Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia – Factos e Mitos (Parte 2)
Retomando a linha do tempo da invasão, é importante salientar que os Russos demonstraram ter conhecimento pormenorizado do sistema de defesa aérea Ucraniano. Nos primeiros dias 75% dos sistemas anti-aéreos foram atacados – electronicamente ou com ataques aéreos. Crucialmente, o Comando Ucraniano recebeu
intelligence detalhada de parceiros externos (leia-se NSA, CIA e MI6) sobre a iminente invasão russa e, por conseguinte, a maioria das baterias móveis de lançamento de mísseis foi evacuada antes dos ataques. No entanto, nas zonas de Kherson e Zaporizhzhia as baterias de SA-10 e SA-3 que não foram recolocadas atempadamente sofreram danos extensos.
Os Ucranianos evacuaram a maioria das posições de mísseis horas antes do início da invasão. Algumas baterias com menor mobilidade, como a bateria de S-300 da foto, foram fortemente atingidas. Mesmo assim, o impacto da grelha de defesa Ucraniano foi relativamente pequeno e apenas temporário.
Imediatamente a seguir ás vagas de mísseis
cruise e balísticos lançadas contra o sistema integrado de defesa aérea Ucraniano, aviões de ataque Sukhoi Su-34 “
Fullback” executaram várias dezenas de ataques contra as posições de mísseis e radares até 300km dentro do espaço aéreo Ucraniano, especialmente nos corredores aéreos usados pelas formações de helicópteros carregadas com tropas das VDV e
Spetznaz rumo ao aeroporto de Hostomel e outros objectivos. Certa de 75% das missões dos Su-34 foram singulares, com a maioria das restantes 25% cumpridas por pares de aviões – nunca em formações maiores. As armas usadas mais comuns foram simples bombas não guiadas, lançadas de altitudes a rondar os 4000 metros. Tal como os ataques com mísseis
cruise/balísticos, estes bombardeamentos aéreos revelaram boa precisão mas, como explicado acima, as posições Ucranianas atacadas tinham sido evacuadas horas antes. Isto leva-nos a outra fragilidade do poder aéreo Russo – fraco reconhecimento e análise de danos. Raramente as VKS ordenaram segunda vaga de ataques aos mesmos alvos, apesar da evidente ineficácia dos ataques iniciais.
O Sukhoi Su-34 “Fullback” foi o avião mais utilizado em missões de penetração na Ucrânia. Dificuldades de treino de pilotos e a herança doutrinal Soviética impediram que as VKS aproveitassem o seu potencial.
Conclui-se que o maior factor limitativo das VKS na campanha de bombardeamento inicial foi a dificuldade em se adaptarem rapidamente às movimentações e reposicionamentos das defesas terrestres Ucranianas. Por outras palavras a “
kill-chain” (localização de alvos, identificação dos mesmos, planeamento da missão, execução da mesma e análise posterior dos resultados) foi, e continua a ser, lenta e ineficiente. Isto apesar da extensa preparação anterior á invasão em detectar e identificar as posições de lançamento de mísseis anti-aéreos e radares. Este processo foi ajudado por fontes de “
intelligence humana” – é agora sabido que os Russos inseriram agentes e simpatizantes na hierarquia militar Ucraniana ao longo de anos vários. Só nas semanas e meses após o início da guerra foi possível aos Serviços de Segurança Ucranianos (SBU) detectar e neutralizar essas ameaças internas.
A campanha SEAD no início da invasão bloqueou a defesa aérea de longo alcance Ucraniana e permitiu o ataque aerotransportado a Hostomel. Mesmo assim, os mísseis de curto alcance Stinger e Igla e fogo de armas ligeiras custaram aos Russos baixas tenebrosas em homens e material.
Ao analisar o esforço SEAD/DEAD inicial dos Russos, os danos físicos foram limitados e não alcançaram o efeito DEAD que as presunções planeadas exigiam. Por outro lado, os ataques de mísseis e aéreos e interferência electrónica forçaram os Ucranianos a recolocarem os seus meios repetidamente. No seu conjunto, estas acções criaram um efeito SEAD que abriu caminho ás duas vagas de helicópteros até ao assalto a Hostomel e outras localidades. As rotas utilizadas por estes helicópteros deveriam estar defendidas por vários sistemas anti-aéreos Ucranianos – afinal de contas, era a rota directa em direcção a Kyiv. Colectivamente, o esforço SEAD Russo foi bem sucedido, dado que forçou a Força Aérea Ucraniana a usar os seus caças para defender o território, expondo-os, por sua vez, aos caças e mísseis de longo alcance Russos. Veremos isso na próxima parte.