Ataque terrestre "é quase impossível"
Só uma intervenção militar como a dos EUA no Iraque, colocando cerca de 200 mil homens no terreno e para aí ficarem a longo prazo, permitiria uma solução para a Síria. É o que diz um antigo comandante da ONU no Kosovo, a quem isso parece "quase impossível" . "Seria uma situação que nunca mais acabaria", exclama ao DN o major-general Raul Cunha. Até porque, defende o militar, "já é a própria dinâmica da guerra a conduzir o conflito", num teatro de operações onde se enfrentam tropas leais ao regime de Bashar al-Assad, os rebeldes que os combatem, milícias curdas e jihadistas do Estado Islâmico (EI).
Note-se que a França acaba de assumir que "qualquer intervenção [com tropas no terreno] seria irrealista e inconsequente", aprovando agora o seu envolvimento autónomo na campanha de bombardeamentos aéreos em curso contra o EI desde 2014 por uma coligação liderada pelos EUA - onde já está Paris.
Miguel Machado, tenente-coronel paraquedista que integrou a primeira missão militar portuguesa na Bósnia (1996), lembra ao DN que "os EUA entraram no Iraque com uma força poderosíssima e derrotaram Saddam Hussein, mas depois não conseguiram estabilizar o país" porque essa mesma força já "não era suficientemente numerosa". Assim, ou a comunidade internacional "tem uma força muito poderosa e acaba com tudo ou, então, toma partido por uma das fações", diz o autor do site Operacional.pt.
Raul Cunha sustenta que, na Síria e "em termos militares, é quase impossível uma solução" sem que sejam empenhados efetivos terrestres da dimensão que os EUA enviaram para o Iraque em 2003 - mais os da Força Aérea e da Marinha. E é para ficarem, pois, "como o Iraque mostrou, a seguir temos a insurreição armada" dos vencidos. No caso da luta contra os islamitas do EI, "temos de nos lembrar que eles, face ao empenhamento e fanatismo dos seus membros, têm conseguido derrotar forças superiores". Mais, revelam "uma predisposição para o combate que os outros não têm", insiste o general. Miguel Machado sustenta que uma força militar internacional "é a única hipótese" de estabilizar a região que está na origem da onda de refugiados em direção à Europa. "Este é o tema dos exercícios militares feitos nos últimos anos: guerra civil, intervenção limitada, retirada de não combatentes", refere.
No caso sírio, Miguel Machado aponta dois exemplos de intervenção externa. O primeiro remonta à II Guerra Mundial, com o emprego da "força militar brutal que ocupou a Alemanha e foi retirando gradualmente, criando condições para que o Estado se reconstruísse". No outro caso, os Balcãs, distingue a Bósnia e o Kosovo. Neste conflito, "a NATO interveio ao lado de uma fação e derrotou os sérvios", no outro houve acordo prévio entre os beligerantes para a entrada de uma força de paz com 60 mil efetivos - em ambos retirando gradualmente para que as instituições funcionassem.
Raul Cunha estranhou não terem sido empenhadas as unidades militares comuns da UE na fase inicial da crise dos refugiados - na Grécia ou na Itália - perante a sua capacidade para montar e gerir centros de seleção e identificação. "Deviam ter montado esse tipo de estruturas à chegada" das pessoas. "Agora é tarde, estão por todo o lado e vai ser difícil referenciar" quem é refugiado, migrante económico ou terrorista.
Note-se que os alertas sobre o risco de haver jihadistas entre os refugiados que chegam à Europa são desvalorizados por peritos como o ex-diretor da secreta francesa Alain Chouet: "Não faz sentido, de um ponto de vista operacional, uma rede correr esses riscos. [Eles] levariam meses a chegar e com um risco de 50% de se afogarem." Sob anonimato, um responsável dessa secreta adiantou: "Não temos indicação de que haja jihadistas misturados com refugiados."
DN