DN Online
Terça-feira, 4 de Janeiro de 2005
"A Indonésia deixou de contar os seus mortos. O Ministério da Saúde desistiu de contabilizar as vidas perdidas na sexta-feira, quando percebeu que algumas zonas da ilha escondiam cadáveres por identificar. Ontem, avançou um número redondo para balanço final 100 mil vítimas mortais. Dois terços das que se contam em todos os países afectados pelo sismo, e se elevam a 145 mil. Entre os vivos há, segundo as Nações Unidas, mais de um milhão de pessoas que dependem da ajuda internacional para comer. Sobre Samatra voam agora helicópteros norte-americanos carregados de alimentos.
George W. Bush ouviu o apelo das Nações Unidas e anunciou ontem que, «nos próximos dias, os ex--presidentes Clinton e Bush vão pedir a cada americano que contribua com o que puder». Na maior operação na região desde a guerra do Vietname, os Estados Unidos vão concentrar esforços no auxílio à Indonésia. O anúncio coincide com a deslocação à região do secretário de Estado Colin Powell e do governador da Florida, Jeb Bush, que vão avaliar o grau de devastação da área.
A província de Aceh, no Norte da ilha, foi a mais afectada pelo maremoto. Banda Aceh, a capital, continua mergulhada no caos, embora vá recuperando lentamente a normalidade o fornecimento de alimentos aumenta todos os dias e as lojas começam a reabrir as portas. Militares americanos estão a ajudar na limpeza de terrenos, construindo pistas de aterragem improvisadas a partir das quais o auxílio poderá ser encaminhado.
A Indonésia vive também um pesadelo logístico aeroportos congestionados onde tentam aterrar aviões de carga do mundo inteiro, atrasos nos encaminhamentos devido à escassez de combustível e pontes e estradas destruídas, que impedem a circulação nas regiões devastadas. Inúmeras regiões costeiras no Oeste de Samatra, nomeadamente a cidade de Meulaboh, vão continuar inacessíveis durante as próximas três semanas.
«Ainda estão mais de 30 mil corpos por recolher em Banda Aceh e arredores», disse ontem Agus Salim, funcionário do Ministério da Informação indonésio. Segundo a mesma fonte, o Governo «pediu ao exército que desenvolva todos os esforços necessários». É que, «se fosse possível recolher cinco mil cadáveres por dia, numa semana tudo estaria acabado», sublinhou.
Os helicópteros do porta-aviões Abraham Lincoln estão já a operar na costa norte de Samatra, transportando feridos para a base de Utapao, na Tailândia. Para a operação foram ainda mobilizados navios de guerra e 2200 marines - que chegaram já ao estreito de Malaca.
Segundo o porta-voz militar indonésio Ahmad Basuki, os helicópteros estão a alcançar locais onde o exército «não tinha tempo, pessoal ou equipamento» para chegar. A uma das zonas afectadas, Karim Rajia, foi entregue uma tonelada de alimentos enviados por alunos de escolas de Singapura. Nos rótulos das caixas podia ler-se «As mais profundas condolências para os irmãos e irmãs de Aceh. Dos professores e alunos de Singapura.»
As necessidades das vítimas continuam, no entanto, a ser gigantescas. Dentro dos helicópteros norte-americanos vai água potável, biscoitos de alto valor energético e outros artigos de primeira necessidade para as comunidades devastadas. «Não ficou nada de que se possa falar», comentou o comandante de um dos helicópteros que levou ajuda até à ponta norte de Samatra.
A esperança de encontrar sobreviventes começa a desaparecer para milhares de famílias e equipas de salvamento. «As hipóteses são quase nulas. Estamos prestes a pôr termo a este tipo de operação», disse já Lamsar Sipahutar, que coordena as buscas efectuadas na Indonésia.
Segundo Achmad Gozali, da Embaixada da Indonésia em Portugal, não há familiares das vítimas na comunidade indonésia que reside no País. «Não há, pelo menos, parentes próximos», adianta o conselheiro cultural. A acompanhar a situação a partir de Lisboa, Achmad teme que o seu país esteja completamente destruído. «Este foi um desastre natural e nacional», diz. Para prestar auxílio às vítimas do maremoto na Ásia, Portugal disponibilizou já oito milhões de euros.
A ajuda humanitária de emergência total da União Europeia elevou-se ontem a 240 milhões de euros, segundo dados divulgados em Bruxelas. Um porta-voz da Comissão, Gregor Kreuzhuber, expressou confiança em que «estes 240 milhões não serão a última paravra da UE».
No próximo dia 6 terá lugar, em Jacarta, uma cimeira extraordinária sobre as consequências da catástrofe, que contará com a presença do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, o presidente em exercício da União Europeia, Jean-Claude Juncker, e o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan."
"A burocracia cingalesa está a levar ao desespero milhares de voluntários de organizações internacionais que se encontram no país para prestar assistência humanitária. Ontem, em Galle, Fernando Nobre, presidente da AMI, explicou que dois dias antes tinha passado doze horas no aeroporto de Colombo para fazer entrar no país as dez toneladas de alimentos, medicamentos e roupa que a organização trouxe de Portugal. «Estivemos meio dia metidos numa luta administrativa só para conseguir desalfandegar as coisas», explicou ao DN."
"Em Galle, ontem de manhã, o DN assitiu a duas cenas de pilhagem seguidas de violentos confrontos de rua. Tudo no meio de um cenário de devastação, entre barcos e carros que foram trazidos pela maré e que agora jazem, completamente destruídos, em cima da cidade fantasma. A polícia não está presente, pois a altura, afirmam as autoridades, ainda é de recolher corpos e prevenir a propagação de doenças. Em todo o Sul do Sri Lanka continua a aparecer na praia, diariamente, uma média de 30 corpos. Nos areais, porém, não há sombra de autoridade e o que se vê são populares a abrir autênticas valas comuns e a enterrar cadáveres já putrefactos. O cheiro é insuportável e perturba as operações de remoção de escombros. O perigo de surgimento de epidemias no Sul do Sri Lanka é agora extremamente elevado, dado que estão confirmados cerca de dez mil mortos nesta área, mas os cadáveres recenseados e enterrados pelo Governo não chegam nem a metade disso."