NOVA YORK (EUA) - Emil Grunzweig, ativista em Israel do movimento Paz Agora (de israelenses e palestinos determinados a ganharem a paz), foi assassinado durante um protesto a 10 de fevereiro de 1983, depois da divulgação do relatório Kahan, da comissão que investigou a matança de palestinos nos acampamentos de Sabra e Chatila, em seguida à invasão israelense do Líbano.Até como homenagem ao esforço obstinado do Paz Agora, acho oportuno recordar o episódio, não tão conhecido fora de Israel, a partir de um capítulo do livro "Peace Now", sobre aquele movimento, de autoria de Tzali Reshef. Encontrei a tradução de Moisés Storch do relato-testemunho de Reshef no boletim semanal que a seção brasileira do movimento envia regularmente a pessoas interessadas.Segundo o relato, a manifestação, há 22 anos, partiu da Praça Zion em direção ao escritório do primeiro-ministro em Jerusalém. O Paz Agora pressionava o então premier, Menachem Begin, a adotar as recomendações do relatório Kahan, que criticara o chefe do governo, o ministro do Exterior e o chefe do estado-maior, sem considerá-los totalmente responsáveis pela matança.Begin temia punir responsáveisMas o relatório reclamava a demissão do ministro da Defesa, Ariel Sharon (ele acabaria saindo, para outro ministério), e de dois oficiais coniventes com o massacre do Líbano, perpetrado por falangistas libaneses, mas facilitado pelos invasores israelenses. Begin não endossara prontamente as sugestões da comissão Kahan, o que levou o Paz Agora a promover a manifestação.A passeata, cercada por turba hostil e violenta da direita, rumava em direção ao escritório do primeiro-ministro, entre gritos, xingamentos, empurrões e tapas. Grunzweig foi morto por granada jogada pelo ativista de direita Yona Avrushmi. Parece irônico que hoje Sharon seja acusado por extremistas da mesma linha, que em novembro de 1995 também assassinaram Yitzhak Rabin. Seguem-se trechos do relato:"O ruído da explosão e o estranho cheiro que penetrava o ar paralisou todo um momento. O primeiro a cair em si foi Abu [Vilan], que percebeu a explosão de uma granada no meio da manifestação. Ameaças de morte acompanharam toda a passeata. E alguém jogara a granada em nós.Uma granada. Difícil descrever nosso choque. Claro que estávamos conscientes de que a luta era séria e a fúria que estávamos despertando em certos setores da população muito real. Soubemos bem, no verão de 1982, que o debate público em Israel alcançara novos patamares de violência. Mas ainda achávamos difícil acreditar, mesmo quando escutamos a explosão, que alguém desejasse nos assassinar." Violência lembrada como pesadelo"Parecia um pesadelo, mas o som de sirenes de ambulância abrindo caminho em nossa direção era horrivelmente real. Yehushua Shkedi e Adi Levi estavam seriamente feridos. Avrum Burg, Ze'ev Shavit e Yo'av Assia, com ferimentos menos sérios, foram levados ao Hospital Sha'arei Tzedek. Somente horas depois as baixas incluíram uma morte. Emil Grunzweig.Hoje acho que devíamos todos ter estado sob piloto automático naquela noite. Nenhum de nós parou por um momento para absorver o significado do que tinha acontecido. Lembro ter sido entrevistado na TV, dizendo algo sobre a gravidade do evento acontecido.Transformamos meu escritório, perto dos prédios do governo, num QG improvisado. Tão logo chegou a notícia da morte de Emil, entramos em ação. Falamos com a família dele, com a imprensa e começamos a fazer os preparativos para o enterro no dia seguinte. Através da atividade ritual, pudemos postergar o confronto com o terrível significado do que acontecera naquela noite.Eu, particularmente, não era muito próximo a Emil. Ele era amigo íntimo de Janet [Aviad], Yaron Ezrachi, Avishai Margalit e outros ativistas que tinham trabalhado juntos no Instituto Van Leer. Emil era de uma família de sobreviventes do Holocausto da Tchecoslováquia, e membro do Kibutz Revivim no Neguev, onde também era professor. Estudava filosofia e ciências políticas e na época em que foi assassinado trabalhava em sua tese de doutorado, sobre o direito de manifestação."O debate da guerra do Líbano"Emil era veemente opositor à guerra desde o início. Ainda assim, ao ser convocado para o serviço militar no Líbano, com sua divisão de pára-quedistas, ele foi. Ao contrário de outros soldados da reserva, que tinham sido levados da guerra para a atividade política, ele voltara para casa sem esperança. Ainda na manhã da manifestação, achava ser inútil: 'Não vai fazer nenhuma diferença', disse a Janet numa conversa que tiveram ao lado de uma cafeteira, na cozinha do Van Leer. Janet o persuadiu a participar de qualquer maneira. Depois da tragédia, ela disse que não sentia remorso por tê-lo convencido: 'Acredite, ele teria vindo de qualquer jeito', disse ela.'Mesmo se não viesse no início da passeata, certamente se uniria a nós em algum lugar do trajeto, como muitos outros fizeram naquela tarde, após ouvir no rádio sobre as violências contra nós. Os amigos simplesmente deixaram de lado o que estavam fazendo e vieram para a manifestação'.Por baixo do choque e da dor, eu me sentia partido pela fúria. Emil tinha sido vítima de provocação selvagem por parte da direita, que durante todo o debate público sobre a guerra [do Líbano] evitou um encontro direto conosco sobre os temas que levantávamos. Ela preferia, ao invés disso, tentar nos deslegitimar".*Argemiro Ferreira