Reino Unido e França: A guerra (dos números) continuaHá muito tempo que a rivalidade entre os dois países não andava com os dentes tão afiados. Com Cameron e Sarkozy de candeias às avessas, a imprensa, sobretudo a britânica, não perde um pretexto para medir forças, mesmo quando estas escasseiam. As mudanças no "ranking" das maiores economias do mundo, ontem divulgado, foi o mais recente.
O estudo foi realizado pelo Centre for Economics and Business Research (CEBR), um instituto britânico de análise económica, e confirma uma previsão já antes avançada pelo Fundo Monetário Internacional: feitas as contas, no fim deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil irá ultrapassar o do Reino Unido que perde, assim, uma posição, passando a sétima maior potência do mundo.
Inalteradas para já, permanecem as posições da França, que, com o seu 5º lugar, se mantém à frente do Reino Unido, mas atrás da Alemanha, Japão, China e Estados Unidos.
Contudo, as projecções do CEBR para 2020 sugerem que Rússia e Índia vão saltar para os lugares cimeiros. O Reino Unido descerá então para a 8ª posição, perdendo dois lugares, e França descerá ainda mais, passando para o 9º lugar do ranking mundial.
Qual é a “notícia” aqui? A BBC titulou, ainda ontem, “Economia brasileira ultrapassa a do Reino Unido”. A mesma linha seguiu o “The Guardian”, que destacava porém o cenário de 2020 para servir de “consolo” aos britânicos. “A única compensação para os membros do Governo envolvidos com a queda relativa do Reino Unido é que a França vai cair a um ritmo ainda mais acelerado”. O jornal concluía, assim, que o presidente francês “Nicolas Sarkozy ainda se pode gabar da quinta posição da economia francesa (…), mas, até 2020, ela deverá cair para a nona posição, atrás do Reino Unido”.
O “Financial Times”, jornal de referência do mundo dos negócios, optou por não se comprometer e noticiou os resultados do estudo do CEBR com um título tão inócuo quanto pouco esclarecedor: “Brasil sobe um lugar no ranking do PIB”.
Já o site de informação económica, “This is Money”, conseguiu mesmo titular “Economia britânica deve superar a francesa em cinco anos”. “Em 2020, o Reino Unido terá deslizado de sétima para oitava maior economia do mundo, mas a França vai sofrer uma derrocada (“crash”), da quinta para a nona posição”.
Crise do euro renova velhas rivalidades
A rivalidade entre os dois países é ancestral, mas a tensão entre os dois dirigentes voltou a escalar à medida que se agrava a crise do euro e se deterioram os dados económicos, que sugerem o regresso provável da recessão dos dois lados da Mancha, com Cameron a responsabilizar sucessivamente o euro pelo mau desempenho da sua economia.
A ferida latente ficou abertamente exposta depois de na última cimeira europeia, de 9 de Dezembro, David Cameron ter permanecido insensível à pressão de Nicolas Sarkozy vetando, isolado, a reabertura do Tratado de Lisboa para que fossem inscritas regras mais apertadas de disciplina orçamental.
A partir da daí, têm-se sucedido trocas sucessivas de palavras azedas.
Um dos mais recentes episódios foi protagonizado pelo ministro britânico das Finanças, que comparou as contas públicas da França às de Portugal, Itália e Grécia. Os parceiros europeus estão "aterrorizados" com a situação das finanças públicas francesas, disse George Osborne, aconselhando o seu colega francês "a tomar decisões difíceis" para controlar a dívida pública.
Sem demora, François Baroin respondeu que a França “não recebe lições de ninguém” e a “verdade é que a situação da economia britânica é muito preocupante e, neste momento, em termos económicos, preferimos ser a França a ser o Reino Unido". O ministro francês questionou ainda os critérios das agências de rating, que ameaçam retirar à França a notação máxima e não ao Reino Unido – situação, que pouco tempo depois, se equiparou, com Londres a culpar, de novo, o euro.
"Não se pode confiar em quem cozinha tão mal"
O actual clima de animosidade faz lembrar o que se viveu em 2005 entre Tony Blair e o então presidente francês Jacques Chirac. Inconformado com o veto britânico ao planeamento orçamental da União Europeia, que previa a abolição do controverso “cheque britânico” arrancado a ferros por Margaret Thatcher, Chirac terá chegado a dizer numa cimeira com a Rússia que “não se podia confiar em gente que cozinha tão mal” e que a principal contribuição britânica para a culinária tinha sido a doença das vacas loucas. O Eliseu tentou por água na fervura, mas as relações bilaterais ficaram, então, seriamente beliscadas.
À época, o jornal britânico “The Independent” chegou a publicar um suplemento sobre os mil anos de rivalidade franco-britânica, descrevendo como o percurso da História, desde a Batalha de Hastings, à batalha entre Londres e Paris para acolher os Jogos Olímpicos de 2012, passando pela Guerra dos 100 anos, havia tecido uma "inimizade profunda" entre os dois países. Que (menos dito, mas não menos verdade) têm também sido muitas vezes na História – como no presente – aliados quase perfeitos. A sintonia em torno da intervenção militar na Líbia foi apenas o episódio mais recente.
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