
Desenterrando este tópico, estava eu a ler
O Primeiro Cerco de Diu, quando o relato de um acontecimento que aí se passou me fez pensar se a utilização de atiradores especiais não seria já nessa altura algo comum entre os portugueses do século XVI.
Em 1538, durante o longo cerco à fortaleza portuguesa de Diu, os turcos arremeteram novamente ás muralhas portuguesas, desta vez num número imenso de tropas a tentarem escalar os muros, parcamente defendidas pelos poucos portugueses. Lopo de Sousa Coutinho refere então que um
"um espingardeiro nosso" colocado no telhado da casa do capitão da fortaleza,
"atirou a um turco que por seus ricos trajes julgou ser homem de nome". Ora, aqui há dois factos que chamam à atenção:
Primeiro, a posição elevada e segura em que se encontrava o atirador português. Não estava assim, no meio da confusão das espadas, lanças e empurrões que se desdobrava nas muralhas, mas sim afastado, alguns metros atrás e colocado num sítio alto onde podia perscrutar a acção e daí fazer fogo. Um estudo da planta da fortaleza de Diu mostrar-nos-ia que a "casa do capitão" apresenta uma distância considerável até às muralhas, o que ainda mais vem valorizar a acção deste homem, sabendo que as primitivas espingardas do século XVI eram muito pouco eficazes em termos de pontaria.
Segundo, mostra-se que a escolha do alvo não foi indiscriminada ou de urgência, mas sim pautada pelo escolha selectiva do valor militar e prestigío do soldado inimigo, que nessa altura se diferenciava pela riqueza das vestes.
Apenas estas duas informações nos remetem para o modo de agir do Atirador Especial/"Sniper".
Seguidamente, o autor refere que para os turcos era
"coisa costumada e cheia de honra entre eles levarem os corpos dos capitães".. Confirmando isso mesmo, um turco se apartou do combate e foi dirigir-se ao valioso morto,
"carregando-o sobre os seus ombros"..
Mais uma vez se prova que o turco morto pelo atirador português devia ser alguém de grande prestígio ou condição militar.
É então, que o atirador português, que já tinha recarregado a sua espingarda,
"atirou ao que levava o morto, e, dando em ele caíram ambos". Mais um alvejado da mesma maneira.
No entanto, diz-nos o relato que ainda outro turco se dirigiu ao local para pegar na primeira vítima, apenas para ser
"também morto" pelo tiro certeiro do espingardeiro português.
"De maneira que levar o primeiro morreram três"É caso para dizer que matou 3 coelhos de uma cajadada só!
Naturalmente que não havia na época designações de "atirador furtivo", "atirador especial", e muito menos "sniper".
Há no entanto o testemunho de quem viveu o acontecimento, e deixou-nos este singelo relato da acção de um dos seus compatriotas desse dia, que diga-se, em tudo é semelhante áo "modus operandi" dos
snipers do século XXI.
Por isso, se a "história" militar gosta de afirmar que a utilização dos snipers remonta à Guerra da Independência ou à Guerra Civil Norte-Americana, podemos também nós afirmar, com orgulho, que mais de trezentos anos antes, já os nossos antepassados quinhentistas faziam as suas experiências nesta área, com óptimos resultados, diga-se de passagem.
