Permito-me fazer apenas uns quantos reparos relativamente às comparações entre armas, nomeadamente a comparação clássica entre AK-47 e a HK G-3.
A comparação é para nós clássica, embora na realidade ela não pareça fazer muito sentido.
Creio poder afirmar, que um dos piores inimigos da G-3 em alguns teatros africanos, foi o facto de ter corrido o boato de que as G-3 eram feitas com o aço dos veios de veículos VW Carocha que se iam buscar ao ferro-velho.
Este mito, foi um dos muitos que foi posto a correr, em Portugal pelos meios académicos de esquerda, e também chegou a África.
Os mesmos meios académicos, próximos das mesmas correntes políticas que apoiavam os movimentos «terroristas» também ajudaram a fazer propaganda do armamento do inimigo, nomeadamente a AK-47.
Há casos conhecidos em que a AK-47 foi utilizada pelas forças portuguesas. A utilização da arma não se prendia com a sua qualidade, mas sim com a necessidade de forças irregulares não utilizaram a G-3, ou armamento que identificasse os operacionais como portugueses.
Isto aconteceu por exemplo na já famosa operação Mar Verde.
Mas também aconteceu com os para-militares organizados pela PIDE em Angola, que também não utilizavam preferencialmente material português. Portugal patrocinava através das operações regulares da PIDE, ações de retaliação contra a Zambia, que não poderiam deixar marcas e por isso era aconselhável a utilização de armamento que os movimentos opositores utilizassem.
Há um grande numero de mitos sobre a AK-47. A arma é de facto mais leve que a G-3 e isso foi muitas vezes apontado como uma das razões da sua superioridade. Na verdade, se perguntarem a um militante do MPLA, se ele preferia ter uma G-3, mas ser transportado de Unimog, ou um AK-47 transportada às costas durante 50km, ele provavelmente optava pela G-3. Só que isto parece que ninguém se lembrava...
Do ponto de vista táctico, havia vantagem nossa, porque a G-3 era mais pesada, mas muitas das tropas tinham meios automóveis para se transportar.
O que nos deixa a questão crucial: Porque diacho é que a G-3 é mais pesada ?
Se calhar tem a ver com o conceito de construção de origem alemã, resistente, precisa, sem grandes folgas. Um a construção mais robusta, também implica maior peso.
Também parece que ninguém esqueceu que a AK-47 tem um depósito (para não escandalizar o Luso

) para 30 munições, contra 20 da G-3. Isto é uma vantagem táctica clara, mas aparentemente o que toda a gente esqueceu, foi que a munição da G-3 tem uma potência 75% superior à da munição da AK-47.
O que é que isto quer dizer:
A AK-47 era uma arma para um exército de massas, que não tem tempo para algum treino. A precisão da arma não é por isso importante. A doutrina que obedece à sua utilização é uma doutrina ofensiva. A G-3, obedece a uma doutrina claramente defensiva. A arma é utilizada com vantagem quando utilizada a partir de posiçoes defensivas, perante o avanço do inimigo. Em campo aberto, a G-3 pode atingir um alvo antes de o atirador da AK-47 conseguir chegar a um ponto de onde possa disparar com eficácia.
O problema é que isto entra em conflito com alguma da utilização que lhe foi dada em África. A arma não foi feita a pensar na ofensiva e na luta de guerrilhas.
Aliás, durante o conflito em África, as doutrinas inicialmente aprovadas, não consideravam a entrada da tropa no mato para perseguir os «terroristas».
Essa doutrina será modificada por pressão dos militares no terreno, que concluíram que teriam alguma vantagem se o fizessem.
A G-3 tem uma potência superior à AK-47 e uma das vantagens, é que se dispararmos contra um potencial alvo escondido atrás das folhagens, a superior potência da arma, vai dar melhores resultados, porque a munição da G-3 furava os galhos, onde a munição da AK-47 não o conseguia fazer.
Já agora, quando a G-3 começou a chegar às unidades no terreno em África, a maioria dos militares que as receberam ficou extremamente impressionada. A G-3 era vista por muitos desses militares como uma arma fiável, quando se cumpria o que estava no manual.
Uma das coisas que um dos militares que esteve em África me disse e que nunca esqueci, é que em caso de necessidade eu me lembrasse sempre de que o adágio popular «em tempo de guerra não se limpam armas» está completamente errado.
A verdade é que é em tempo de guerra que se limpam armas. E isso foi algo que foi complicado de meter na cabeça dos soldados na altura. Mas para a pessoa que foi a minha principal referência no assunto, a maioria dos soldados percebeu que no «campo», tinha de facto o melhor armamento, para lá de qualquer dúvida razoável.
Lembro também, que a AK-47 não era a arma mais distribuida aos militares dos movimentos oposicionistas. Em muitos casos eles utilizavam a PPS, porque é uma arma muito mais eficaz para emboscadas. O problema, é que neste caso, se não fosse possível desorganizar os portugueses, nomeadamente com a destruição de uma viatura com uma mina, seguida de um ataque, a coisa poderia ficar literalmente «preta».
A G-3 dava um poder de fogo mesmo em terreno «fechado» que obrigava um grupo de «terroristas» a não ter outra possibilidade que não fosse a de se esconder e rastejar, confiando na sorte ou em uma qualquer divindade adequada.
Se é verdade que os conflitos africanos foram desfavoráveis ao nosso lado, não o foram por razões militares, mas sim politicas e sociais. Técnicamente a guerra foi ganha.
E a verdade é que na maioria dos casos as melhores armas acabam por ajudar a ganhar as guerras.
Cumprimentos