A “retirada” russa da Síria Alexandre Reis RodriguesCinco meses e meio depois de ter iniciado uma intervenção militar na Síria, Moscovo anuncia, para surpresa geral do mundo, que vai dar início à retirada das suas forças. O que significa exatamente isso em termos militares (é uma retirada ou uma redução da presença?) e de que forma essa resolução se vai concretizar não se sabe ao certo.
Trata-se apenas de uma decisão para tentar influenciar as conversações de paz que estão em curso, portanto, com objetivos essencialmente políticos? Ou trata-se de uma decisão de carácter basicamente militar, decorrendo da conclusão que os objetivos estabelecidos foram alcançados? O mais provável é que tenha sido uma combinação dos dois tipos de considerações, talvez com a atribuição de mais algum peso às considerações políticas. Eventualmente, será apenas (ou sobretudo?) uma fórmula para encontrar concessões do Ocidente sobre a questão ucraniana.
Quando em setembro do ano passado Moscovo anunciou a decisão de intervir, a explicação dada centrava-se na necessidade de combater o ISIS mas os raides aéreos acabaram por visar também as forças da oposição, invertendo a situação de clara vantagem que estas tinham entretanto alcançado sobre as forças leais ao regime. Malgrado o esforço retórico em limitar o objetivo militar à derrota do ISIS, Moscovo não conseguiu esconder que a verdadeira grande prioridade era “salvar” o regime de Assad de um colapso que estava próximo e, dessa forma, manter intacta a sua capacidade de influência na região.
Este objetivo não está garantido, mas o risco que Moscovo corre por deixar Assad “entregue a si próprio” é reduzido. Não retirando completamente – pelo menos, deixa operacional e devidamente protegida a base aérea de Hmeymim - pode fazer regressar o contingente aéreo e retomar os raides de um dia para o outro. Aliás, o processo de retirada está anunciado para durar cinco meses. Mesmo tendo começado hoje – conforme tem sido anunciado – não vai reduzir sensivelmente as capacidades militares locais no curto prazo. Em qualquer caso, pode ser gerido consoante as expetativas de evolução da situação.
Moscovo terá, com a decisão de “retirada”, dois objetivos. Primeiro, tentar posicionar-se nas conversações de paz mais como um árbitro do que como potência alinhada com uma das partes. Segundo, obter concessões do Ocidente na questão ucraniana e, em especial, na aplicação de sanções que tem enfrentado, por troca com a facilitação de uma solução para a crise síria. Parece evidente que não pode deixar de haver uma leitura política do facto de o anúncio da retirada ter sido feito no dia do reinício das conversações de Genebra.
Se o desfecho das conversações não for positivo – talvez o mais provável – a Rússia fica com argumentos reforçados para voltar em força e com uma imagem internacional de potência disposta a dar, antes de tudo o mais, uma oportunidade à diplomacia.
Entretanto, conseguiu demonstrar que foi capaz de modernizar com sucesso a sua capacidade de intervenção externa o que lhe traz duas vantagens: uma imagem de credibilidade militar, que as intervenções anteriores na Geórgia e na Ucrânia não conseguiram afirmar, e um novo crédito internacional como fabricante de armamento e equipamento militar sofisticados A primeira vantagem permitir-lhe-á afirmar-se como uma potência capaz de controlar, política e militarmente, a sua área de influência próxima; a segunda, reforçará a sua posição no mercado internacional de armamento, um setor muito importante da economia russa.
Com esta decisão, Moscovo mostra preocupação em evitar um envolvimento militar que de outra forma se arriscaria a não ter um fim à vista e que a manter-se pode acabar por pôr a descoberto fragilidades de sustentação do dispositivo militar e/ou a sua incapacidade de solucionar em definitivo a situação. Por outro lado, a paragem dos bombardeamentos pode abrandar o fluxo de refugiados o que seria uma boa notícia para a Europa. Talvez esse impacto possa ajudar a dificultar, entre os europeus, a unanimidade necessária para que o processo de sanções continue, o que seria mais uma outra forma de Moscovo tirar partido da decisão agora tomada de “retirar” as suas forças da Síria.
Moscovo conseguiu encontrar um caminho de onde retira sempre vantagens, seja qual for o desfecho. Se a decisão tomada vai ou não ajudar a chegar a uma solução favorável do conflito sírio é oque veremos proximamente. Mas esse é um aspeto que, infelizmente, interessa apenas secundariamente a Moscovo.
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