Do fogo russo para as brasas chinesas: União Europeia já enfrenta novo desafio energético
Por Francisco Laranjeira em 07:30, 9 Ago 2022
A segurança energética está na boca de todos, sobretudo na União Europeia – depois de décadas de dependência do gás russo, tanto Bruxelas como os Governos dos Estados-Membros estão a fazer tudo o que é possível para se livrarem do jugo do Kremlin.
Assim, na sequência da guerra na Ucrânia, as energias renováveis passaram a ser vistas como um recurso que vai além da luta contra as alterações climáticas mas como parte integrante da segurança energética europeia. Christian Lindner, ministro das Finanças alemão, chegou a chamá-las de “energias de libertação”. A REPowerEU, o plano da Comissão Europeia para se tornar completamente independente dos combustíveis fósseis russos até 2030, prevê um investimento maciço para garantir que, até essa data, 45% da energia utilizada no continente provém de fontes renováveis.
No entanto, muitos analistas temem que, neste esforço para eliminar a sua dependência energética da Rússia, a UE caminha para uma situação semelhante com a China, um país que se tornou líder global indispensável numa vasta gama de tecnologias renováveis.
Ano após ano, Pequim estreia uma quantidade de infraestruturas eólicas e solares no seu território equivalente à construída pelo resto dos países do mundo como um todo. Em 2022 prepara-se para bater um novo recorde, somando cerca de 140 gigawatts de capacidade renovável, um valor cerca de 4 vezes superior ao alcançado pelos 27 em 2021, o seu melhor ano até à data. “Para dar uma ideia da escala, a China está a instalar 5 vezes mais energia eólica do que toda a UE combinada, ultrapassando mesmo a Europa pela primeira vez em instalações totais e anuais de energia eólica offshore”, disse Pierre Tardieu, diretor de políticas da WindEurope, ao jornal espanhol ‘El Confidencial’.
O domínio de Pequim não surpreende, dada a sua posição privilegiada na cadeia de abastecimento dos materiais mais utilizados no sector das energias renováveis. O país tem um monopólio prático no mercado de ‘terras- aras’, monopolizando mais de 90% da sua produção global. Cerca de 80% dos componentes necessários para fabricar uma turbina eólica são produzidos na China, assim como mais de 90% das bolachas de polissilício necessárias para construir um painel solar.
A vantagem colossal da China no sector das energias renováveis é cada vez mais vista como um risco considerável para o Ocidente. “Do ponto de vista da segurança energética, é imperativo que as nações que partilham os mesmos valores desenvolvam as nossas próprias cadeias de abastecimento”, alertou recentemente a secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm. “Já vimos o que acontece quando dependemos demasiado de um país como fonte de energia.”
Não é só uma questão de matéria-prima. O enorme mercado interno da China gera economias de escala difíceis de igualar no resto do mundo, uma vantagem que, aliada ao tratamento frequente e favorável por parte do Governo, permite às empresas de tecnologia renovável do país vender os seus produtos a um preço difícil de competir.
O exemplo da energia eólica é um dos mais representativos deste problema crescente. Os fabricantes europeus de turbinas são há muito os líderes claros do mundo, com a empresa dinamarquesa Vestas e a alemã-espanhola Siemens Gamesa ainda na vanguarda do ranking global. No entanto, apesar dos elevados preços da energia que deveriam beneficiar o sector, quatro em cada cinco destas empresas produtoras perderam dinheiro em 2021, o que levou ao encerramento de fábricas e ao despedimento de trabalhadores – a Siemens Gamesa planeia uma nova redução da sua força de trabalho.
Entretanto, em abril passado, o gigante chinês MingYang marcou a sua primeira vitória no mercado eólico offshore europeu, fornecendo as turbinas necessárias para colocar o parque marinho em Taranto, o único do género em Itália, em funcionamento. Apenas alguns meses antes, o maior parque da Croácia foi inaugurado, na cidade costeira de Senj, que foi construído e gerido pela empresa chinesa Norinco International. “Os fabricantes europeus de turbinas ainda são muito dominantes nos mercados do continente mas estamos a começar a ver sinais de que isso pode não durar para sempre”, explicou Tardieu.
Os riscos para a indústria eólica europeia e para a segurança energética do continente são consideráveis, especialmente tendo em conta o precedente solar. Para esta fonte de energia renovável, pode já ser tarde demais.
Um relatório recente da Agência Internacional de Energia alertou que a quota da China nas fases de produção da tecnologia fotovoltaica, desde a produção de polissilício até aos próprios painéis, ultrapassa os 80%. Em algumas das fases intermédias de fabrico, a quota de empresas chinesas em breve chegará aos 95%. “O mundo dependerá quase inteiramente da China para o fornecimento de componentes-chave para a produção de painéis solares”, alertou a agência, no qual apelou aos Governos de todo o mundo para que invistam no sector para reduzir as vulnerabilidades da cadeia de abastecimento.
O desafio é grande. Os custos de fabrico destes produtos na China são 35% mais baixos do que na Europa e os 27 precisam de um número maciço de painéis para cumprir os objetivos estabelecidos no REPowerEU. Perante a prioridade de eliminar o gás russo, não há tempo ou recursos suficientes para mudar o seu fornecedor. As importações europeias de tecnologia solar chinesa aumentaram 127% em maio deste ano, em comparação com a anterior.
Os esforços anteriores para combater o domínio chinês no sector caíram em ‘saco roto’. Em 2012, a Comissão Europeia, na sequência de um pedido dos fabricantes europeus, lançou uma investigação “anti-dumping” e anti-subvenções aos painéis solares provenientes da China, que na altura começavam a inundar o mercado europeu. Pequim retaliou, lançando a sua própria investigação sobre as importações de vinho da UE e ameaçando fazer o mesmo com os carros de luxo. Finalmente, em 2013 foi alcançado um acordo que estabeleceu um preço mínimo para os produtos chineses mas que se revelou insuficiente para abrandar o seu progresso. A indústria do continente chamou a este pacto uma “capitulação” das autoridades da UE.