https://cnnportugal.iol.pt/guerra/ucrania/russos-mudaram-de-tatica-blindados-fortalecidos-estao-a-sobreviver-a-chuva-de-drones-ucranianos/20251103/6903af05d34e2bd5c6d3740aA guerra na Ucrânia entrou numa nova fase: já não se trata de saber se um drone de 500 euros destrói um tanque, mas sim quantos operadores são precisos para o fazer
Muitos pensaram que os drones tinham tornado os tanques de guerra uma coisa do passado. Com apenas algumas centenas de euros e muito treino, passou a ser possível destruir por completo um blindado de muitos milhões. A Rússia até passou a privilegiar a utilização de unidades ligeiras motorizadas para conseguir avançar no terreno rapidamente para conseguir escapar às pequenas aeronaves não-tripuladas que poluem os céus da Ucrânia. Mas um ataque surpresa russo nas planícies do Donbass, com blindados modificados, mostra que a vantagem que a Ucrânia encontrou nos drones pode não durar muito mais tempo.
"A vantagem que estas viaturas dão é muito grande. Têm uma enorme resiliência. De outra forma, não fazia sentido enviar estes blindados para a frente. Estes novos ataques têm demonstrado uma grande resistência aos drones e só demonstram que a guerra é mesmo um laboratório. Isto é uma guerra muito tecnológica. As armas não se desinventam", afirma o major-general Agostinho Costa.
Mal chegou o mau tempo do outono, a Rússia viu uma oportunidade para atacar. A chuva, vento e céu nublado é uma combinação ideal para contrariar os drones ucranianos que sobrevoam o campo de batalha e atacam tudo o que mexe. As forças russas aproveitaram e lançaram um dos maiores ataques blindados dos últimos tempos, com 29 veículos blindados, a norte de Pokrovsk, contra as vilas de Shakhove e Volodymyrivka.
Durante seis horas, as forças russas esbarraram repetidamente nas posições pré-preparadas ucranianas, com campos de minas e repetidos ataques de drones, por parte dos militares do 1.º Corpo da Guarda Nacional "Azov". Mas estes blindados eram diferentes. Todos eles tinham sido modificados com novas camadas de armadura reativa explosiva, grades anti-drone, várias camadas de "espetos" metálicos, rolos antiminas e sistemas de guerra eletrónica. Estas defesas, que parecem improvisadas, tornaram-se uma contramedida técnica eficaz para detonar os explosivos dos drones a uma distância que impede o blindado de ser perfurado.
Estas alterações aos carros de combate sacrificam a capacidade de rotação da torre do tanque, bem como a capacidade de visão da sua tripulação, de acordo com o analista militar Rob Lee, do Foreign Policy Research Institute. Mas, na perspetiva russa, esta redução de capacidades pode valer a pena, garantindo um aumento significativo da sobrevivência da tripulação e do equipamento, com as defesas ucranianas a serem exacerbadas e a ter de utilizar uma grande quantidade de drones para imobilizar apenas um veículo
https://twitter.com/i/status/1978845382542024808No ataque a norte de Pokrovsk, as forças russas perderam metade das forças iniciais. Dois carros de combate, 12 veículos blindados e 1 veículo ligeiro foram destruídos pelos drones ucranianos. Ainda assim, o aumento das defesas dos blindados russos permitiu que metade da coluna sobrevivesse e descarregasse um número significativo de militares de infantaria em posições favoráveis. Estes militares podem ocupar posições mais favoráveis na frente enquanto aguardam por reforços que permitam lançar um ataque contra posições ucranianas.
"O mau tempo é um fator que joga muito a favor das ações blindadas. Quando o tempo não permite grande visibilidade, os russos exploraram rapidamente esse fator, mas sempre em conjugação com unidades de drones e artilharia", explica Agostinho Costa.
Até agora, Kiev tinha feito frente a estas ameaças com recurso a uma grande quantidade de drones. Estima-se que as forças armadas ucranianas utilizem nove mil drones FPV por dia, de acordo com Dmytro Zhmaylo, co-fundador do think tank ucranaino Ukrainian Security and Cooperation Center. Mas a chegada do mau tempo, que permite ocultar as movimentações e reduz a eficácia dos drones, e tanques capazes de "absorver" um número cada vez maior de drones antes de se tornar inoperacional ou de ser destruído pode colocar uma pressão demasiado grande num exército ucraniano que luta com uma falta crónica de militares.
A própria imprensa ucraniana relata um cenário difícil no que toca ao fornecimento de drones, com muitas das unidades na linha da frente a terem de recorrer às suas próprias campanhas de angariação de fundos para comprar os drones de que necessitam. Muitas unidades, muito desgastadas pela falta de pessoal, fazem-se valer das suas capacidades de drones para travar os ataques russos que chegam quase sempre com uma grande vantagem numérica. Esta realidade catapultou a média de idades do exército ucraniano para os 40 anos.
A situação é de tal forma grave que, várias unidades, relatam que têm grandes reservas de drones, mas não têm militares suficientes para os operar. A situação neste campo está a deteriorar-se significativamente desde 2023, quando o número de voluntários começou a cair a pique, depois de um fervor patriótico que inundou o país no início da invasão. Como se não bastasse, o número de desertores disparou, tornando-se um dos mais graves problemas das forças armadas ucranianas. Desde 2022 até julho de 2025, a Ucrânia tinha registado mais de 250 mil casos de deserção, de acordo com o Ministério Público ucraniano.
Com o número de drones necessários para abater um veículo blindado a aumentar, os militares ucranianos que defendem a linha da frente podem ficar ainda mais sobrecarregados, levando a novos avanços da Rússia na linha da frente. Relatos de ataques com veículos com proteção semelhante noutros pontos da frente começam a surgir, com as unidades de drones a terem de despender mais de 20 drones para destruir um só tanque. Até agora, nos casos mais extremos, eram necessários sete drones para destruir por completo um tanque, de acordo com os das da 59.ª Brigada ucraniana.
“Não se trata de quanto custa um tanque em comparação com um drone. Trata-se de quantos alvos as defesas com uso intensivo de drones conseguem eliminar antes de serem sobrecarregadas", aponta o analista open-source Jompy.
A eficácia desta tática russa deve-se, em parte, à natureza das armas utilizadas. A vasta maioria dos drones FPV utilizados pela Ucrânia utiliza uma ogiva que requer uma detonação a uma distância exata da blindagem para conseguir perfurar o carro de combate. As "gaiolas" e os "espigões" metálicos, bem como as camadas de armadura reativa, fazem com que a explosão se dissipe. Mas a tecnologia não para e a Ucrânia já tem um tipo de munição que forma uma "bala" de metal fundido quando é detonada e é capaz de perfurar vários metros, mesmo com toda a proteção. A maior dificuldade neste campo é Kiev ser capaz de produzir e integrar de forma maciça estes drones, antes de esta tática fazer danos irreversíveis.
Outro problema é que a incorporação da tecnologia de inteligência artificial na Ucrânia permanece distante. Cada drone ucraniano que levanta voo tem de ser pilotado por um militar no terreno, que enfrenta uma série de dificuldades, desde medidas de guerra eletrónica do inimigo, até mesmo o vento e a chuva que tornam a navegação mais traiçoeira. Isto significa que um só piloto teria de pilotar um drone 20 vezes só para imobilizar um veículo, permitindo que outros continuem em direção ao alvo sem ser atacados.
Esta possibilidade é ainda agravada pela quantidade significativa de veículos blindados que a Rússia tem vindo a acumular. De acordo com o think tank de defesa Institute for the Study of War (ISW), o número de perdas de tanques russos tem vindo a cair significativamente ao longo de todo o ano de 2025, apesar de a produção se manter bastante elevada. Para os analistas do IWS, a ausência de blindados na linha da frente acontece porque Moscovo está a "acumular" estas armas para as poder "utilizar mais tarde".
Mais tarde pode ser agora. Um pouco por toda a frente, surgem relatos do reaparecimento de ofensivas blindadas, tanto a norte em Siversk, onde um tanque russo só foi destruído depois de ser atingido por 26 drones, como em Kurakhove, onde outra coluna fortemente protegida foi filmada a avançar sob fogo intenso de drones. Esta nova fase da guerra não é apenas um duelo tático entre o drone e o tanque. Tornou-se numa brutal guerra de atrito entre vagas blindados "descartáveis" que tentam esgotar o recurso mais limitado da Ucrânia, os seus militares, enquanto se esforça para inovar a uma velocidade rápida o suficiente para estancar a frente de batalha.