Uma nova vítima atravessou há já alguns anos a rota de mistério e tragédia que certa vez cruzou, entre os esplendores do amor e as intrigas da política internacional, a famosa bailarina Mata Hari. Este episódio de agora, como todos os da vida daquela enigmática mulher, foi um acontecimento estranho, tão sangrento e simbólico como o que finalizou a carreira da célebre espia dupla.
Mata Hari morreu fuzilada por um pelotão de soldados franceses num campo de tiro, perto de Vincennes, em 1917. Dezanove anos mais tarde, repercute aquela histórica descarga no jardim de um mosteiro situado nos arredores da povoação de Periaflor, em Espanha. O corpo exânime de um monge chamado Pedro de Mortisac caiu sob o fogo dos soldados vermelhos, na guerra de Espanha — e aparentemente encerrou-se o último capítulo da história de uma mulhe extraordinária. Este monge não era outro senão o derradeiro amor de Mata Hari, protagonista do mais intenso drama da espionagem feminina.
Mortisac foi outro personagem de lenda e aventura, até ao ponto de ninguém saber ao certo o seu apelido verdadeiro, dado que o têm escrito de várias maneiras. Durante vinte anos fez vida de monge e quando lhe tocou a hora de sacrifício, nem sequer os seus executores suspeitavam que o surdo rugir da descarga era a última repercussão de um dos dramas mais interessantes da guerra mundial. Foi fuzilado por formar nas legiões dos simpatizantes do general Franco.
As tropas do governo haviam entrado em Periaflor e trataram de tomar o mosteiro de Aula Dei. Cumprindo ordens superiores, todos os monges abandonaram o claustro — todos, menos Mortisac, o qual, armado de uma metralhadora moderna, fez frente às tropas assaltantes.
Esgotadas as munições, caiu prisioneiro. Foi fuzilado imediatamente. Outra vez a sombra sinistra de Mata Hari se projectava sobre uma guerra. Desde a última hecatombe europeia, ao morrer a famosa «vampiro», Pedro de Mortisac tinha-se recolhido às solidões de um mosteiro.
Todos o conheciam apenas por irmão B. Nunca sorria. Ninguém o visitava. Circulava o boato de que em certa ocasião o monge se negara a receber uma opulenta dama que viera vê-lo no mosteiro. Por isso, os aldeões de Pefíaflor chamavam-no «O Misterioso».
De sua história, conhecem-se algumas partes. Foi homem rico e de elevada posição social. Teve uma educação esmerada. Falava vários idiomas. Possuia uma luxuosa residência em Paris, um «cottage» perto de Londres, e um formoso «chalet» em São Sebastião. Viveu uma vida livre de consumado sibarita, dedicado aos prazeres do mundo.
Até que um dia encontrou Mata Hari no seu caminho. Este facto mudou, como que por encanto, o génio de Mortisac. Enfeitiçado por tão extraordinária mulher, compassou o seu ritmo pelo dela numa visão de loucura, de nervosismo, de extravagância… e depois, o fim brusco e seco
da descarga em Vincennes.
Inexplicável era a influência de Mata Hari. Não uma, porém, muitas vidas serviram de tapete para a dança trágica de seus pés. Uma mulher fascinante e incompreensível que arrastava os homens ao torvelinho da desgraça e caía, ela mesma, no vórtice dessas paixões que não respeitam nem grandeza, nem formosura, nem posição.
Nascida em Leewarden, na Holanda, em 1876, baptizaram-na com o nome pouco romântico de Margarida Gertrudes Célia. Aos catorze anos era interna num convento. Aos dezóito, enquanto passava as férias em Haia, conheceu o capitão Campbell MacLeod, oficial do exército holandês, com quem contraiu matrimónio. Este capitão era uma personagem de
aventura, célebre nas artes insinuantes da libertinagem.
Seguiram-se anos obscuros na história de Mata Hari. O capitão MacLeod praticava grandes «chantages» e ela ajudava-o.
Mas um dia, Mac Leod desapareceu; não mais se soube dele. Em 1903, cai em Paris, Mata Hari — uma mulher de infinita sedução que despedira da alma todos os escrúpulos próprios de seu sexo. Inventa um nome, um nome sonante, misterioso, de sabor oriental. Assim, adapta a prodigiosa combinação Mata Hari, com a correspondente novela de dançarina hindú dos templos sagrados de Siva.
«Bailarina Vermelha», se chamava a si mesma. Numa de suas criações costumava ir-se despindo paulatinamente — espectáculo que causou sensação mesmo nos audazes teatros da capital da França.
Já consagrada, percorreu gloriosamente os principais teatros europeus. Chegou a Berlim, onde os mestres da intriga internacional se encarregaram de pô-la ao serviço da espionagem alemã. Eles sabiam quão fácil era averiguar os segredos de outras nações com a ajuda de uma mulher formosa.
Pouco a pouco, Mata Hari envolve-se nos riscos da espionagem profissional. Ao estalar a guerra em 1914, regressa a Paris. Volta a dar representações teatrais, mas seu destino era já outro—o da luxuosa cortesã que frequentava um «rendez-vous» de gente proeminente e rica da Rue Braye.
Naquela casa conhece e aniquila moralmente muitos homens. Altos funcionários do Governo francês; oficiais do Exército; figuras do grupo que havia de entregar a Mata Hari, pela glória de seus braços e de seus beijos, importantes segredos militares — que ela transmitia sem demora ao Estado Maior alemão.
A contra-espionagem francesa pôde atacar Mata Hari quando ela havia feito demasiado dano. Foi submetida aos rigores do conselho de guerra e fuzilada sem contemplações. Diz-se que Pedro de Mortisac esteve presente ao fuzilamento. Os seus últimos momentos revelaram a decisão e a altivez que foram factores indispensáveis para o seu ressonante êxito. Não permitiu que lhe vendassem os olhos. Segundos antes da descarga fatal, sorriu como únicamente ela sabia sorrir — e atirou um beijo nas pontas dos dedos a Mortisac. Este soluçava tanto como outros presentes…
Depois do fuzilamento, Mortisac pôs em dia as suas contas, abandonou as residências e foi para a Espanha, onde ingressou no mosteiro de Aula Dei — rumo ao seu inexorável destino, que era a morte pelas armas militares espanholas. Ali tinha encontrado a’ paz de espírito e o arrependimento almejado…
Dramático epílogo do romance.
Fonte:
http://rondadahistoria.conhecimento.info/o-ultimo-amante-de-mata-hari-morreu-na-guerra-de-espanha/