Santa Maria pode estrear lançamento suborbital no início de 2026
Para isso é preciso criar uma capacidade de lançamento nova.
Uma capacidade nova, a evolução do Ariane 6, 6.2, 6.4, para ter uma cápsula de voos tripulados. É toda uma dinâmica que a Europa precisa. Temos talvez de triplicar o investimento. Neste momento, incluindo os 27 e também o Reino Unido, a Noruega, a Suíça, que também estão na Agência Espacial Europeia, nós temos na Europa um orçamento que é menos de metade dos EUA. E falo na parte civil. Há outra dimensão na Europa que não temos que é a procura militar. Nos EUA isso faz parte, naturalmente, da economia. Já se está a discutir [na Europa] qual é a dimensão do espaço para uma economia da defesa. As comunicações são uma dimensão, outra é o fast response to space. Se eu quiser lançar um satélite militar tenho um hiato de um ano ou dois, porque não há capacidade de resposta rápida. A Europa tem de ter essa capacidade. O voo que explodiu da Isar Aerospace, lançado em Andøya [na Noruega], não foi um fracasso, foi um autêntico sucesso. Foram 30 segundos num voo perfeito. Se olharmos para a história, esses lançadores são todos assim. A história da SpaceX é feita de falhanços. Precisamos dessa dimensão de resposta rápida e gostava que Portugal também estivesse nessa resposta.
Temos um projeto que é o Atlantic Spaceport Consortium, para a criação de um porto espacial em Santa Maria. Quando é que vai ver a luz do dia?
Posso dizer que o processo de licenciamento está em curso. Posso dizer isso com muita tranquilidade. Nós estamos a falar, para já, de licenciamentos de localizações, de infraestruturas. Haverá uma outra fase que é o licenciamento de um lançador.
Tudo isso ainda vai demorar alguns anos?
Não. Há duas componentes: há uma parte suborbital de teste e uma orbital. A ISAR, por exemplo, quis fazer já o seu teste orbital. Aqui em Portugal penso que se vai iniciar pelos voos suborbitais e penso que no início do próximo ano teremos já o primeiro voo suborbital. Esse é o objetivo.
Duplicar o investimento e mudar o paradigma
Os países europeus estão a aumentar os seus orçamentos de defesa e dizem que os vão aumentar ainda mais. Portugal também pretende seguir essa tendência. Acredita que o investimento em Portugal no espaço também vai aumentar?
Já tem aumentado.
Consegue-nos dar uma ideia dos valores que já foram investidos e que vão ser investidos no futuro?
Sobre o futuro tenho algumas reticências em dizer valores, porque gostaria de saber também. Há alguns números que permitem inferir o que é a economia do espaço em Portugal. Temos mais 50% de empresas do que tínhamos em 2019, quando foi criada a Agência Especial Portuguesa. Houve uma dinâmica no sentido da economia do espaço e hoje temos à volta de 80 empresas e entidades que atuam nesta área.
Estamos a falar de empresas que fazem fornecimento de componentes para lançadores e satélites, de empresas de serviços de base espacial…
Há um leque muito alargado. Há empresas que fazem o componente, por exemplo válvulas para o lançador VEGA. Há empresas que fazem subsistemas e sistemas de navegação e controle, por exemplo, de lançadores. Há empresas que fazem software crítico de teste e validação. Há empresas que fazem pequenos sistemas de propulsão para satélites. É um setor diversificado e já começa a haver, e esta é a grande transformação, uma pequena agenda industrial de integração. Para estarmos no espaço, temos de ser uma nação fly, temos de ter satélites. Voltámos ao espaço, ainda de uma forma ténue, com o primeiro satélite operacional e comercial [em janeiro], que até já deu o sinal de vida há dois ou três dias. Já estamos a crescer a cadeia de valor ao posicionarmo-nos ao nível dos serviços. Falta um pequeno pormenor, que é a procura interna, que é uma forma de depois alavancar para o mercado internacional.
O setor da defesa pode ajudar a criar essa procura interna.
A defesa tem um papel muito importante. Tem que haver aqui uma simbiose muito forte entre a indústria e a defesa, no sentido de a defesa dizer quais são os seus targets operacionais, quais os sistemas que lhe trazem valor, e abrir os concursos. É o que fazem os EUA. Hoje a defesa não é só balas e canhões, tem uma componente tecnológica em que o espaço é uma ferramenta extremamente importante. A Força Aérea já tem uma noção extremamente detalhada daquilo que pretende com a componente espacial e é transformar isto depois também numa economia de defesa.
Qual o valor da economia do espaço em Portugal?
Considerando os números de 2024, o espaço representou sensivelmente 134 milhões de euros.
Quais eram os números há cinco anos?
Eram 60 a 80 milhões de euros e estou aqui a incorporar variadíssimas dimensões incluindo o investimento público direto. O investimento hoje é praticamente público. Temos talvez 6% de investimento privado. Vai ter de ser diferente, na Europa, daqui a dois ou três anos teremos de ter muito mais investimento privado. Talvez metade ou um terço do investimento. Daí a importância da procura pública. As empresas não querem projetos, querem contratos. Se houver um cliente âncora, mais facilmente têm acesso a capital. O ano passado só houve uma empresa em Portugal que levantou capital, dois milhões de euros. É muito pouco. Em 2022 tinham sido 30 milhões e em 2023 dez milhões.
A sua expetativa é que o investimento público aumente no espaço?
Vai ter que aumentar, quanto mais do que seja, pela questão da segurança e defesa.
Gostava que o governo que sair das próximas eleições reforçasse a aposta no espaço. É necessário duplicá-la?
Digo-lhe que sim, nas várias componentes. Nós temos agora um desafio extremamente importante em novembro. De três em três anos, revisitamos os ciclos de investimento na Agência Espacial Europeia. Na realidade, é um retorno industrial. É como se fosse um banco, colocamos lá o dinheiro para depois retornar em forma de contratos para a nossa indústria. Pela primeira vez, está-se a falar de algo inédito, que é nesse retorno possa ser também considerado a parte da segurança. Não a defesa, mas o uso duplo.
Civil e comercial.
A Starlink está como um elemento das operações militares na Ucrânia. Muitas vezes não sabemos muito bem onde é que está a fronteira da utilização, se é civil ou militar. Estamos a visitar as empresas todas para ver como é que se alinham as perspetivas para o próximo Conselho Ministerial da Agência Espacial Europeia, onde vai ser definido o orçamento que nós vamos colocar lá, para retornar em termos de contratos e definir a operacionalização de algumas áreas, em particular da defesa. Vamos propor o investimento ao Governo, espero que ainda em maio.
E esse orçamento pode crescer de quanto para quanto?
Neste momento temos 115 milhões e eu gostava, com esta componente também de segurança e defesa, que é algo que neste momento estamos também a trabalhar, que conseguisse superar os 200 milhões.
Isto para ser aplicado em que período?
Em três anos, sensivelmente. Temos de definir as duas escolhas que Portugal tem que ter, olhar para o nosso potencial e alavancar esse potencial. Uma deles é, de facto, posicionar as nossas constelações, o que estamos a fazer agora, em particular num conceito hoje muito importante que é o das constelações híbridas. Portugal deu um passo pioneiro com a Constelação do Atlântico, que temos de posicionar como um pilar na Europa com outros países. Estamos a trabalhar sobre isso com os nossos parceiros a Geosat e o CEIIA. É um pilar muito importante e gostava que se refletisse agora na contribuição ministerial para novembro.
Qual a segunda escolha?
A outra é que Portugal tem de ter capacidade para se tornar um player na resposta rápida de acesso ao espaço, através do porto espacial de Santa Maria. É um hub de acesso ao espaço e retorno de missões. Estamos na primeira fase para o que vai ser um voo de retorno do Space Rider, um veículo da Agência Espacial Europeia que é lançado da Guiana Francesa e que vai aterrar em Santa Maria, numa lógica de reutilização. A Europa tem de ter um ponto de retorno e temos de olhar para Santa Maria como esse nó. Temos as condições. Se não o fizermos, perdemos esta oportunidade.
Se o investimento no espaço puder ser feito por aqui, todas essas oportunidades serão abrangidas. A parte da comercialização de novos serviços e a evolução daquilo que são os satélites de alta e média resolução, que hoje estamos a fazer cá em Portugal, com vários players, o CEIIA, a Geosat, a Lusospace, e a parte do acesso ao espaço. Se fizermos esses dois componentes, nós estamos a dar à Europa um sinal e uma capacidade como nunca demos no espaço. Chama-se isso mudar o paradigma em Portugal. E eu gostava muito que se mudasse o paradigma em Portugal nos próximos três anos, a partir deste ano.