António Costa ‘apanhado’ em 50 escutas da operação Influencer
Conteúdos dessas conversas estiveram na origem de tensões entre o Ministério Público e o Supremo Tribunal de Justiça
Entre 2020 e 2023, o atual presidente do Conselho Europeu foi apanhado em quase 50 contactos, resultado de interceções dirigidas a vários suspeitos. Segundo a revista ‘Sábado’, a primeira conversa que tocou António Costa ocorreu a 18 de novembro de 2020, quando ligou ao então ministro do Ambiente, José Matos Fernandes, para combinar um café e discutir uma avaliação ambiental estratégica. A partir desse momento, a voz do primeiro-ministro passou a surgir com regularidade nas sessões analisadas pela PSP.
A revista revela que numerosos documentos judiciais permitem traçar uma radiografia das comunicações onde Costa interveio, alimentando uma disputa jurídica sobre o que deveria ou não permanecer nos autos. Em muitos casos, os resumos incluídos pela PSP e validados pelo Ministério Público foram considerados de “mero contacto institucional” pelo então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Joaquim Piçarra, que ordenou a destruição de várias dessas conversas.
Interceções atingiram ministros, gestores e figuras do PS
Mais de 20 pessoas estiveram sob escuta, incluindo Matos Fernandes, João Galamba, administradores ligados à Lusorecursos, responsáveis da EDP, gestores do projeto de hidrogénio em Sines, antigos assessores governamentais, autarcas, advogados e quadros de empresas do setor mineiro e energético. Costa não era alvo, mas falou com três investigados: Matos Fernandes, João Galamba e Diogo Lacerda Machado
Alguns diálogos geraram especial atenção do Ministério Público, que considerou relevantes, por exemplo, uma conversa em que Costa expressa preocupação com a presidente da Câmara de Matosinhos sobre estudos de impacto ambiental ligados à refinaria de lítio. O STJ validou essa transcrição, ainda que o seu presidente manifestasse dúvidas quanto ao verdadeiro interesse para a investigação.
Noutros casos, foram também registadas mensagens informais, como quando Costa enviou um SMS a Matos Fernandes a brincar com o “ar tristonho” do ministro — ou discussões sobre nomeações, pressões internas, relações com autarcas e tensões políticas, como a continuidade de Christine Ourmières-Widener na TAP após o caso Alexandra Reis.
As escutas captaram ainda pedidos de favores, como uma solicitação de Manuel Pizarro para valorizar um autarca de Amarante, bem como uma cunha atribuída ao atual secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, que pediu ajuda para encontrar colocação para um ex-deputado. A gestão interna do PS também ficou exposta, com Costa a questionar Galamba sobre lugares na Comissão Política e no Secretariado.
STJ criticou uso das escutas e alertou para risco de escrutínio político
A tensão institucional adensou-se quando o MP recorreu contra ordens de destruição emitidas pelo STJ. Piçarra acusou o Ministério Público de tentar transformar escutas num instrumento de fiscalização da governação, sublinhando que as interceções servem apenas como meio de prova e “não para escancarar a ação governativa”.
A disputa prosseguiu até que a 3ª secção do STJ decidiu, em junho de 2021, que mesmo comunicações manifestamente estranhas ao processo não devem ser destruídas de imediato, salvo nos casos previstos no Código de Processo Penal. A partir daí, o novo presidente do Supremo, Henrique Araújo, passou a validar os registos enviados.
Em 2023, o Ministério Público só considerou “relevante” uma segunda conversa de Costa, desta vez com Lacerda Machado, relacionada com a reversão da privatização da TAP. O diálogo foi usado pelos procuradores para demonstrar a relação de proximidade entre ambos, apesar de Lacerda Machado ter sido ilibado pela Relação de Lisboa em 2022.
Também surgiu nos autos um contacto entre Costa e Lacerda Machado sobre Isabel dos Santos, relacionado com uma ação cível que o antigo primeiro-ministro moveu contra Carlos Costa. A Sábado refere que o diálogo mencionava queixa da empresária sobre uma reunião no Banco de Portugal.
Reação da PGR: “Nós não fazemos escutas ilegais”
Numa única frase, o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, rejeitou qualquer ilegalidade nas interceções envolvendo António Costa, sublinhando que o Ministério Público atuou dentro da lei e que o ex-primeiro-ministro nunca foi alvo direto de escutas.
A polémica reacendeu-se quando a Procuradoria-Geral da República reconheceu que sete comunicações com Costa — seis delas tentativas de contacto — não tinham sido inicialmente comunicadas ao Supremo por “razões técnicas”. A PGR reiterou que Costa nunca esteve sob vigilância ativa e que o reexame das escutas permitiu identificar contactos não detetados na primeira análise.
O esclarecimento motivou reações transversais no panorama político, levando Amadeu Guerra a reiterar publicamente que o Ministério Público “não faz escutas ilegais”.
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