http://www.diarioeconomico.com/edicion/ ... 12472.htmlSubsídio, suicídio
Paulo Morais
No início dos anos setenta, há apenas uma geração, Portugal era ainda um país imenso, com uma capital imperial.
A partir de Lisboa, o regime ditava sentenças e controlava todo esse imenso território de Minho a Timor. A administração colonial condicionava, como hoje, a vida de transmontanos e algarvios; mas também, à época, o quotidiano de angolanos, moçambicanos ou são-tomenses. A riqueza (e a pobreza) gerada em todo o lterritório apenas beneficiava uma oligarquia que, sedeada na corte lisboeta, dominava absolutamente o ‘hiper’ corporativo Estado Novo. Era o modelo imperial.
Com o fim da ditadura, a descolonização e a adesão à Europa, em apenas trinta anos, tudo se alterou. No novo paradigma, e porque não tem estratégia própria de desenvolvimento para o país, a capital é hoje apenas uma correia de transmissão das directivas europeias. Os detentores do regime, a oligarquia lisboeta, passaram da condição de proprietários (do que não lhes pertencia!) ao triste papel de capatazes de Bruxelas; de comissionistas. Privada do modelo imperial, a capital assume agora uma postura mercenária.
Não obstante a mudança de paradigma, o defeito central manteve-se: o permanente esbanjamento de recursos públicos, visando o enriquecimento de alguns e depauperando os bolsos dos pobres dos portugueses. Nos últimos vinte anos, a maioria dos fundos públicos, europeus ou não, foram dispendidos ora em inutilidades, ora para prolongar a agonia de certos sectores, em vez de estimular a sua reconversão; ou ainda na construção de verdadeiros elefantes brancos, como os estádios do Euro 2004, na velha tradição de Sines e do Estado Novo (o aeroporto da Ota e a alta velocidade ferroviária já se anunciam para manter esta triste tradição!); ou, por último, alimentando as fraudes e o enriquecimento sem vergonha de alguns dos intermediários locais das ajudas comunitárias. Recordemos apenas os escândalos com as verbas de formação do Fundo Social Europeu.
A aplicação de fundos europeus em Portugal vem padecendo do mesmo problema das ajudas humanitárias a algumas ditaduras de África. Beneficiam a oligarquia local, a sua má aplicação garante, de forma perversa, que no futuro mais fundos virão; mas raramente são aplicados nos fins e para os objectivos a que se destinam.
Depois de vinte anos a receber ajudas comunitárias visando a coesão e a convergência com os níveis de desenvolvimento europeus, os governantes rejubilam porque vêm aí mais fundos; ou seja, porque continuamos suficientemente atrasados para beneficiar de apoios. Como podemos pois admitir que, apenas nos dois últimos anos, entre 2003 e 2005, o país tenha baixado quatro posições no ‘ranking’ do desenvolvimento humano, passando de vigésimo terceiro para vigésimo sétimo, não obstante o fluxo de ajudas externas? E continue com valores de ‘pib per capita’ muito inferiores aos dos países que connosco partilharam a adesão em 1986, Grécia e Espanha?
Ciente do carácter crónico da sua doença, o doente desistiu da cura e consola-se com a garantia de que vai ter medicamentos que lhe permitam a redução de danos, por mais uns tempos de agonia.
Mais valeria pois que não recebêssemos fundos! E que, sem paliativos externos, nos centrássemos nos verdadeiros factores de desenvolvimento: o trabalho e organização. Ingredientes sem os quais o nosso potencial como país, que é imenso e diversificado, será mais uma vez desperdiçado.
Vêm aí mais uns larguíssimos milhões de euros. A mantermos este rumo, daqui a mais uma geração, seremos um povo de pobres e emigrantes; Portugal será uma província irrelevante na União Europeia. O povo continuará a sofrer e a assistir a um rol imenso de oportunidades perdidas; enquanto a oligarquia enriquece e garante a continuidade dos seus privilégios. Neste cenário, os cerca de 22,5 mil milhões de euros de fundos, apregoados por Sócrates como uma grande vitória, serão afinal o custo do funeral duma nação que se suicida lentamente, sem que o seu povo se subleve.
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Paulo Morais é professor universitário.