Os aviões torpedeiros da República Social Italiana 
A actuação dos esquadrões de torpedeiros Savoia Marchetti SM79 durante a governação da República Social Italiana, no norte da Itália.
Com a perda da Sicília após a invasão anglo-americana em julho de 1943, a confiança e o apoio popular ao regime fascista italiano foi seriamente abalado, e ficava claro que os aliados usariam a ilha como base para invadir a própria Itália.
Diante da gravidade da situação, foi convocada a reunião do Conselho Fascista em 24 de julho de 1943, onde por unanimidade de seus 28 membros, entre representantes do Sindicato, da Casa Real, Militares, etc, foi pedida a renúncia de Mussolini como Chefe de Estado.
Surpreendentemente Mussolini não reagiu, e no dia seguinte, logo após ser recebido em audiência pelo Rei Victor Emmanuel III, ele foi preso e um novo governo foi instituído, sendo designado pelo Rei, o Marechal Pietro Badoglio, que decretou a lei marcial.
Apesar de o novo governo reafirmar ante aos alemães que continuaria a honrar a aliança militar, na verdade organizava-se nos bastidores não apenas a rendição incondicional da Itália, mas a continuação da luta ao lado dos aliados, desta vez contra seu antigo aliado alemão. O Alto Comando alemão já desconfiava das intenções do novo regime e tinha pronto o plano de ocupação da Itália, que foi executado logo após o anúncio da capitulação incondicional do governo italiano.
A 29 de julho de 1943, Hitler, após um encontro com Otto Skorzeny, determinou o resgate de Mussolini, aprisionado no alto dos montes Apeninos. A missão foi executada com êxito em 13 de Setembro quando uma força de comandos invadiu o hotel usado como prisão. Passado apenas pouco mais de um mês do vergonhoso armistício de 8 de setembro, e a Alemanha ajudou Mussolini a organizar um novo governo, a República Social Italiana, com a capital localizada na cidade de Sàlo, no norte da Itália.
No outono de 1943, o Capitão Carlo Faggioni, ex-companheiro de arma do ás dos aviões torpedeiros da Regia Aeronautica “Carlo Emanuele Buscaglia” e de tantos outros pilotos valorosos desta especialidade, que por três anos, no controlo de seus Savoia Marchetti SM79, infligiram à Royal Navy tão duras perdas, decide constituir um grupo de ataque e dar vida a um novo Corpo Aerosiluranti (Torpedeiro) sob a insígnia da recém constituída República Social Italiana. Uma empresa que parecia muito árdua, um pouco pela carência de aviões e pessoal especializado, e um pouco pela relutância se não mesmo pela desconfiança do Comando Supremo Alemão.
Embora ainda não possuísse confiança suficiente do seu aliado e não visse com bons olhos as propostas de cooperação de caráter militar por parte italiana, em outubro de 1943, o Comando da Luftwaffe deu o seu parecer favorável, além da aprovação de Hitler para a constituição de uma milícia, de um pequeno exército composto de três divisões treinadas na Alemanha, e a criação de uma modesta aviação e de uma mais modesta marinha Republicana, mas em relação a reconstituição de sectores específicos da aviação, havia apenas consenso quanto a criação da aviação de Caça e de Transporte, negando a criação de grupos de Bombardeiros ou Torpedeiros.
Foi atravessando muitas dificuldades que o Capitão Faggioni, que tinha uma ficha militar bem sucedida (no decurso da guerra o oficial havia conseguido no Mediterrâneo significativo sucesso, golpeando e danificando o couraçado inglês Barham, afundando o navio Thermopylae e atacando o cruzador Berconshire e o Porta-Aviões Argus), conseguiu ganhar a confiança e a estima dos alemães para a execução do seu projeto.
O sonho de Faggioni de reconstituir no norte da Itália a unidade especial dos Aerosiluranti vai ganhar o apoio decisivo do criador da Aeronáutica Republicana, o Tenente-Coronel Ernesto Botto e o Marechal Rodolfo Graziani, chefe supremo das forças armadas da R.S.I.
Graças aos bons ofícios do Coronel Botto (que se deslocou pessoalmente até Berlim para convencer o Marechal Göering a dar o seu consentimento ao projeto) iniciou-se em princípio de novembro de 1943 ao se formar o "Gruppo Aerosiluranti" que recebeu os seus primeiros Savoia Marchetti SM79 da R.S.I (alguns dos poucos exemplares que escaparam da cisão precedente após a capitulação italiana) que puderam ser completamente vistoriados e postos à disposição dos pilotos e dos especialistas reunidos por Faggioni.
Para dirigir a especialidade dos Torpedeiros da Aviação Republicana foi chamado o Tenente-Coronel piloto Arduino Buri (que durante o conflito atacou com o seu SM79 o Couraçado britânico Nelson) e a direção operativa do grupo foi entregue ao mesmo Faggioni que baptizou a sua unidade em memória do companheiro Buscaglia (Faggioni e seus companheiros acreditavam que Buscaglia havia sido abatido e morto durante uma missão ao largo da Costa da Argélia).
Obtido do Comando da Luftwaffe a indispensável permissão, e superando com muita vontade e imaginação os numerosos problemas de logística e organização, Faggioni reuniu os seus homens (pilotos, especialistas, mecânicos, etc.) e os meios (apenas uma meia dúzia de antigos SM79) no campo de Florença.
Imediatamente começou a pressionar o Comando da Aviação Republicana com requisições de novos aviões, pessoal, motores, torpedos, munição e apetrechos de bordo e de terra, bem como melhorias na infra-estrutura logistica. Em suma, tudo quanto era indispensável para obter a máxima eficiência operativa do novo núcleo de combate. Num par de semanas, por intervenção do Coronel Botto, a unidade recebeu da SIAI (Fábrica de Aviões) de Vergiate, um certo número de novos SM79 e alguns recuperados na Itália, Alemanha e Dinamarca.
Vale lembrar que na data de 8 de setembro de 1943 a Alemanha havia se apoderado de um grande número de aviões italianos, distribuindo-os nos numerosos aeroportos da Luftwaffe (diversos SM79 torpedeiros da ex-Regia Aeronautica foram trazidos do aeroporto alemão de Shorgan e Gottenhafen e da Escola Dinamarquesa de Torpedeiros, a Flieger Torpedo Schule de Falster).
A 1 de novembro, o grupo de Faggioni transferiu-se para o aeródromo de Varese-Venegono para iniciar o treinamento, sendo que neste curto espaço de tempo foi criada uma segunda base operativa em Merna (Gorizia).
A unidade foi repartida em três esquadrilhas comandadas pelo Capitão Giuseppe Valerio, pelo veterano Tenente Imerio Bertuzzi e pelo Capitão Carlo Chinca. Depois de dois meses de provas e contínuo treinamento de vôo diurno e noturno, e do lançamento simulado de torpedos, o novo equipamento podia se considerar pronta para a ação.
Em 9 de fevereiro de 1944, na presença de autoridades militares republicanas e alemãs, as equipagens juraram fidelidade a R.S.I, rendendo honras à bandeira do 36º Stormo Aerosiluranti que fora formada pelo Capitão Faggioni.
A 1 de março uma esquadrilha foi deslocada para Friuli, enquanto as outras duas foram mantidas em Venegono.
Em 8 de março, 7 SM79 estavam finalmente prontas no aeroporto de San Egidio di Perugia para iniciar o difícil ciclo de operações contra a frota anglo-americana fundeada em Anzio e Nettuno. Em 10 de março, em combinação com um bombardeamento de diversão alemão, doze SM79 ao comando de Faggioni e Bertuzzi (os dois pilotos com mais experiência) descolaram e atacaram a frota aliada. Duas unidades de transporte foram atingidas pelos aviões, uma delas (atacada por Bertuzzi) deslocava 7.000 toneladas.
Galvanizados pelo primeiro sucesso, no dia 14 do mesmo mês, outros sete trimotores repetiriam a ação contra uma unidade inimiga ao largo de Nettuno e Nápoles, e os aviões de Faggioni, Valerio, Sponza, Bertuzzi, Teta, Amoroso e Balzarotti afundaram um navio de transporte de 5.000 ton, uma unidade de apoio a desembarque (a LST 348) e dois outros navios de transportes menores.
Acusamdo o golpe, o Comando Aliado imediatamente replicou, e em 18 de março uma formação de quadrimotores norte-americanos despejou toneladas de bombas sobre o aeródromo de Merna, destruindo hangares, depósitos, armazéns e atingindo vários SM79. Refeitos da surpresa, o Gruppo "Buscaglia" transferiu-se para um campo mais seguro nas proximidades de Milão, no campo de Lonate Pozzolo, e já no início de abril a esquadrilha de torpedeiros estava em condições de atuar.
A 6 de abril, 13 SM79 decolaram em direção ao campo de San Egidio, mas foram atacados por uma formação de P-47 Thunderbolt norte-americanos. No violentíssimo combate que se seguiu quatro aparelhos republicanos caíram em chamas e outros dois sofreram avarias gravíssimas. O SM79 do Ten. Sponza, repetidamente atingido e com o motor em chamas, conseguiu abater com suas metralhadoras um caça norte-americano, efetuando uma aterragem de emergência no campo de Peretola.
A protecção de San Egidio, todavia não tranquilizou os espíritos do agrupamento que em poucos dias possuía apenas cinco aviões disponíveis para tentar prosseguir sua missão no Tirreno.
No dia 10 de abril quatro SM79 partiram de Perugia (o quinto teve que abortar a operação em razão da falha de um dos motores) para atacar novamente ao largo da baia de Nettuno a frota aliada. Os aviões sob o comando de Faggioni, Sponza e Bertuzzi conseguiram atacar três navios, mas a esquadrilha foi confrontada pelo violentíssimo fogo antiaéreo. O comandante Faggioni é abatido e apenas o avião do Ten. Bertuzzi retorna da missão. Restava agora ao Capitão piloto Marino Marini assumir a pesada herança deixada pelo Capitão Faggioni.
Marini demonstra uma grande capacidade de organização e tenacidade fora do comum e consegue juntar novas tripulações e os meios necessários. Novos SM79, recém saídos da fábrica SIAI, a versão SM79S, que tinha motores e armamento mais potentes e instrumentos mais modernos, chegaram para integrar a unidade. Terminado o novo e indispensável ciclo de treinamento, no início de junho de 1944 o Gruppo Buscaglia já estava pronto para entrar em acção, apesar da fortíssima oposição inimiga que a cada dia aumentava mais.
Para elevar o moral da Aeronáutica Republicana (deixada pelos alemães praticamente só a defender o território da Itália setentrional), Marini elaborou um plano de ataque contra a frota inglesa ancorada na longínqua base de Gibraltar. Confiando no facto de que o Almirantado Britânico não esperava que o inimigo tivesse capacidade de cumprir uma missão contra objetivo tão longínquo (em 1940 e 1942 alguns aviões SM82-bis especialmente preparados e o quadrimotor Piaggio P108 da Regia Aeronáutica efetuaram alguns ataques contra o rochedo), Marini insistiu com o Comando Alemão, muito céptico a respeito, sobre a oportunidade de desferir uma última e inesperada acção contra o leão adormecido.
Marini selecionou as dez melhores equipas de pilotos e, depois de haver estudado os mínimos detalhes a organização da missão levando em conta a grande distância do objetivo, decidiu-se a usar um campo de pouso como trampolim para o ataque na França meridional.
Não se dispunha mais na época de bases aéreas na Sardenha, que foi utilizada entre os anos de 1940 e 1942 pelos bombardeiros italianos para atacar Gibraltar.
Em 2 de junho, Marini transferiu em grande segredo e com a colaboração técnica e logística dos oficiais da Luftwaffe Müller e Hellferich (este último participaria da missão contra o rochedo na qualidade de oficial de ligação) material e por último os seus torpedeiros para a base de Istres, em França.
No dia 4 de junho de 1944, as 02:20hs, dez SM79S do Gruppo Buscaglia decolaram em direção a Gibraltar. O ataque foi conduzido de maneira impecável e a baixíssima altitude (70 metros). O Capitão Bertuzzi atacou primeiro, seguido de todos os outros. Dez torpedos foram lançados, todos a uma distância média de 700 metros dos seus alvos. Várias explosões acusaram a precisão do ataque, um grande incêndio irrompeu no porto e pedaços e fragmentos de aço se projetavam para todos os lados.
Centrados no objectivo, oito aviões do grupo após lançarem os seus torpedos prosseguiram em direção a norte para evitar as defesas antiaéreas e de caças noturnos ingleses. Os motores centrais foram desligados para poupar combustível e após pouco mais de 1 hora de vôo chegaram a Istres.
Os únicos dois aviões faltantes,devido à pouca quantidade de combustível, foram aterrar em território neutro da Espanha. Retornando a Lonate Pozzolo com seus homens e seus aviões, o Capitão Marino Marini foi recebido triunfalmente por uma comissão de oficiais italianos e alemães. Com a feliz missão de 5 de junho de 1944, terminava gloriosamente as actividades dos torpedeiros republicanos no teatro do Mediterrâneo Ocidental.
A partir do mês de julho, o Grupo "Buscaglia" estendeu a sua zona de operação no quadrante do Adriático, no Egeu e no Mediterrâneo Central.
A primeira acção no Adriático aconteceu a 6 de julho quando no comando dos torpedeiros SM79S estavam o Capitão Bertuzzi e o sub-Tenente Bellucci, do Sargento-major Canis, do Tenente Neri, do Sargento-major Sessa e do Sargento-major Ferraris.
Os torpedeiros, depois de descolarem de Lonate, chegaram ao campo intermediário de Treviso, e de lá empreenderam o vôo para o sul, em direção ao porto de Bari, lotado de navios ingleses. No curso do ataque, enfrentando uma forte oposição antiaérea, os SM79S do Ten. Ruggeri, do Ten. Bellucci e do Cap. Bertuzzi conseguiram atingir em cheio três navios inimigos, antes disso o torpedeiro do Ten. Perina interceptou fora do porto o contratorpedeiro inglês Sickle, que afundou poucos minutos depois. O único avião italiano danificado no curso da ação foi o do Ten. Del Prete, que teve de amarar no seu retorno a pouca distância do litoral romagnolo.
Após os bons resultados obtidos, o Major Marini (promovido a este grau depois da sua acção contra Gilbratar) inaugurou uma estreita colaboração com o Comando Alemão, e um novo ciclo de operações no Egeu. No mês de julho de 1944, 12 aviões do Grupo (10 operativos e dois de apoio técnico) foram estacionados no aeroporto grego de Eleusi, próximo a Atenas.
Subdividido em duas seções de cinco aparelhos, os SM79S iniciaram logo as actividades compreendendo missões de reconhecimento armado sobre a vasta zona compreendida entre Chipre, Rodes, Creta e a costa da Libia. Tal actividade conduziu ao resultado esperado e consentiu ao Ten. Merani afundar quase de súbito um navio de transporte de 4.000 ton. Este primeiro sucesso foi repetido pelo Ten. Morselli que a 4 de agosto, ao largo da costa Cirenaica, torpedeou um cargueiro de 7.000 ton.
Depois de haver efectuado um longo reconhecimento armado nas águas da ilha de Malta, no curso da qual nada foi avistado, uma secção estendeu as suas operações mais a oriente, compreendendo uma missão na zona da Ilha do Chipre. Durante uma destas operações uma patrulha de caças britânicos descolou do aeroporto de Limassol e interceptou o SM79S do Ten. Jasinki, que foi abatido, bem como outros dois Savoia Marchetti, que atingidos tiveram que amarar não muito longe da costa de Creta. Os pilotos italianos fpram recuperados por um hidroavião alemão.
Terminado o longo ciclo operativo “Oriental” durante dois meses, Marini decidiu transferir todos os aviões para a Itália. No entanto durante o sobrevôo do aeroporto de Belgrado, o SM79S do Tenente Morselli foi erroneamente confundido com um aparelho italiano “cobeligerante” e foi abatido pela defesa antiaérea alemã. No incidente pereceu também o Capitão Helfferich.
No mês de agosto, foi descoberto o verdadeiro fim do Major Buscaglia (fora feito prisioneiro após ser abatido ao largo da costa africana e em seguida decidiu aderir à aeronáutica cobeligerante, sofrendo um acidente a bordo de um aparelho de fabrico norte-americano durante a descolagem da base aérea do campo Vesuviano), o Major Marini, mesmo venerando a figura do grande ás, decidiu renomear o seu grupo em memória do camarada Faggioni.
Mesmo a guerra tendo pregado uma partida à pequena, mas corajosa Aeronáutica Republicana, ela não se deixou abater e enfrentando sempre a penúria de meios materiais, como a restrição de combustível, lubrificantes e de peças de reposição, não obstante tudo, na vigília de natal de 1944, quatro SM79S efetuaram uma acção ofensiva na zona de Ancona e que resultou no afundamento de um transporte de 7.000 ton.
Dez dias depois, a 5 de janeiro de 1945, o SM79 do Ten. Del Prete conseguiu o último sucesso dos torpedeiros italianos ao afundar ao largo da costa do Adriático um navio de 5.000 ton.
Terminava assim a epopéia do Gruppo "Faggioni", ex- "Buscaglia" que no período que compreendeu de março de 1944 até o início de 1945 afundou 19 navios diversos e um contratorpedeiro com um volume total de 115.000 ton. de navios, com a perda de 16 aviões e o sacrifício supremo de 38 pilotos e 185 especialistas.
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