É tempo de a Europa se emancipar12 Setembro 2025
Opinião de
Isidro de Morais Pereira
A Europa necessita de finalmente se emancipar, deixar de necessitar do beneplácito norte-americano para tomar as suas decisões soberanas, sejam elas quais forem.
Mais de oito meses de intensos esforços diplomáticos por parte dos países da Europa e da própria União Europeia tentado encontrar uma luz ao fundo do túnel, mesmo que ténue, mas que seja o raio de esperança de um processo que coloque um ponto final no sofrimento das populações ucranianas, nesta guerra que persiste em continuar e sem o mínimo lampejo de um fim à vista.
Já lá vão três anos e meio de um conflito sangrento, bárbaro, conduzido pela Rússia completamente à margem do Direito Internacional Humanitário, de alta intensidade e que tendo começado assimétrico, cada vez mais dá mostras de tender para a simetria. Diga-se, o mais sangrento conflito ocorrido no espaço europeu após a Segunda Guerra Mundial. Até à presente data e lamentavelmente a diplomacia parece esbarrar contra uma sólida parede de betão. Putin continua a não dar mostras de querer dialogar de uma forma séria. Continua a afirmar-se retoricamente a favor da paz, todavia impondo sempre as suas condições ou os seus estritos termos, como tanto gosta de referir. Ou seja, e por outras palavras, exigindo nada mais nada menos que a capitulação da Ucrânia, fazendo-a abdicar de parte do seu território e muito pior do que isso, renunciar aos seus legítimos sonhos coletivos. No fundo abdicando de ser um Estado soberano, independente e de pleno direito, integrado na União Europeia e na NATO e encetando um género de processo kafkiano, metamorfoseando-se em mais um estado vassalo à semelhança da atual Bielorrússia.
De momento todos os esforços almejando a paz se têm vindo a revelar inteiramente estéreis, não por falta de advertência de Zelensky e muitos outros altos dignitários do executivo ucraniano. Uma mera perda de tempo. O coro de monitórias tem sido unânime e frequente: “Putin apenas conhece a linguagem da força”. Frase tão gasta quanto verdadeira. Sendo esta uma evidência incontornável, não se entende tanta hesitação, sobretudo por parte da Europa, num caminho que a nada, mesmo nada, leva.
“Insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Esta conhecida citação, frequentemente atribuída a Albert Einstein, postula que para alcançar resultados diferentes ou mudar de rumo, transformando o futuro, é absolutamente necessário alterar as ações e os padrões atuais. E é justamente isso que a Europa terá de finalmente fazer. Enveredar por outro caminho e tomar definitivamente o futuro nas suas próprias mãos sem medos ou receios.
Neste porvir coberto de densas nuvens negras e com uma face pouco auspiciosa, a Europa necessita de finalmente se emancipar, deixar de necessitar do beneplácito norte-americano para tomar as suas decisões soberanas, sejam elas quais forem. Esta espécie de subserviência, mais ou menos envergonhada, não é a solução para um futuro cuja ordem mundial é incerta e onde o retorno à anarquia imutável é cada vez mais uma possibilidade. Diria, numa visão realista, que é necessário e de uma vez por todas colocar “a Europa em primeiro” – “Europe First”.
A guerra não é um fim em si mesma. Assim postulava Carl von Clausewitz, naquele que pode ser considerado o mais brilhante compêndio de polemologia de todos os tempos, “Vom Krieg”. Ela mais não é que do que “a continuação da política por outros meios”. Quando todas as outras formas de coação à disposição de um estado ou coligação de estados se esgotam ou se revelam de todo ineficazes, mais não resta senão o recurso à última “ratio regis”, a derradeira forma de submeter uma vontade hostil à nossa própria vontade. Ou seja, à guerra.
Mais do que nunca, precisamos de ser realistas. Assim como na Segunda Guerra Mundial, também hoje e por ora, a guerra parece ser o único instrumento capaz de encontrar finalmente os caminhos de uma paz justa e duradoura. Como tal, é mais do que tempo dos países europeus corrigirem o tiro. Chega de continuar a colaborar na grande farsa de Donald Trump que até chegou a aventar que o verdadeiro obstáculo à paz é a Europa e os europeus que continuam a apoiar as reivindicações ucranianas, pugnando por aquilo que acreditam constituir uma solução para uma paz justa e duradoura. É tempo de parar de afagar o ego a Donald Trump. Na prática de que adianta continuar a trilhar um caminho que não conduz a lado algum?
É chegada a hora de dizer categoricamente não aos logros de Trump, que escondem porventura interesses pouco ou nada claros, comportando-se mais como um “ativo russo” do que defendendo soluções de uma paz verdadeiramente justa. Basta de colocar a pressão sobre o invadido, sobre o vilipendiado procurando uma solução rápida para esta guerra e a contento do seu indefetível amigo Vladimir.
É tempo de colocar os pés no chão e de uma vez por todas, com ou sem Trump, aplicar mais sanções primárias à Rússia e secundárias aos que lhe continuam a comprar hidrocarbonetos, procurando corroer as bases da sua economia e fornecer decisivamente à Ucrânia tudo o que ela necessita para se defrontar militarmente com o exército russo e o levar de vencida no campo de batalha, ou, no mínimo, lhe causar danos irreversíveis levando finalmente Putin a refletir se os potenciais ganhos ainda superam as perdas neste conflito. De uma vez por todas, tenhamos a consciência de que a paz só será alcançada de uma de duas formas: através de uma derrota militar de um dos contendores, desejavelmente do exército de Moscovo, ou através da exaustão e consequente colapso da sua economia.
Dito tudo isto, é forçoso que no presente artigo se coloque a pergunta mais óbvia: quais foram os resultados concretos de tantas iniciativas diplomáticas? A resposta infelizmente é simples, absolutamente nenhuns, antes pelo contrário uma clara perversidade, a subida de intensidade dos bombardeamentos russos à Ucrânia. O maior criminoso de guerra dos nossos tempos não desarma e reage de forma desabrida a todas e quaisquer iniciativas diplomáticas que não concorram diretamente para os seus objetivos. A fera acaba por deitar invariavelmente as garras de fora sempre que é acossada.
Os factos falam por si. Num verdadeiro rasto de sangue e crueldade, na passada noite de sábado a Federação Russa atacou a Ucrânia com 810 drones, 4 mísseis balísticos e 9 mísseis de cruzeiro, num dos maiores ataques e demonstração de poder desde que esta invasão em grande escala se iniciou a 24 de fevereiro de 2022. Felizmente as antiaéreas ucranianas foram capazes de intercetar a larga maioria dos alvos aéreos portadores de devastação. Contudo, mesmo assim, 72 drones e mísseis voltaram a atingir maioritariamente alvos civis nas regiões de Kiev, Dnipro, Krivih Rih, Kremenchuk e Odessa aterrorizando as respetivas populações indefesas.
Em suma, após quase oito meses de declarações de alto nível de Trump e de uma diplomacia frenética por parte dos aliados europeus, incluindo a criação da designada “coligação dos dispostos” agora com 26 países de alguma forma prontos a enviar tropas para a Ucrânia, ainda um pouco no éter, isto é, em condições pouco ou nada claras, para garantir a segurança da Ucrânia após a conclusão de um qualquer acordo de cessar-fogo ou de paz, no qual ninguém parece acreditar, muito menos o povo ucraniano. A crua verdade é que voltamos à casa de partida.
Como afirma David Blair, comentador-chefe de relações externas do The Telegraph. Um acordo final – ou mesmo uma trégua temporária – continuam a ser tão ilusórios hoje, como o eram antes do ressurgimento político de Trump.
Sublinhando o que atrás referi é tempo da Europa deixar de se enredar em caminhos que não a levam a lado algum. É preciso por um ponto final nesta espécie de ilusão coletiva. É pois, tempo de deixar de colaborar nesta grande ilusão de Donald Trump que até chegou a apontar o dedo aos europeus, dizendo que eles são o grande obstáculo à paz por apoiarem as reivindicações maximalistas ucranianas.
Continuar a tentar agradar a Donald Trump, afagando-lhe o ego, já se viu que não é a solução, apenas porque simplesmente a nada leva. Chegou o tempo da Europa se emancipar, de colocar os seus reais interesses em primeiro lugar, tendo a noção clara de que Vladimir Putin não está minimamente interessado na paz e apenas conhece um tipo de linguagem: a da força.
Major General
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