A Fábula da internacionalização da Amazônia
“Em 2024 o Brasil, com um governo de viés progressista eleito em 2022 e sob pressão de governos e organismos internacionais apoiados por ONGs instaladas no país e aliadas a grandes órgãos da mídia brasileira, acaba aceitando uma forma de ‘cogestão’ da Amazônia sob a justificativa de garantir sua preservação, dada a condição de patrimônio mundial de fundamental importância para o planeta.
Sob protestos de parte da comunidade internacional, notadamente China e Rússia, é criada a ‘Amazon International Management Commission’ (Comissão Internacional de Gestão da Amazônia), constituída fora do âmbito da ONU. A Comissão é composta por nove representantes, um de cada país do G7, um da ONU e um do Brasil, que se alternam na presidência em sistema de rodízio. Cada representante tem direito a um voto nas decisões.
Todo o território antes conhecido por Amazônia Legal é colocado sob gestão da Comissão, na prática dissolvendo os estados que a compunham. Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão continuam a existir como ‘regiões administrativas’ da agora chamada Amazônia Internacional (‘International Amazon’), com administradores indicados pela Comissão de acordo com seus próprios critérios.
O Brasil é compensado através de uma taxa anual a ser paga pelos próximos vinte anos pelos países do G7. A taxa é calculada pela média do PIB proporcional desses estados nos últimos dez anos. O G7 e a ONU consideram isto aceitável, visto que a participação no PIB da região é baixo em relação ao PIB total do Brasil. Além disso, o Brasil será beneficiado, já que não terá mais a carga da preservação da região.
As ONGs que atuam na Amazônia são incorporadas e reorganizadas sob gestão da Comissão, que passa a colocar em prática um extenso programa de avaliação para determinar que projetos, atuais ou novos, serão mantidos ou implementados visando a preservação da região que, repete-se à exaustão, é fundamental como patrimônio ambiental da humanidade.
Em paralelo, é criada a ‘Amazon Preservation Enforcement Agency’, uma força militar composta por contingentes dos países do G7 com o declarado objetivo de policiar e proteger a Amazônia de ações ilegais.
O mundo festeja a decisão como uma vitória do planeta e da humanidade. No Brasil, mesmo com a oposição de diversos setores, a grande mídia se encarrega de disseminar a imagem da ‘vitória do planeta’ e da grande contribuição do país para o mundo; ao mesmo tempo, certos setores e indivíduos são persuadidos a aplaudir a decisão através de incentivos pouco esclarecidos e ainda menos divulgados.
Três anos depois, o mundo atravessa uma crise econômica que ameaça inviabilizar o projeto. A preservação desse importante patrimônio mundial é cara demais.
Após análises e estudos, a Comissão conclui que é viável implementar projetos de exploração sustentável das riquezas da Amazônia de forma que ela própria possa sustentar sua preservação. Os projetos selecionados serão executados por empresas escolhidas pela Comissão com reconhecida capacidade industrial e de pesquisa que atendam às normas internacionais de gestão ambiental. As empresas selecionadas pagarão royalties à Comissão, o que viabilizará tanto a sustentação da região quanto o pagamento dos dezessete anos restantes da taxa anual devida ao Brasil.”
A narrativa acima é, obviamente, uma fábula, mas deveria servir para reflexão. Assumindo-se que a Amazônia fosse “internacionalizada” ou recebesse um “estatuto internacional”, quem assumiria as despesas? Quem pagaria a conta da preservação, de vigiar as extensas fronteiras e coibir as atividades ilegais?
É difícil crer que alguém seja ingênuo o suficiente para acreditar que os países ricos assumiriam a gestão de um território de mais de cinco milhões de km2 riquíssimo em recursos minerais, hídricos e biodiversidade, e todas as despesas correriam por conta de seus respectivos pagadores de impostos. Quanto tempo isso duraria?
Após toda a celeuma causada com a questão do desmatamento (discutida em meu artigo “Só o Brasil pode salvar a Amazônia” de 23 de agosto), o presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu a “criação de um estatuto internacional para a Amazônia” acrescentando que “é um tema que permanece aberto e continuará a prosperar nos próximos meses e anos”. Segundo ele, “é uma questão real que se imporia se um estado soberano tomasse medidas concretas que claramente se opusessem ao interesse do planeta”.
Há quem afirme que essa declaração não representa um ataque à soberania do país, pois tal estatuto iria permitir uma maior preservação da região e sua biodiversidade, equiparando-o ao Tratado da Antártida. O que nos remete de volta à pergunta: se diversos países passarem a decidir sobre as políticas para a Amazônia, quem pagará a conta? O G7 o faria de forma graciosa, às próprias expensas? Por quanto tempo? Ou eles tomariam as decisões e a conta deveria ser paga pelo Brasil?
O presidente do Chile, Sebastián Piñera, avaliou, corretamente, que permitir o debate sobre a internacionalização da Amazônia pode abrir as portas para questionamentos futuros sobre a autonomia de outros países sul-americanos sobre seus territórios. Afinal, Macron citou outros ecossistemas em sua declaração: “a mesma coisa vale para aqueles [países] que têm territórios glaciares ou regiões com impacto sobre o mundo inteiro”. É o caso do Chile, que não possui bioma amazônico, mas parece já estar colocando as barbas de molho.
Ajuda internacional?Um dos resultados da reunião do G7 foi a aprovação de uma ajuda de US$ 20 milhões para ajudar no combate aos incêndios. Se a preocupação é esta, a Nota 220 emitida pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil dia 26 de agosto (
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/20733-financiamento-ambiental-mecanismos-internacionais-existentes), intitulada “Financiamento ambiental: mecanismos internacionais existentes”, enumera os instrumentos de financiamento de atividades de redução do desmatamento criados no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – UNFCCC.
Entre estes instrumentos, está o REDD+, que visa recompensar países pela redução de emissões de gases de efeito estufa como resultado do combate ao desmatamento. Sob este instrumento, o Brasil já teve reduções reconhecidas de seis bilhões de toneladas equivalentes de CO2. A Nota informa que o valor dessas reduções é estimado em US$ 30 bilhões, que aguardam o pagamento pelos países desenvolvidos, a França entre eles. Portanto, não é necessária ajuda adicional: basta que os países desenvolvidos cumpram sua parte no Acordo de Paris.
Preocupação com o meio-ambiente e as queimadasAlgumas afirmações já foram desmistificadas: uma delas é a que diz que o mundo não pode viver sem a Amazônia, porque o oxigênio que ela produz a transforma no “pulmão do planeta”. Em matéria da revista Forbes publicada em 20 de agosto (disponível em
https://www.forbes.com/sites/michaelshellenberger/2019/08/28/how-the-eu-greenpeace-and-celebrities-dehumanize-the-amazon-and-worsen-fires-and-deforestation/amp/?__twitter_impression=true), Michael Shellenberger conversa com Dan Nepstad, especialista em florestas da Amazônia e principal autor do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, que enfatiza que isso é uma “besteira”: a Amazônia usa todo o oxigênio que produz.
Já com relação à celeuma causada em torno do suposto aumento das queimadas em 2019, muito também já foi desmistificado. Várias análises foram publicadas demonstrando que, se por um lado o problema existe, tampouco justifica o ataque generalizado que vem ocorrendo contra o governo Bolsonaro.
Dados do INPE mostram que o pico de focos de incêndio no bioma amazônico ocorreu entre os anos de 2004 e 2005 em níveis bastante acima dos atuais, e na época não se viu a comoção que presenciamos hoje; aliás, desde então os focos de incêndio na Amazônia tem se reduzido.

A conclusão a que se chega baseada em fatos e dados é de que os níveis de focos ativos de 2019 estão altos se comparados a 2018.

Os focos ativos de 2019 estão acima da média da série histórica dos últimos 20 anos.

O grande responsável pelo cenário elevado de focos de queimada são os níveis baixos de precipitações nas regiões em agosto de 2019.

Os focos ativos dos últimos anos estão muito abaixo dos índices recorde que ocorreram entre 2002 e 2010.

O mês de agosto de 2019 está acima da média histórica dos últimos 20 anos para o mês, mas longe do pico máximo entre 2002 e 2010.

O mês de março de 2019 é o maior pico histórico dos últimos 20 anos, não noticiado pelos órgãos competentes e pela mídia na mesma escala de agora.
Real motivação?Qual será, portanto, a motivação das declarações de Macron? Embora haja uma preocupação (justificada) com internacionalização, soberania, Corredor Triplo A e a quantidade enorme de ONGs atuando na Amazônia (mais de quinze mil ONGs operando apenas na região amazônica, de acordo com informação do G1 citando dados do IBGE, em (
https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2019/08/27/e-fake-que-haja-100-mil-ongs-na-amazonia-e-nenhuma-no-nordeste.ghtml), a motivação, neste momento, parece ser apenas protecionista.
As diversas matérias publicadas na imprensa nacional e internacional, marcando o início da comoção, parecem ter ocorrido exatamente na esteira da assinatura do acordo Mercosul-União Europeia.
Na citada matéria da revista Forbes, Dan Nepstad afirma que há muito ódio ao agronegócio motivado por razões ideológicas. Segundo ele, a agenda ideológica e “progressista” de diversas ONGs se encaixa na agenda de agricultores europeus que visa eliminar a concorrência de alimentos brasileiros na União Europeia; eis a verdadeira motivação de Macron para barrar o acordo UE-Mercosul: o setor agrícola francês não quer a competição do agronegócio brasileiro, muito mais produtivo e, claro, muito mais competitivo. Não se trata da alegada e altruísta preservação ambiental, mas de puro e simples protecionismo comercial.
A tentativa, pelo menos por ora, fracassou; Macron parece estar isolado. Ainda assim, devemos estar atentos.
A Amazônia é uma região riquíssima, e cedo ou tarde será explorada, seja pelo Brasil, seja por potências estrangeiras. É melhor que essa exploração aconteça de forma responsável e sustentável, feita pelo Brasil em prol dos brasileiros. É nosso dever cuidar da Amazônia e de nossa integridade territorial. Ataques à soberania do país não podem ser tolerados.
*Albert Caballé Marimón é fotógrafo profissional e editor do Blog Velho General. Albert trabalha na cobertura de eventos tendo atuado, por exemplo, na Feira LAAD, no Exercício CRUZEX e na Operação Acolhida em Roraima. É colaborador do Canal Arte da Guerra e da revista Tecnologia & Defesa. E-mail: caballe@gmail.com.FONTE: https://velhogeneral.com.br/2019/08/29/a-fabula-da-internacionalizacao-da-amazonia/