Previsão para 2005 apurada pela comissão de avaliação dirigida pelo governador do Banco de Portugal
Défice salta para 6,83%
De acordo com um relatório elaborado por uma comissão independente liderada pelo governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, entregue esta segunda-feira ao primeiro-ministro, José Sócrates, o défice orçamental previsto para Portugal em 2005 era de 6,83 por cento do Produto Interno Bruto em Março passado, quando o actual governo tomou posse.
Segundo um comunicado feito, esta manhã, pelo ministro de Estado e das Finanças, Luís Campos e Cunha, o chefe do executivo vai reunir-se já esta tarde no Palácio de S. Bento com representantes de todos os partidos com assento na Assembleia da República e com os parceiros sociais, aos quais vai entregar o relatório elaborado pela comissão técnica.
Amanhã, terça-feira, haverá uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros, para discutir e tentar encontrar soluções para tentar resolver a situação orçamental do País, sendo que José Sócrates vai comunicar quarta-feira, na Assembleia da República, durante o debate mensal com os partidos, as soluções defendidas pelo governo para resolver o problema.
Apesar de considerar que a situação orçamental portuguesa é mais difícil do que se esperava, assinalando que é a maior da Zona Euro, o ministro de Estado e das Finanças adiantou que o governo tem vindo a trabalhar na resposta ao problema do défice garantindo que o executivo “está preparado para enfrentar a situação”.
“Tomaremos as medidas adequadas para ultrapassar a actual crise orçamental, de forma a criar as condições necessárias para que a economia portuguesa possa retomar um caminho de crescimento económico”, adiantou Luís Campos e Cunha.
No final da sua intervenção, o ministro não quis deixar de transmitir aos portugueses “uma mensagem de confiança”, afirmando que o governo está determinado em enfrentar a situação. “Com as medidas necessárias e com um melhor aproveitamento das capacidades do País, vamos superar as actuais dificuldades”, afiançou.
BRUXELAS PREPARA PROCESSO
A Comissão Europeia deverá avançar com um procedimento formal por défice excessivo contra Portugal, assim que o Governo de Lisboa confirmar os números hoje anunciados.
Um porta-voz comentou: "Mantém-se a intenção de preparar um relatório sobre as contas públcias portuguesas, tendo em conta a sua deterioração, depois da análise do Porgrama de Estabilidae actualizado, que esperamos para breve".
"É INDISPENSÁVEL A FORMAÇÃO DE UM CONSENSO ALARGADO"
O governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, apresentou à tarde o estudo das contas públicas elaborado por uma comissão por si dirigida e cujos resultados haviam sido entregues pela manhã ao Governo.
Vítor Constâncio disse que são necessárias medidas para corrigir o défice público já este ano, mas enquadradas num plano de combate a três anos e assentes num consenso político alargado. É esta a receita para uma correcção na qual o governador acredita: "A previsão será certamente invalidada pela evolução dos factos", comentou o economista.
O governador do Banco de Portugal declarou que a situação orçamental portuguesa tem vindo a agravar-se desde 2000, indicando em concreto que os governos desde então não souberam, ou não conseguiram seguir a terapia orçamental do contra-ciclo (poupar em tempos bons, para equilibrar o défice em tempos maus). Ao contrário da maioria dos países europeus, Portugal não aproveitou o ciclo favorável, para equilibrar as contas públicas, referiu. Constâncio criticou também o sucessivo recurso a despesas extraordinárias, sem as quais o défice médio dos últimos cinco anos rondaria os 5%. Pela natureza do seu carácter extraordinário, este tipo de receitas não podem repetir-se indifenidamente, salientou Vítor Constâncio.
O governador explicou de forma específica o que falhou nas contas públicas orçamentadas. Constâncio referiu que falharam mais de 700 milhões de euros nas receitas mas que foi, sobretudo, pela despesa que o déifice se agravou. No primeiro caso referiu receitas extraordinárias não consideradas pela sua comissão por que já não se afiguravam viáveis, nomeadamente duas rejeitadas pelo Eurostat (engócio Galp, 548 milhões de euros e venda de património, 500 milhões de euros), uma referente às transferências do Fundo de Pensões da Caixa Geral de Depósitos (422 milhões de euros esgotados na redução do défice de 2004) e outra que não estava sequer consolidada (500 milhões de euros em venda de concessões).
3,2 MIL MILHÕES EM INSUFICIÊNCIAS ORÇAMENTAIS
Do lado da despesa, a suborçamentação foi o problema crónico detectado. Vítor Constâncio fez desfilar os números: 1 512 milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde; 360 milhões de euros em remunerações para a Função Pública (aumentos deste ano); 458 milhões de euros de saldo negativo na Estradas de Portugal; 599 milhões de euros de saldo negativo da Segurança Social (redução de receitas); 228 milhões de euros necessários para reforçar a Caixa Geral de Aposentações. Todos estes valores são despesas não orçamentadas pelo governo anterior. O total de insuficiências orçamentais foi, aliás, calculado em 3,2 mil milhões de euros
O governador do Banco de Portugal explicou ainda que o efeito da conjuntura económica no défice é pouco significativo, salientando o maior impacte das políticas orçamentais seguidas (particularmente a redução do IRC, que diminuiu a receita do Estado em 0,48%) e do crónico crescimento da despesa acima da receita.
Vítor Constâncio pede medidas imediatas, enquadradas num plano de combate a prazo, e acredita que a previsão será invalidada pela evolução dos acontecimentos. Um dos acontecimentos será a revisão do cálculo do Produto Interno Bruto, que reduzirá automaticamente o défice para 6,5%.
REACÇÕES
"Pode ser criado um imposto transitório sobre todos os cidadãos e empresas como forma de combater o défice" Rocha de Matos (presidente da Associação Industrial Portuguesa)
"Como situação provisória, e atendendo à gravidade da situação do País, podemos admitir o recurso ao aumento das taxas sobre o consumo" José António Silva (presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal)
"O importante é como a questão vai ser resolvida (...) é indispensável não esquecer um enquadramento de justiça social (...) Sem crescimento económico não há crescimento das receitas (do Estado) e sem subida de receitas não há redução do défice" Barbosa Almeida (UGT)
"A despesa saiu do controlo" João César das Neves (economista e ex-assessor de Cavaco Silva)
"Estou chocado e estupefacto não só com o valor global do défice mas também com o conteúdo do relatório às contas públicas nacionais" Jorge Coelho (PS)
"Os governos PSD e CDS-PP são exclusivamente responsáveis pela situação. Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, Manuel Ferreira Leite, Bagão Félix e Marques Mendes têm a obrigação de explicar por que razão andaram a mentir aos portugueses" Jorge Coelho (PS)
"Como é que foi possível exigir tantos sacrifícios à esmagadora maioria dos portugueses e simultaneamente verificar-se este resultado?" Jerónimo de Sousa (PCP)
"Estes números confirmam toda a denúncia e preocupação do PCP em relação à política executada nos últimos anos pelo PSD e CDS-PP. Se este Governo não aprende esta lição e este ensinamento, receamos que com a mesma solução os resultados sejam os mesmos" Jerónimo de Sousa (PCP)
"O povo português não aceitará medidas contra os seus direitos" Jerónimo de Sousa (PCP)
"Infelizmente, a previsão do valor divulgado não surpreende, até porque - como é sabido - vem na linha de uma crise orçamental que eclodiu, com toda a gravidade, em 2001, no tempo do anterior Governo socialista, que deixou aumentar entre 1996 e 2001 a dimensão do Estado, em contra-ciclo com as economias nossas concorrentes" Dulce Franco (PSD)
"O PSD face à herança recebida, deu um significativo e corajoso combate ao défice orçamental. Na altura, o PS só soube criticar, nunca tendo tido uma palavra positiva ou de apoio. Mas a verdade é que, sem esse combate, o défice estaria hoje bem pior" Dulce Franco (PSD)
"Estamos perante um problema sério, que já era conhecido no tempo em que estivemos no Governo de coligação com o PSD entre 2002 e Fevereiro de 2005 (...) Também sabíamos que o problema não estava resolvido, caso contrário não teriam sido utilizadas receitas extraordinárias" Ribeiro e Castro (CDS-PP)
"O CDS-PP nunca se insurgiu contra a alegada obsessão do défice e também nunca se ouviu da parte do nosso partido dizer que há mais vida para além do défice. O défice agora apurado tem causas estruturais" Ribeiro e Castro (CDS-PP)
"É importante saber que medidas o Governo socialista vai tomar para que este número do défice não se repita no final do ano (...) As medidas passam pelo redimensionamento do Estado e pela redução da despesa pública e não por qualquer agravamento do peso da fiscalidade sobre as empresas e as famílias, que já se encontram muito sobrecarregadas" Ribeiro e Castro (CDS-PP)
"Seria ridículo, impensável e anti-patriótico que o Governo da República escolhesse as Regiões Autónomas, que correspondem a um peso relativo na ordem dos 0,5 por cento da despesa pública do Orçamento de Estado e do PIDDAC, para fazer poupanças" Carlos César (presidente do Governo Regional dos Açores)
"Não devemos perder mais tempo (...) É preciso ter a certeza absoluta do que é gasto, do que é necessário e das despesas excessivas em todos os sectores e departamentos do Estado (...) tem de haver justiça e a certeza de que toda a gente paga impostos" Francisco Louçã (BE), propondo uma auditoria geral às contas públicas
"Também o ex-primeiro-ministro Durão Barroso disse em 2002 que o défice era mais alto do que o previsto e depois deu o dito por não dito em relação às suas promessas eleitorais (...) Não aceitaremos medidas que congelem os salários, cortem no investimento público e aumentem os impostos. A pedir-se sacrifício a alguém, que se peça às grandes fortunas e a quem tem salários chorudos" Heloísa Apolónia (PEV)
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp? ... al=11&p=94