Os desafios de segurança na Europa e a nova estratégia da UEAlexandre Reis RodriguesA Europa está confrontada com uma realidade no campo da segurança e defesa que julgava ter ficado definitivamente afastada com o fim da Guerra Fria. Ruiu o sonho de ver o mundo à sua volta como um ambiente benigno de natureza cooperativa e desapareceu a esperança de que bastaria mostrar-se como uma espécie de superpotência moral, quando muito saber fazer uso do seu potencial de “soft power”, para conseguir ser um ator global, com um modelo de governação que os outros tentariam copiar.
A ilusão funcionou durante algum tempo mas não resistiu às crises que se foram desenvolvendo na sua vizinhança próxima, em especial a anexação da Crimeia e a invasão da Ucrânia pela Rússia, e às ameaças ao clima de estabilidade interna e à segurança do seu estilo de vida, provenientes do terrorismo jihadista e, em geral, da crise dos refugiados. Afinal, o sistema internacional continuava anárquico e sem conseguir contar com uma ONU com autoridade acima dos estados para garantir a segurança.
Malgrado muitos alertas que foram sendo dados ao longo do tempo, a Europa nunca assumiu que para proteger a ordem internacional que foi ajudando a criar teria que apoiar concretamente os EUA na tarefa de a garantir. Em vez disso, limitou-se a procurar a sua força e capacidade de influência na manutenção de uma relação privilegiada com os EUA, numa postura de potência que Jan Techau designa por “derived power”. Foi caindo na irrelevância estratégica, desenlace que se agravou a partir do momento em que a União teve que limitar e depois suspender (de momento, até 2019) a opção do seu alargamento como instrumento estratégico.
Não é obviamente à falta de uma estratégia que se deve este desfecho. Essa estratégia existe desde 2003, foi reafirmada em 2008, e, não obstante as críticas que agora lhe fazem os defensores da nova estratégia, não estava seguramente errada. Se estivesse, não teríamos a estratégia que agora se procura desenvolver, a visar, no essencial, os mesmos objetivos. Isto é, uma Europa como ator global, uma União mais ativa, mais coerente e mais capaz, usando a terminologia de 2003. O desfecho errado aconteceu porque, por diversas razões, a Europa não conseguiu operacionalizar a sua estratégia, passando do nível dos grandes princípios para as orientações práticas concretas.
Se não nos debruçarmos sobre as causas do desfecho atrás referido e limitarmo-nos à elaboração de uma nova estratégia não teremos garantidas as condições necessárias para que o documento tenha o esperado impacto politico na promoção dos valores que a UE advoga e na defesa dos interesses que precisa de proteger. Sabemos que a atual Alta Representante para a Política Externa e Política de Segurança, ao contrário da sua antecessora, é uma entusiasta deste processo mas isso, por si só, não chega para afastar as razões de pessimismo que Chaterine Ashton tinha em relação a este assunto e que, no Fórum Económico Mundial de Davos, presentemente em curso, políticos das três principais potências europeias não hesitaram em expressar as suas preocupações.
Com a Europa dividida sobre o destino que pretende atingir e sobre o caminho para lá chegar, muitos mostram-se céticos quanto à oportunidade de iniciar, sob estas condições, uma revisão estratégica. Outros, porém, defendem que pode estar precisamente nestas circunstâncias a oportunidade para levar todos a procurar soluções para os obstáculos que têm impedido a União Europeia de se afirmar globalmente.
Parece-me a mim que fica implícito, nesta segunda perspetiva, que não se devem saltar etapas, mesmo as difíceis, para entrar diretamente na elaboração do texto. Ou seja, é necessário tratar previamente as questões que mais influenciarão ou de que mais dependem as opções a fazer. No campo da segurança e defesa há uma certamente incontornável: a da parceria NATO/EU, cujos termos, conceitos e princípios em que assenta, elaborados há mais de duas décadas sob pressupostos radicalmente diferentes dos que temos hoje em cima da mesa, não têm, presentemente, aplicabilidade prática.
Se não se definir, previamente, como se pretende encarar a eterna questão da partilha de responsabilidades entre a NATO e a União Europeia, não me parece que reste espaço para definir o que quer que seja de útil na nova estratégia global da União Europeia, para além da esperada recomendação em investir mais na Defesa. Mas para isso não deveria ser necessário todo o esforço de elaborar uma nova estratégia.
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http://database.jornaldefesa.pt/organizacoes_internacionais/ue/JDRI%20173%20290116%20europa.pdf