O que falta saber sobre a intervenção militar na Síria ??
Alexandre Reis Rodrigues
Já não é muito o que falta saber sobre a “anunciada” intervenção militar na Síria. Na verdade, de importante para o curto prazo, só falta saber a data em que se
iniciará. A rejeição do Parlamento britânico quanto à possibilidade de participação de forças do Reino Unido, que o Primeiro-ministro anunciou ir respeitar, não irá alterar o quadro em que os EUA tomarão a sua decisão formal em avançar. Constitui, no entanto, um revés político importante, sobretudo na medida em que reforça a
oposição de Moscovo. Os EUA certamente lamentam a falta de apoio, especialmente o político, do seu mais firme aliado mas já reafirmaram que decidirão em função do seu interesse. Não se imagina como poderiam voltar atrás apenas em função da decisão britânica. Em qualquer caso, está prevista uma segunda sessão do Parlamento sobre o assunto. Não se sabe como poderá ser a sua evolução em função de eventuais novos dados.
A dúvida que persiste é saber se a intervenção será antes ou depois da Cimeira do G-20, agendada para 5/6 de setembro na Rússia, evento que, no que respeita ao Presidente Obama, será precedido por uma visita à Suécia a 3 de setembro. O período de tempo que Ban ki-Moon pediu para concluir o relatório da inspeção feita
no terreno acabará, precisamente, a 3/4 de setembro. Inclui quatro dias para ser examinado por especialistas depois de entregue a Ban ki-Moon a 30/31 de agosto.
No entanto, poderá haver um relatório preliminar a partir desta última data. Se assim for talvez fique esclarecido mais cedo o essencial das conclusões a que os inspetores terão chegado.
No entanto, esperar mais alguns dias para a decisão final sobre a intervenção tem algumas vantagens. Permite mais algum espaço para a diplomacia funcionar, em especial, aproveitar a oportunidade de um frente a frente entre os Presidentes Obama e Putin, durante a Cimeira do G-20 e já na posse do relatório dos inspetores. Mostra o empenho dos EUA em dar às Nações Unidas o espaço que estas reclamam para completar o seu trabalho. Mostra que os EUA estão cientes da desconfiança que se instalou na sequência do Conselho de Segurança que antecedeu a intervenção no Iraque, quando foi tentado demonstrar a existência de armas de destruição maciça, que afinal não existiam.
Se a espera vai servir ou não para clarificar melhor a situação é outro assunto. Ninguém calcula que seja possível às Nações Unidas ir mais longe do que confirmar que houve um ataque com armas químicas. Se é ao regime ou à oposição que deve ser atribuída a responsabilidade pela autoria dos ataques não é conclusão que esteja ao alcance de uma equipa de inspetores que se tem concentrado em recolher dados médicos sobre os doentes internados e em algumas entrevistas. Não havendo identificação positiva da responsabilidade do regime, Moscovo não concordará com uma intervenção militar. Pode, no entanto, porque tem essa capacidade, suscitar uma solução política aceitável para os EUA, eventualmente a substituição de Assad por outra elite do regime. É a única hipótese que, em termos
práticos, poderá fazer valer a pena a espera. Mas, como se adivinha, é algo pouco provável.
A possibilidade de a intervenção se concretizar a 4 de setembro, conforme declaração feita pelo Presidente Holland, colide com a atual agenda de deslocações do Presidente Obama (então de visita à Suécia. Mas se for este o momento escolhido para decidir atuar, portanto antes da Cimeira do G-20, são dois os sinais que os EUA estarão a querer dar: em primeiro lugar, que não consideram valer a pena esperar por novas conversações com Moscovo; em segundo lugar, que a intervenção será tão limitada que nem sequer requer a presença do Presidente em Washington.
A questão da natureza limitada da intervenção militar, que quase obsessivamente se repete em todas as instâncias e ocasiões, é especialmente interessante. Entre o que a administração americana tem dito e as deduções que os especialistas têm feito a partir daí, já é possível traçar um quadro de razoável probabilidade sobre o que serão os alvos prioritários: centros de comando e instalações militares que de algum modo possam estar associadas aos ataques. Naturalmente, os sírios, como os principais interessados, são os mais atentos. Segundo referia alguma imprensa internacional, já começaram a reposicionar o seu dispositivo em função do que se tem dito.
Rumsfeld, em recente entrevista, mostrava-se indignado com a quantidade de detalhes que têm sido deixados passar para a imprensa e com a transparência de propósito. Poderia tratar-se de contra-informação da parte americana mas não é. Corresponde a uma preocupação do Presidente em manter-se coerente com a posição crítica que tomou em relação ao Iraque. Não quer que haja dúvidas de que se baseia em factos e que, ao contrário de Bush, - mas sem o mencionar - não pretende uma mudança de regime, nem mesmo fazer pender o desfecho do conflito para o lado da oposição.
Há dois anos (18 de agosto de 2011), o Presidente não via para a solução do conflito sírio senão a saída de cena de Assad. Por motivos que se compreendem, face à evolução dos acontecimentos, já não é assim. O general Dempsey (Chairman of the Joint Chiefs of Staff), foi muito claro neste ponto em carta que escreveu a um Membro da Câmara de Representantes, a 19 de agosto: «Syria is not about choosing between two sides but rather about choosing one among many sides. It is my belief that the side we choose must be ready to promote their interests and ours when the balance shifts in their favors. Today, they are not». Michael Morrell (ex-número dois da CIA) completa este quadro lembrando que a possibilidade de a Síria se vir a tornar um santuário da al Qaeda transforma a situação aí existente numa ameaça central à segurança dos EUA («top current threat to US national security»).
É a extrema ironia. Agora que se acumulam razões ainda mais fortes para retirar o poder a Assad, a prioridade passou a ser nada fazer de muito substantivo para apressar esse desfecho. Mas se não é oportuno acelerar a queda de Assad, por falta de instituições que possam assegurar a sobrevivência do País, é pelo menos necessário tomar medidas que dissuadam um novo recurso ao emprego de armas químicas. Não parece que com regime tão despótico e brutal haja alguma forma de se chegar a esse objetivo sem um sinal claro que essa opção suscitará sempre uma reação do Ocidente incluindo o uso da força.
A administração americana tem procurado passar a ideia de que a decisão de intervir está devidamente fundamentada. É sob esse cuidado que se interpretam os dados facultados pelo secretário de Estado em declarações feitas a 30 de agosto sobre o número de baixas provocados pelos ataques com armas químicas (1429
mortos, entre os quais 426 crianças) e sobre o facto de os EUA estarem seguros de que todos os “rockets” usados no ataque terem partido de áreas controladas pelo
Governo. Cameron, que também disse não ter dúvidas sobre a origem dos ataques, acabou por dizer no Parlamento que «In the end there is no 100 percent certainty
about who is responsible». Ninguém pode exigir essa certeza; implicaria a apresentação de testemunhas no terreno.
Seria desejável, porém, que fosse feito um esforço mais objetivo para retirar dúvidas aos céticos que ainda possam existir sobre a origem dos ataques. Tanto quanto a segurança das fontes o permita, todos os dados disponíveis deveriam ser divulgados. Conviria lembrar, finalmente, que, em última instância, o grande responsável é sempre o governo sírio, tenha ou não autorizado ou ordenado os ataques. É ao Governo que cabe a responsabilidade de controlo do acesso aos depósitos de armas químicas e, em geral, fazer cumprir regras de empenhamento.
Jornal Defesa