"Para que ninguém tenha que sofrer o que eu sofri"-Portugueses!Estavamos em Agosto de 1385,
Nessa madrugada do dia 14 partem de Porto de Mós as tropas portuguesas que iriam dar batalha ao invasor castelhano. Marcha penosa, chegam ao planalto de São Jorge por volta das 10h00, já cansados da caminhada que tinham feito horas atrás.
O Condestável, altivo e fraternal, ía distribuíndo ordens e recomendações, começando assim a organizar-se as tropas, as bandeiras são desfraldadas, as espadas são afiadas, e os soldados colocam as suas rudimentares armaduras. Alguns, pouco mais tinham para vestir que um trapo, e as suas armas, uma enxada ou um simples pau.
Contudo "estão lá".
Entretanto, aparece a Cruz de Avis nos estandartes que chegam.
É Dom João I, que se junta aos seus companheiros, aos Portugueses dos quais era Rei.

Nuno Álvares Pereira deixa a vanguarda entregue aos seus companheiros,e vai ter com ele, recebendo-o com grande felicidade, aqueles dois que eram quase como irmãos.
É então, que ao longe, aparece a enorme coluna castelhana. O chão treme de tão poderoso exército ali se aproxima. O pó se levanta
ao longe, perante o estandarte de Castela com o seu leão, que anseia o momento em que lhe role nas garras a bandeira lusitana.
Os portugueses percebem agora a verdadeira dimensão do exército inimigo que lhes apresenta perante os seus olhos, dimensão essa que o Condestável e Dom João I sempre tentaram esconder aos seus homens nos dias anteriores, cientes do efeito desmoralizador que isso poderia trazer ao exército português.
Mas logo chega Nuno Álvares, aparece na vanguarda e manda que se erga bem alto o seu estandarte, por ver que no rosto dos portugueses o ânimo começava a desvanecer.
Os nossos soldados aguardam. Um silêncio trémulo invade a posição portuguesa.
O inimigo não avança.
É então que por volta do meio-dia, os Castelhanos começam a movimentar-se.
Contudo, não atacam.
Optam sim, por contornar a nossa posição.
Mais uma vez, o incansável Nuno Álvares monta o seu cavalo, e dirige-se a alguns metros atrás, onde estava Dom João I. A ele lhe dá as novas informações, e discutem a melhor opção a tomar.
O exército português muda assim a sua posição uns 2Km para Sul, de forma a encarar o inimigo de frente, tal como um forcado quando enfrenta o touro.
A "vanguarda" passa assim pela "rectaguarda", e quando estas duas se encontram, distribuem-se abraços entre os portugueses, muitos deles são conhecidos e familiares, desejos de "Boa Sorte" e "São Jorge", já uma clara influência da presença dos arqueiros ingleses na hoste.
Também Nuno Álvares e Dom João I se encontram, trocam rápidas impressões, e despedem-se, com a certeza de que se voltariam a encontrar mais tarde, se Deus assim permitisse.
Por volta do 12h30, os portugueses ocupam a nova posição, perante um forte sol de meio-dia que se levanta, e sempre atentos, ao longe, à movimentação do inimigo.
Agora, sob a orientação de Nuno Álvares Pereira, Antão Vasques de Almada, Mem Rodrigues de Vasconcelos e alguns ingleses dava-se inicío às escavações e construção de obstáculos, tarefa em que participaram todos os portugueses que estavam nas linhas da frente e alas. Abrem-se covas de lobo, fossas, amontoam-se troncos de árvores, disfarça-se os buracos com ramagens.

Os portugueses, já sujos e cansados, com pó e terra por todo o corpo, escavavam energicamente, animados pela presença de El-Rey Dom João I que abandonara a rectaguarda para estar ao pé daqueles que mais sofriam.
Entretanto, eram cerca das 14:45, e Nuno Álvares, seguido de Rodrigo Afonso Pimentel e Afonso Lourenço, organizavam as alas do quadrado português.
Os castelhanos, esses, continuavam a sua marcha ao longe, e cada vez pareciam ser em maior número, o que levou Dom João I a mais uma vez exaltar e animar os portugueses que trabalham na construção dos obstáculos. Pouco tempo depois chegava Nuno Álvares.
Tinha dado a volta ao quadrado, transmitindo as suas ordens aos capitães, e da forma que melhor lhe pareceu, deu ordem ao que os que escavavam, voltassem à vanguarda, se armassem, e preparassem para o combate.
Eram 15:00 quando o quadrado se formou finalmente.
Na vanguarda estava Nuno Álvares Pereira com a sua Bandeira,
Na ala esquerda, chamada a Ala dos Namorados comandada por Mem Rodrigues de Vasconcelos estava uma enorme bandeira verde.
Na ala direita, a Ala da Madre-Silva, era comandada por Antão Vasques de Almada, pairava a bandeira de São Jorge.
A cerca de 200 metros atrás estava El-Rey Dom João I, na rectaguarda, com o seu estandarte real e as bandeiras de Avis.

Os portugueses agora enfrentavam o sol de frente, com os seus raios batendo-lhes nos olhos. Um ar quente entrava pelas gargantas dos soldados, penetrava nas já pesadas armaduras. O suor, mal-estar, as forças( já despendidas nas longas marchas e escavações) eram já inexistentes. Alguns desmaiavam, outros largavam as suas armas.
Se o ânimo começava a desfalecer, a sede era já uma constante entre todos os soldados.
Perante um sol de Agosto, não tinham uma única gota de água para saciar a sua sede.
Entre os que mais sofriam estava o próprio Condestável Nuno Álvares Pereira.
Também ele, mais que qualquer outro sentia os efeitos do calor abrasador.
Percorrendo a galope a vanguarda de um lado ao outro viu na cara dos seus homens, a sua própria sede, e decidido, foi até à ala direita, incumbindo Antão Vasques de Almada que fosse procurar àgua para os seus homens.
E assim foi.
Entretanto, no arraial castelhano, lá ao longe, discutia-se como se iria esmagar os portugueses. Continuavam a chegar mais tropas, cada vez mais, num turbilhão de lanças, espadas, cavalos, peões,
Parecia que toda a Espanha viera até ali, trazendo nos seus estandartes, a morte estampada.
Eis então que chega Antão Vasques de Almada a toda a brida.
Vai ter com o Condestável.
Nada.
Nem uma gota de água.
Os únicos riachos que encontrou estavam completamente secos, devido às altas temperaturas que assolavam esta época.
Quando isto ouviu, Nuno Álvares baixou tristemente a cabeça.
Anuiu a Antão Vasques para que se retirasse, e desmontando do seu cavalo, voltou para o pé da sua vanguarda, retirando o pesado elmo que levava sobre a sua cabeça.
Aos que mais sofriam com o calor e sede, Nuno Álvares confortou, abraçando-os, transmitindo palavras de esperança, ajudando-os a levantar, e compondo as suas vestes. Já apeado, andava pelo meio dos seus homens, que o olhavam com um misto de admiração e surpresa, por ver tão famoso e insigne capitão, partilhando a sua dor.
Também já Dom João I estava apeado, e tal como o seu amigo, ia percorrendo as fileiras, onde a todos distríbuía sorrisos e palavras de incentivo. Valoroso Rei aquele, a quem haveriam de chamar
O de Boa Memória.
E era de notar, que também nas alas, os Ingleses permaneciam aí, partilhando laços de camaradagem cada vez mais fortes com os seus companheiros portugueses, laços esses que só são verdadeiramente "fortificados" em situações de sofrimento ou de guerra.
Estava-se a aproximar as 18:00, e grande era a azáfama e movimento de cavalos e homens entre o arraial castelhano. Era a momento em que se iria decidir o destino de Portugal.
É então que, verdade ou lenda, um rapaz aparece de repente vindo das florestas que rodeavam o campo e dirige-se até ao quadrado português.
Aí aguarda, observa, e é então que consegue ver o célebre estandarte do Condestável na frente do quadrado.
Dirige-se até aí e vai ter com Nuno Álvares Pereira. Entrega-lhe uma bilha cheia de água, para poder saciar a sua sede.
Só pode ter sido um sinal de Deus!
Um sinal de São Jorge!
Nuno Álvares apenas bebe um golo, entregando a bilha aos seus companheiros para que partilhassem a água por aqueles que mais precisassem.
Sentindo-se um pouco melhor, Nuno Álvares Pereira monta no seu cavalo.
Apenas ele.
Percorre a vanguarda a galope, gritando palavras de incentivo, com a sua espada na mão, tal como no monumento da Batalha.
"
Portugueses, lutai por vossa terra!"
"Ânimo!"
"Se sóis vós descendentes do grande Henriques, então provai-lo agora, que Deus e São Jorge estão de olho em vôs!"As palavras de Nuno Álvares, tão cheias de patriotismo e ardor, incendeiam no coração dos Portugueses a vontade e a força, fazendo chorar até os mais fortes.
Não querendo nenhum deles passar por cobarde, cerram fileiras, espetam as lanças no chão e aguardam a vinda da morte.
Nuno Álvares, desce do cavalo, ajoelha-se no chão, pede protecção para si e para os seus homens, beija a terra e levanta-se, colocando o elmo com a viseira aberta.
Vira-se para trás, de sorriso no rosto, olha para os seus homens e diz:
"Amigos, que ninguém duvide de mim"Todos sabem o que se seguiu.
Após a vitória, Dom Nuno Álvares Pereira mandou edificar naquele mesmo sitío onde lhe apareceu o rapaz com a bilha de água e onde tinha permanecido o seu estandarte, uma ermida a São Jorge.
Esta:

E ainda hoje e sempre, lá estará uma bilha cheia de água, para quem passe e tiver sede a possa saciar.
"Para que ninguém tenha que sofrer o que eu sofri" disse Nuno Álvares aquando da construção da ermida.
E para que mais ninguém tenha que sofrer o que aqueles homens sofreram naquela tarde, para que nós hoje digamos " Sou Português", lembrem-se do seu exemplo, movidos apenas por amor a esta Pátria.
Provavelmente, embora não saibam, muitos de nós tivemos ou perdemos antepassados nesse dia 14 de Agosto.
Se encontrarem dificuldades durante a vossa vida, e não tiverem a quem apoiar-se, então que a honra de sermos os legítimos herdeiros destes homens, destes heróis, vos ajude a levantar, cravando bem fundo as lanças, gritar "Portugal" e a seguir em frente, apesar das adversidades.
Tomsk