Terceira Guerra Mundial

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Terceira Guerra Mundial
« em: Abril 23, 2025, 02:32:07 pm »
https://cnnportugal.iol.pt/terceira-guerra-mundial/historiador/nao-estamos-longe-da-terceira-guerra-mundial-o-pior-vem-a-seguir/20250419/68014d9dd34ef72ee444e689

“Não estamos longe da Terceira Guerra Mundial. O pior vem a seguir”

ENTREVISTA || A História não se repete, mas rima. António José Telo, historiador e professor catedrático da Academia Militar, olha com atenção para um mundo que tem cada vez mais paralelos com os períodos que antecederam alguns dos momentos mais violentos da história da humanidade. Os ingredientes estão todos lá, diz: a corrida ao armamento, uma confusão ideológica que busca romper com o sistema vigente, potências prontas a desafiar a hegemonia estabelecida e o aparecimento de tecnologias disruptivas que ameaçam tornar o futuro campo de batalha ainda mais desumanizado. "Este é um período bastante preocupante, mas infelizmente para nós ainda não é o pior. O pior vem a seguir".

CNN - O rearmamento da Europa, com países como a Alemanha a assumir uma postura mais assertiva em termos militares, traz-nos à memória alguns períodos históricos. Que paralelos podemos traçar com o atual momento, em que tudo aponta para uma corrida ao armamento, e que lições podemos tirar disso?

António José Telo - Para mim existe um paralelo evidente. O período que vivemos faz-me lembrar muito os períodos que antecedem os grandes conflitos mundiais, os conflitos verdadeiramente globais. Aqueles conflitos onde o que está em jogo é a hegemonia global; o como vai ser o mundo no futuro, as suas regras, o novo sistema que se quer identificar. Este período tem muito de semelhante com as duas guerras mundiais do século XX. Estes períodos, normalmente, são precedidos de uma corrida aos armamentos, em que a regra é que quem começa o desafio de alterar a nova ordem mundial e quer criar uma nova ordem é quem inicia esta corrida ao armamento. E geralmente obtém as primeiras vitórias.

Estes períodos são também precedidos de um conjunto de pequenas guerras. Pequenas quando comparadas com a dimensão do que vem a seguir. Quer a Primeira Guerra Mundial, quer a Segunda Guerra Mundial (II GM) foram precedidos de múltiplas guerras em vários continentes, que traduzem essa rivalidade global, que iria a dar origem ao confronto principal. Em certa medida, são laboratórios de ensaio.

CNN - Como a Guerra Civil Espanhola, por exemplo...

AJT - Exatamente, como a Guerra Civil Espanhola, é um excelente exemplo. Confesso que muitas vezes fico admirado com os pontos de contato, os pontos de semelhança, entre a Guerra Civil Espanhola e a guerra da Ucrânia. Têm muitos pontos de semelhança. A guerra civil espanhola serviu justamente como teatro de experimentação de praticamente tudo o que viria depois a ser utilizado na II GM.

Por exemplo, os bombardeamentos massivos de cidades são experimentados pela primeira vez na Guerra Civil, como no famoso caso [do bombardeamento] de Guernica. Na II GM estas técnicas viriam a ser aplicadas numa escala incomparavelmente maior. Mas não só: as armas blindadas, particularmente os [veículos blindados de combate] panzers alemães, também seriam utilizados em Espanha, ainda que numa escala mais reduzida, quando comparado com o que estava para vir. Ainda assim, na altura, eram os maiores combates blindados até então. A Rússia e a Itália também enviaram vários equipamentos.

CNN - É um cenário parecido com o que vemos hoje na Ucrânia, onde vários países enviam apoio militar de todo o tipo, incluindo armas que ainda não tinham sido utilizadas no campo de batalha, mesmo que não se envolvam formalmente no conflito?

AJT - A semelhança é muito grande. Na Guerra Civil Espanhola, houve muitas interferências estrangeiras, embora essas nações tivessem a preocupação de não se envolver diretamente com os governos. Inclusive foi criada uma Comissão de não intervenção. E quem é que estava nessa comissão de não-intervenção? Os maiores interventores da guerra, obviamente.

CNN - Então, à semelhança do que aconteceu na Guerra Civil Espanhola, a lição histórica que retira do momento em que vivemos é que um conflito que venha a seguir a este terá sempre uma dimensão muito superior?

AJT - O conflito que vem a seguir é aquele que irá decidir a ordem mundial futura e que irá decidir as hegemonias futuras. Isto é um período muito confuso em muitos aspectos, porque é um período em que as placas tectónicas geoestratégicas estão em movimento. E, nestas situações, acontece a mesma coisa que com as placas tectónicas reais, que quando estão em movimento chocam entre si e esse choque libertam energias imensas que vão afetar grandemente a superfície terrestre e os seres vivos que nelas estão.

Neste momento, as grandes placas tectónicas geoestratégicas estão em movimento. O equilíbrio existente anteriormente já não as satisfaz e elas procuram um novo equilíbrio. E isso nota-se. Uma das coisas que caracteriza estes períodos que antecedem os grandes conflitos é precisamente uma grande confusão ideológica. De repente, aparecem novas ideologias, novas teorias políticas e formas de atuação que nada têm a ver com o passado.

CNN - Algo particularmente vincado nos períodos antes das guerra...

AJT - Muitas formas de atuação que não têm nada a ver com o passado. Por exemplo, a Primeira Guerra Mundial foi precedida de um aumento imenso de atos terroristas, que não eram semelhantes aos atuais, porque normalmente eram atos terroristas dirigidos contra uma pessoa ou contra um alvo específico. Eram atos terroristas dirigidos, por exemplo, contra um Presidente do Conselho, ou contra um Embaixador, ou contra uma figura representativa do Estado.

Mas, de repente, [isso] explodiu um pouco por toda a parte, ligado a novas correntes ideológicas, como por exemplo o anarquismo, que se desenvolveu em muitos países europeus e que esteve presente na Guerra Civil Espanhola. Ou, por exemplo, as primeiras manifestações do que viria futuramente a ser o comunismo, com o partido bolchevique na Rússia.

CNN - Ainda sobre o rearmamento: a Comissão Europeia anunciou há relativamente pouco tempo o pacote de 800 mil milhões de euros para rearmar o continente. Como interpreta este movimento no contexto da história europeia, especialmente quando ainda há bem pouco tempo reinava uma certa hesitação em falar em armamento no bloco dos 27?

AJT - Em primeiro lugar, é fácil anunciar, fazer é que é mais difícil. Hoje, uma das coisas que caracteriza o armamento e caracteriza a evolução do mundo bélico é que qualquer projeto significativo é muito mais demorado do que no passado. Um caça famoso da Segunda Guerra Mundial, como o Spitfire ou Messerschmitt 109, desde o início do projeto até ao desenvolvimento do protótipo, demorou pouco mais de um ano. E ainda assim, foram aviões que marcaram profundamente a guerra. No caso da Primeira Guerra Mundial, esse desenvolvimento durava ainda menos tempo. Aviões como o Camel ou o Albatross eram concebidos em meses e com um custo relativamente reduzido para as sociedades que os produziam.

Hoje em dia, não é assim. Hoje em dia, demoram-se muitos anos, em alguns casos décadas, para um grande projeto em termos de sistema de armas. Um exemplo disso é a tentativa da Índia em desenvolver submarinos nucleares. Os indianos conseguiram produzir dois submarinos nucleares estratégicos mas, desde os primeiros passos do projeto, até ter uma pequena força de dois, passaram 40 anos.

CNN - Esse também é o caso dos aviões furtivos F-35. A Europa tem demonstrado uma incapacidade em encontrar alternativas credíveis. Porque é que isto acontece?

AJT - Exato. Acontece precisamente o mesmo com o avião de quinta geração americano, que, para além de um custo imenso, é algo que demora dez ou doze anos, no mínimo, para ser produzido. Não se improvisam este tipo de armas. Os sistemas de armas mais sofisticados, aqueles que vão dominar os campos de batalha do futuro grande conflito que se avizinha, demoram muito tempo e custam muito mais do que no passado. O que significa que têm que ser preparados com tempo e, hoje em dia, é muito difícil encontrar uma estabilidade do pensamento político e uma capacidade de gerar uma força executiva minimamente consolidada que possa, no tempo, desenvolver esse esforço.

CNN - Pensa que a polarização política que se vive, em particular no continente europeu, está a retirar à União Europeia capacidade de decidir de forma decisiva?

AJT - É mais do que polarização. Polarização é uma palavra que nos aponta para dois pólos. A situação atual é diferente. Podemos olhar precisamente para os períodos que antecederam as duas guerras, mas particularmente a Segunda Guerra Mundial. A situação atual é como se a sociedade estivesse cansada das ideologias que a marcaram durante longas décadas, mas não souberam como se reformar e regenerar. Como tal, fizeram-se muitas experiências que davam em coisas absolutamente incríveis, algumas cómicas e outras ridículas. No fundo, eram experiências na procura de um novo caminho.
« Última modificação: Abril 23, 2025, 02:34:44 pm por Malagueta »
 

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Re: Terceira Guerra Mundial
« Responder #1 em: Abril 23, 2025, 02:32:36 pm »
No caso da Segunda Guerra Mundial, isto foi verdade principalmente nos poderes emergentes, que lançavam o desafio e que queriam a mudança. No caso da Europa, é claramente a Alemanha nazi. No caso da Ásia e no Pacífico, foi o Japão. Estas duas potências transformaram profundamente os seus sistemas políticos antes da guerra, justamente para essa fase final de rearmamento.

CNN - E traça o paralelo com quem algum país na atualidade?

AJT - Com o que fez o regime da Rússia de Putin, que foi-se construindo ao longo de nove guerras, por exemplo. Algumas na Europa, em África, na Ásia, com múltiplas intervenções por todo o mundo, com forças mercenárias e muitos outros tipos, alguns deles bastante inovadores em termos de pensamento. Isto permitiu criar-se como um regime forte, com promessas muito significativas e que aumenta cada vez mais as suas capacidades.

No caso da preparação desses grandes conflitos e no período de preparação que os antecede e, às vezes, demora décadas, esta renovação dos regimes e sobretudo a renovação do executivo dos regimes é um processo absolutamente essencial para esse desafio às potências dominantes.

CNN - Historicamente, o que fazem as democracias quando confrontadas com esses cenários?

AJT - Durante a Segunda Guerra Mundial, podemos falar do caso da Inglaterra e da França. A verdade é que a Inglaterra e a França, antes da Segunda Guerra Mundial, sacrificaram várias democracias europeias. O caso mais evidente foi a Checoslováquia, que foi oferecida de bandeja à Alemanha. E foi oferecida de bandeja porque a França e a Inglaterra não se sentiam com a força anímica que é retirada da política, nem com a força material que é retirada do armamento para enfrentar a Alemanha.

Como tal, ofereceram algumas das regiões da Europa que eram mais significativas, inclusive, para a criação do poder militar. A Checoslováquia na altura tinha uma das indústrias de armamento mais avançadas do continente europeu, não como poder de primeira ordem, mas como um poder de segunda ordem. Do mesmo modo que ofereceram de bandeja, por exemplo, a Áustria. Recordo-me também da guerra da Itália com a Etiópia, que foi condenada internacionalmente, mas, na sua verdade, a Itália engoliu a Etiópia. Isso foi permitido.

CNN - Mas essas democracias europeias, como a França e a Inglaterra, também tinham os seus problemas políticos internos, no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, não é verdade?

AJT - Nestes períodos há sempre uma grande confusão ideológica, em que há novas ideologias a aparecer, dos dois lados. A Segunda Guerra Mundial é precedida do aparecimento de partidos pró-nazis dentro das democracias europeias. Inclusive na Inglaterra, onde existia um partido nazi inglês. Havia também um partido nazi na Noruega. Ou seja, as próprias sociedades democráticas produziam o equivalente aos regimes daqueles que viriam a ser os agressores.

Esta confusão, tal como estas divisões internas que atravessamos, são um sintoma claro desse grande confronto que se aproxima. Do mesmo modo que é muito claro que a fraqueza das democracias durante o período da Segunda Guerra Mundial pura e simplesmente permitiram a agressão. Isto porque não tinham as condições políticas internas e não se armaram nem prepararam a tempo, o que passou a ideia ao outro lado de que estavam divididos e eram fracos.

CNN - O professor afirmou que as placas tectónicas geoestratégicas estão em movimento e que vão provocar movimentos abruptos. O presidente norte-americano Donald Trump sugeriu que está disposto a anexar a Gronelândia, Canadá e Panamá. Como olha para este tipo de movimentações à luz da história?

AJT - Esse é um caso muito concreto, mas, de facto, muito importante. Eu considero curioso que os críticos de Trump salientam e sublinham os muitos aspectos característicos, em alguns casos que até roçam o ridículo, mas esquecem-se de um pequeno pormenor: ele tem o voto de mais de metade dos eleitores. Até agora não ouvi ninguém dizer que as eleições do ano passado não correspondem à votação efetiva e real. O que significa que, de facto, ele tem um voto de mais de metade dos eleitores. Os analistas focam-se na personalidade de Trump e não perguntam como é que ela aparece. Como é que a sociedade o produz? Ele não é um enviado divino, ele é um produto da sociedade.

Faz-me lembrar uma frase famosa de Churchill, que dizia que as eleições não se ganham, as eleições perdem. O que o primeiro-ministro britânico queria dizer era que, quando quem está no poder não consegue políticas adaptadas à sociedade, ele é o grande culpado de perder as eleições. E o que acontece é que em períodos de grande mudança social, com mudanças de mentalidade, mudanças económicas e sociais, é preciso adaptar as políticas dominantes. As políticas é que se têm de adaptar ao candidato.

CNN - O que acontece quando falham em adaptar-se?

AJT - Quando isso não é feito, as sociedades simplesmente deixam de confiar nos seus líderes. Começam a observar que os seus líderes têm políticas do passado, que já não correspondem à mudança e à realidade. Começa a crescer na população a sensação de que 'estão a destruir a nação'. E é aí que aparecem as reações, com oposições que surgem num período de grande confusão. Muitas delas são radicais, quer de direita quer de esquerda, embora já não concorde bem com esta classificação tradicional, que vem do período das sociedades industriais, algo que as sociedades atuais já não são.

O que acontece nesses casos, e é também o que está a acontecer por todo o mundo, é que os detentores das ideologias que estiveram no poder durante muitas décadas e que seguiram políticas que estavam adaptadas às sociedades do seu tempo. Foi isso que aconteceu nos anos 50, 60, 70 e até 80, onde as políticas estavam adaptadas às sociedades e produziam um clima de paz social e desenvolvimento.

De repente, começou a haver brechas, porque estes modelos não produziam os resultados do passado. E o que fizeram foi criar uma situação de profunda divisão social em que os radicalismos cresceram - e vão crescer. As novas tendências políticas, que justamente não tiveram o ambiente para se afirmarem com moderação, tiveram necessidade de se afirmar como radicalismos.

CNN - Foi isso que assistimos no caso americano, com a eleição de Donald Trump?

AJT - Acredito que no caso americano, o presidente Biden teria ganho as eleições caso tivesse alterado as suas políticas em relação à imigração, particularmente quanto à política da fronteira com México e em relação a alguns aspectos da economia. Ele tinha todas as condições para ganhar as eleições, mas não o fez. Recorde-se sobre o grande confronto no Congresso americano à volta de continuar o apoio militar à Ucrânia, onde os republicanos disseram que se os democratas adotassem uma política diferente em relação à fronteira com o México aprovariam o pacote de apoio de ajuda militar à Ucrânia. Mas o presidente Biden não recuou e continuou mais do mesmo, o que resultou na via do desastre.

Como estes momentos são caracterizados por períodos de grande confusão, as pessoas deixam de saber olhar para o mundo e saber perceber o que é importante e o que é secundário. Uma das coisas mais importantes da evolução americana era o crescimento absolutamente estrondoso da sua dívida. É algo que estava a arruinar todo o domínio americano. Isto porque as grandes políticas que foram concebidas para fazer o poder económico dos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial, estavam a funcionar ao contrário.

A política de mercados abertos e da política de livre comércio, pura e simplesmente estava a arruinar as sociedades ricas que se deixaram desindustrializar. As grandes indústrias, que têm as tecnologias de ponta, autoexportaram-se para outros locais do mundo. Ora, nos Estados Unidos ou nos principais países europeus, desindustrializaram-se a uma escala nunca antes vista.  Eram os grandes poderes tecnológicos industriais e deixaram de ser.

CNN - O presidente Donald Trump anunciou uma vasta lista de tarifas contra quase 100 países para pressionar a China e para "obrigar" várias empresas a trazer a sua produção para solo americano. Temos exemplos semelhantes na história?

AJT - Não é a primeira vez que acontece uma guerra comercial, mas nesta escala é. Esta dimensão económica faz parte do choque das placas tectónicas geostratégicas de que falei há pouco. Ou seja, faz parte dessa insatisfação dos equilíbrios existentes e a procura de um novo equilíbrio. E é isto que está a acontecer, e está a acontecer também em termos económicos.
« Última modificação: Abril 23, 2025, 02:35:57 pm por Malagueta »
 

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« Responder #2 em: Abril 23, 2025, 02:33:12 pm »
E eu torno a dizer que a culpa - se quisermos fazer esta análise simplista - não é de quem está a provocar os abalos, mas sim de quem deixou chegar situação a este ponto, sem tomar medidas ou reformas a tempo e horas. Quem deixou a situação chegar a este ponto é também quem está neste momento a sofrer a pagar o preço disso.

Um exemplo disso é a perspectiva deturpada que domina hoje em dia na Europa, onde se fala com grande receio do armamento europeu. Entretanto, esquecemo-nos de um pequeno problema, que foi a Europa ter-se desarmado alegremente durante mais de 40 anos, numa escala inaudita. E desarmou-se justamente naqueles setores que se estão a revelar mais relevantes na guerra da Ucrânia.

CNN - Pensou-se que a guerra era uma coisa do passado.

AJT - Meteu-se na cabeça dos dirigentes europeus que nunca mais ia haver guerras de alta intensidade, entre as grandes potências com as tecnologias mais avançadas, que produzem grandes destruições. A Europa acreditou que o mundo ia ser dominado por outro tipo de guerras, que são as pequenas intervenções humanitárias para as quais apenas são precisas pequenas forças expedicionárias que resolvem o conflito. Isso fez com que se pensasse que eram apenas necessários meios para projetar essas forças no mundo.

Mas, na verdade, precisamos de meios pesados, tecnologias evoluídas como os caças de quinta geração, mísseis hipersónicos, tecnologia espacial ou submarinos nucleares. O que nós hoje estamos a ver torna difícil negar que isso foi um erro colossal. Tudo isso ficou à vista quando a Rússia agrediu a Ucrânia e se conseguiu impor no campo de batalha porque a Europa não tinha meios para ajudar a Ucrânia na dimensão que esta guerra exigia. A quantidade de equipamento passou para um décimo daquilo que tinha, em apenas 30 anos.

CNN - Temos algum paralelo histórico em que um país, ou um grupo de países, se desarmaram desta forma, sem ser por imposição de terceiros?

AJT - É evidente que há. No período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, onde as democracias ocidentais europeias, como a França e o Reino Unido, se desarmaram. Principalmente a França, devido à confusão interna que foi a França dos anos 20 e 30. Uma das coisas que surpreendeu toda a gente na altura foi a facilidade com que a Alemanha derrotou esmagadoramente os exércitos franco-britânicos. Foi uma derrota como nunca se tinha visto. Hoje, a maior parte dos analistas e dos historiadores militares apontam o dedo à divisão ideológica interna francesa.

O exército francês não foi derrotado por ser menor ou até por ser pior em termos tecnológicos, foi derrotado por não ter coesão e não ter um pensamento adaptado à nova arte militar que a Alemanha estava a implementar. Normalmente, os poderes que lançam o desafio trazem consigo a novidade e, geralmente, a novidade mais importante é a novidade da estratégia e da doutrina. Aí é que surge a diferença qualitativa

E o que acontece sobretudo nestes períodos de confusão é que aqueles que estão a perder força e a sentir-se ameaçados ficam sem saber o que fazer. Aliás, têm uma tendência de dizer uma coisa que nós ouvimos muito hoje em dia, que é, não temos que mudar nada porque 'eles estão muito longe'. A verdade é que a Segunda Guerra Mundial começou com uma guerra na Polónia, mas depois alastrou-se a todo o mundo. Não houve ninguém que ficasse longe.

CNN - Ao mesmo tempo que todas estas mudanças acontecem, o desenvolvimento da Inteligência Artificial promete abanar ainda mais o mundo como o conhecemos. Não apenas a nível de aplicações civis, mas também no que toca a conflitos militares. O que nos diz a história acerca da introdução de tecnologias disruptivas no campo de batalha?

AJT - Mais uma vez, temos de regressar aos exemplos da Primeira e à Segunda Guerra Mundial, porque acredito que estamos numa fase de gestação de um grande conflito. Na Primeira Guerra Mundial houve dez vezes mais baixas militares e incomparavelmente mais baixas civis, quando comparada com as Guerras Napoleónicas, que eram os conflitos mais mortíferos até então. Na altura, toda a gente acreditava que se tinha chegado a um limite, mas estavam enganados. A Segunda Guerra Mundial foi muito pior.

Quer uma quer outra têm como característica a surpresa tecnológica. Na Primeira Guerra Mundial, vemos o nascimento da aviação para fins militares, bem como a arma submarina e a aplicação do rádio. Na Segunda Guerra Mundial, a inovação é muito maior. As tecnologias básicas que levaram à conceção dos computadores nascem com a Segunda Guerra Mundial. As primeiras armas inteligentes, como os mísseis antinavio e antiaéreos, nasceram durante o mesmo período. Não são coisas recentes.

Estes grandes conflitos são precedidos pelo desenvolvimento de novas tecnologias, que surpreendem tudo e todos, mas depois como o próprio conflito produz um grande investimento na investigação, aumentam o aparecimento de tecnologias e dão-lhe uma outra dimensão. Quem é que poderia ter adivinhado que a tecnologia de encriptação daria origem aos computadores? Era difícil de imaginar o que aconteceu. Hoje quem é que consegue imaginar o que é pode sair daí?

CNN - O campo de batalha ficará mais mortífero?

AJT - Uma das coisas que se deverá acentuar é a crescente desumanização do campo de batalha. Tem aspectos bons, morre-se menos no campo de batalha. Tem aspectos maus, é que se morre bastante mais fora do campo de batalha. Aliás, se as guerras do passado nos ensinam alguma coisa é que, ao contrário do que as pessoas pensam, as baixas civis são muito superiores às baixas militares. As pessoas têm uma tendência a pensar que por serem civis ou por estarem longe não têm nada a temer. Pelo contrário, o que a história nos diz é que as baixas civis são muito superiores às baixas militares. Incomparavelmente superiores.

CNN - O Papa Francisco diz que vivemos uma "Terceira Guerra Mundial aos pedaços", com os conflitos na Ucrânia, em Gaza e com as crescentes tensões no Indo Pacífico a correr o risco de se unirem num grande conflito. Acredita que corremos esse risco?

AJT - Infelizmente, ainda não é a terceira guerra mundial. Digo infelizmente porque o que nós vivemos é o período que antecede, o período de preparação, o que significa que o está para vir será pior. É bastante evidente, os sintomas estão cá todos, mas eu estranho como é que há tantas pessoas que não o veem. Há tantas pessoas cegas, isso deixa-me admirado. É como tentar fazer uma receita na cozinha, ter os ingredientes todos, mas ainda não ter a certeza de como é que eles se vão combinar para produzir um prato de excelência no final.

De facto, não estamos na Terceira Guerra Mundial, mas não estamos muito longe. Traço o seguinte paralelo: a Segunda Guerra Mundial começou em 1939 e nós estamos em 1937. Estamos muito perto mesmo e os sintomas estão lá todos, em termos económicos, em termos de mentalidade, em termos políticos e tecnológicos. O Papa Francisco tem razão, este é um período bastante preocupante, mas infelizmente para nós ainda não é o pior. O pior vem a seguir.
« Última modificação: Abril 23, 2025, 02:36:48 pm por Malagueta »
 
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os_pero

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Re: Terceira Guerra Mundial
« Responder #3 em: Abril 23, 2025, 03:27:42 pm »
São vários os analistas que dizem que já estamos (no inicio) da Terceira Guerra Mundial, já temos 2 conflitos regionais (Irão/Houthis e Ucrânia) e andamos todos a tentar adivinhar quando começa o 3º (Taiwan). A nível económico as coisas ainda estão piores