.Embora tenham efectuado várias centenas de missões sobre o Afeganistão desde Junho 2006, os aviões franceses não chegaram a 'largar' mais que uma trintena de bombas.
Os especialistas franceses de 'informação' estimam ser exagerado falar de 'ofensiva da Primavera' da rebelião afegã, e evocam simples 'tácticas de perseguição'.Mostrando um mapa das zonas de cultivo de papoilas que se sobrepõe quase exactamente com às dos afrontamentos armados e descobertas de 'esconderijos de armas' eles apostam numa intensificação de combates no momento da recolha do ópio, em Maio.
Franceses e americanos teceram uma cooperação tanto mais estreita quanto os marinheiros dos dois países tem o hábito de trabalhar em conjunto no quadro da NATO, e tudo está a ser feito para acentuar essa aproximação.No Mar Arábico os helicópteros franceses e americanos efectuam um vaivém constante para transportar uma dúzia de marinheiros do "CDG" que passam a noite no STENNIS e vice-versa.
Os americanos ficam muito curiosos por descobrir o 'pequeno Charles' e o seu conforto.O maior posto de tripulação a bordo do porta-aviões francês alberga 20 marinheiros...contra 250 no STENNIS. É altura também para se beberem algumas cervejas, pois o álcool é rigorosamente proibido a bordo dos navios da US Navy.
As trocas entre as duas marinhas permanecem no entanto com limites, os serviços de 'informações' dos dois porta-aviões não 'trocam' notícias.Unidos na luta contra o terrorismo, o 'Charles-de-Gaulle' e o STENNIS vogam no mar da Arábia mas com fusos horários diferentes: o STENNIS está em 'Delta time' e o Charles-de-Gaulle em 'Foxtrot time'.E são duas horas de diferença...!!!
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m/trad.adapt. de artigo 'Le Monde' de 10/4/2007