Racismo: Deliberação da Alta Aut. para a Comunicação Social

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Racismo: Deliberação da Alta Aut. para a Comunicação Social
« em: Janeiro 05, 2006, 10:03:20 pm »
http://www.aacs.pt/bd/Deliberacoes/20051124h.htm


DELIBERAÇÃO

Sobre

QUEIXA TRANSMITIDA PELO ALTO COMISSARIADO PARA A IMIGRAÇÃO E MINORIAS ÉTNICAS SOBRE ALEGADO CONTEÚDO RACISTA E XENÓFOBO CONSTANTE_DE “WEBLOG”

(Aprovada em reunião plenária de 23 de Novembro)

 

 

I – A QUEIXA

Através do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas foi remetido a esta Alta Autoridade denuncia que aquele recebeu de Marta Araújo, a qual, tendo recebido um “email de índole xenófoba a difamar indiscriminadamente os imigrantes da Europa de Leste que residem no nosso país”, assegurou que a sua origem é um “weblog” denominado “Blog Anti Bloco de Esquerda” alojado em site da internet sob a denominação http://blocoesquerdaprocaralho.blogspot.com/, o qual alegadamente inclui “um forum para a discussão, entre outros temas, de armas, racismo e xenofobia e nacionalismo”, com “opiniões de índole fascista, racista e xenófoba”.

Mais refere a queixosa que “há cerca de um mês” terá solicitado “ao alojador do weblog que este fosse encerrado, sem ter obtido resposta”.

Junta fotocópia de cerca de 3 meses das mensagens tiradas no referido blog e das notícias veiculadas e comentadas.

O Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas termina invocando o disposto no artº 240º do Código Penal para justificar a intervenção desta Alta Autoridade.

 

II – ANÁLISE DO CONTEÚDO DENUNCIADO DO “BLOG”
2.1.      A simples leitura do “site” do referido “blog” é esclarecedor do seu conteúdo e intenções.

Na página disponível a 6 de Novembro[1], onde se anunciava a sua “transferência” para o blog “Anacleto-a-mula-maluca”[2], o seu autor, designado como “Pantera”[3] lança várias atoardas sobre pretensas acções criminosas de imigrantes, que teriam a complacência dos poderes políticos.

2.2       Outro dos alegados “contribuidores” para este Blog será um tal “Portugal”[4], o qual no entanto, tem um site www.pantera.pt.vu o que faz suspeitar tratar-se do mesmo indivíduo, o qual mais não é do que um site que permite o “alojamento” grátis de sites e a possibilidade de desenvolvimento de “chats”, com vários “links”, para outros “sites”.

2.3       É precisamente, quando se começa a analisar os “sites” cujos “links” se encontram no referido “blog”, que se alcança a sua natureza.

Na lista, o primeiro é o já referido Anacleto-a-mula-maluca, de onde se respigam:

-         a identificação  dos vários deputados do BE como “perigoso bando de malfeitores oriundo da Cova da Moura escondido no Parlamento Português”.

-         a apologia da pena de morte contra “pedófilos, assassinos e violadores”.

-         o apoio às posições da Frente Nacional relativamente aos incidentes em França, com retrato de Le Pen e a instigação a manifestações contra os imigrantes e apoio à sua expulsão.

 2.4      Noutro “site” identificado como “extrema radical”[5] destaca-se:

-         o fecho das fronteiras para evitar a entrada de “chineses, croatas, afins” como meio de evitar a entrada do vírus da gripe aviária;

-         um panegírico de Salazar e da obra do “estado-novo” (1926-44);

-         o apelo a uma “nova consciência” nacionalista portuguesa, citando um discurso de Salazar.

2.5       No site “nacionalismo-de-futuro” aparece a “Aliança Nacional. Ponto de Encontro Nacionalista”[6] onde se podem encontrar referências a

-         “um salazarismo democrático” -Índice de textos

-         “sobre Salazar, inéditos e dispersos”

-         “Um Nacionalismo Novo” - Índice de textos

-         “O Nacionalismo Português Actual” - O novo balanço

-         “II Congresso Nacionalista Português” – Índice de textos

-         “Museu Virtual” de Salazar com fotografia alusiva

-         “Núcleo de Estudos Oliveira Salazar”.

 2.6      No site “Império Lusitano”[7] surgem várias referências ao PNR Partido Nacional,  Juventude Nacionalista, Frente Nacional, Forum Nacional, Causa Nacional, com um anúncio a uma Conferência a ter lugar em Lisboa a 19 de Novembro, sobre o lema “Nacionalismo na Europa Perseguições Políticas” promovido por aqueles partidos e associações / formações / movimentos.

É também anunciado um novo “Partido Nacionalista Português”, PNP / BDP.

Em vários artigos faz-se a apologia do voto em “partidos do sistema” e identifica-se “modernismo e evolução” com “legalização de drogas, no aborto livre e de outras práticas homicidas e inimigas do ser humano”.

2.7       No site “lusitano”[8] e sob título “Portugal Nação Valente” é aberto um espaço onde se incita para a contribuição para a “salvação de Portugal” contra a “perdição de Portugal” e a “perda da identidade”.

            Algumas das opiniões recolhidas exprimem:

-         oposição às eleições e aos partidos políticos

-         apoio ao PNR Partido Nacional por ser “a única voz que verdadeiramente sai em defesa de Portugal e dos portugueses”

-         o próprio PNR, com o seu símbolo, faz o elogio dos seus resultados eleitorais designadamente em Nogueira do Cravo onde teve um aumento de 538% (passando de 6 para 38 votos nas últimas legislativas)

-         também a Frente Nacional aparece apoiada nas suas manipulações contra os homossexuais

2.8       No site “Portugal Puro” “por um Portugal puro e branco...” anotam-se alguns dos enunciados do mais “puro” e primitivo racismo:

-         “O erro de termos ensinado os babuínos a escrever”

-         “se fosse eu que mandasse a escravatura seria de novo posta em prática”

-         “ás vezes penso se a luta armada não seria mais eficaz”

-         “o meu país está a caminhar a passos largos para um pretogal nojento e minado de babuínos e parasitas”

2.9       No site do PNR, Partido Nacional Renovador[9], podem encontrar-se referências  

-         à sua participação na “Fête des Bleu Blanc Rouge” realizado pela Frente Nacional em Paris

-         ao anúncio de uma grande comemoração no dia 1º de Dezembro como “acto de afirmação patriótica”, em frente da Câmara Municipal do Porto, “contra a actual classe política no Poder”

-         anuncio igualmente da “Conferência Nacionalista” a ter lugar em Lisboa a 19 de Novembro

2.10    No site “causa nacional”[10] os propósitos racistas são bem evidentes:

-         “guerra étnica na Europa: só uma solução: repatriamento”

-         “não são os nacionais que têm de alterar a sua forma de viver para promover a integração de estrangeiros”

-         “o modelo a seguir é a repatriação e não a integração”

2.11    O site “forum nacional”[11] concentra-se na referida conferência do dia 19 de Novembro, no Hotel Roma e afirma que “o Nacionalismo é a única alternativa que assegura a nossa segurança e manutenção do nosso estilo de vida, a protecção dos nossos bens ou a simples sobrevivência do nosso Povo”.

Além disso, denuncia que “a invasão está consumada e a colonização em marcha” e enumera toda uma série de ameaças e de convulsões sociais que resultam da presença de imigrantes.

Mais concretamente, acusa Paulo Casaca, eurodeputado socialista, de ter ligações ao terrorismo internacional, tendo como assessor um alegado terrorista iraniana.

2.12    Os sites da Juventude Nacionalista[12] e da Causa Identitária[13] centram-se nas ocorrências em França, sempre com a tónica posta na “denúncia e condenação dos actos selváticos e violentos cometidos pelos “jovens” afro-magrebinos” com o alerta para a “situação explosiva em muitos bairros que integram as zonas metropolitanas das nossas grandes urbes” e a receita da expulsão dos imigrantes.

2.13    Estes exemplos tirados de uma lista de 73 “links” constantes do blog em questão, confirmam inteiramente  o teor da denúncia.

 

III – O DIREITO APLICÁVEL

 3.1              Não é a primeira vez que a AACS se pronuncia sobre a regulação da internet.

Fê-lo designadamente nas suas deliberações de 27 de Junho, de 14 de Agosto e de 17 de Outubro de 2001.

3.2    De tais deliberações resulta, designadamente que é entendimento desta Alta Autoridade que no que é essencial, uma publicação “on-line” não constitui um género diferente, um “tertium genus”, que escaparia a todo e qualquer regulação aplicável às publicações não digitais, designadamente á imprensa.

O artigo 9º nº 1 da Lei 2/99 de 13 de Janeiro considera que integra o conceito de imprensa qualquer reprodução impressa, “quaisquer que sejam os processos de impressão e o modo de distribuição utilizados” e no Estatuto do Jornalista faz-se expressa referência à “divulgação informativa ... por outra forma de difusão electrónica”, para além da imprensa, rádio ou televisão (artigo 1º nº 1 da Lei 1/99 de 13 de Janeiro).

Autores como Victor Leitão (in “As tecnologias da Informação e as Novas Leis da Comunicação Social”, Sub-Judíce 15/16, Julho-Dezembro 1999) e Luís Brito Correia  (in “Direito da Comunicação Social” Vol. I) são também desta opinião, e ela recolhe, aliás, o assentimento da generalidade da doutrina e até de alguma jurisprudência estrangeira, de que se deu conta na já referida deliberação da AACS de 14 de Agosto de 2001.

É, assim, entendimento, que se perfilha para o caso presente, que leva a considerar o site em causa sujeito às normas aplicáveis da Lei de Imprensa e à jurisdição da AACS, no âmbito das atribuições e competências já citadas.

3.3    Com efeito, a AACS foi de entendimento que a Lei existente, numa interpretação progressiva e evolutiva, comporta, na sua letra e, decerto, no seu espirito (mens legis) que não no do legislador (mens legislatoris), a inclusão, no seu regime, das publicações on-line.

Com efeito, apesar da denunciada limitação, o conceito de imprensa, previsto no artº 9º, não exclui as publicações on-line. Aí se diz, na realidade, que integram o conceito de imprensa todas as reproduções de textos ou imagens “disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuição utilizado”.

É assim clara a intenção da Lei de formular um conceito abrangente, que não exclui nenhuma forma de reprodução de textos ou imagens e do modo da sua distribuição ao público.

Aliás, a mera análise dos diplomas que regulam a Rádio e a Televisão fazem coincidir nesta ideia, que a Lei de Imprensa é a matriz, a que as restantes Leis reguladoras de meios especiais de comunicação social vão buscar as bases e os fundamentos – é disso bem característico a similitude dos regimes, e, em particular a prática identidade do tratamento do instituto do direito de resposta e de rectificação, que em especial nos interessa.

3.4     Concretamente sobre se empresas de comunicação social outras, que não as empresas de Imprensa, Rádio ou Televisão que também editam jornais, telejornais e radiojornais via Internet, estão sujeitas à Lei de Imprensa, autores há, como Luis Brito Correia, que propendem para a negativa.

“Uma tal empresa” – diz esse autor – “não está sujeita ao regime das empresas de Imprensa de Rádio ou Televisão (...) mas apenas ao direito comum (à CRP ao C.PEN, ao CSC, etc). Vigora, assim, o princípio da liberdade de expressão e de recepção apenas com as limitações decorrentes da Lei geral (penal, civil, etc.)” (Direito da Comunicação Social, vol. 1 pág. 237).

Não é esse o entendimento que se perfilha, defendendo-se, antes, que, com as necessárias adaptações, o regime da Lei de Imprensa lhes deve ser aplicado em tudo o que não for contrariado pela sua natureza própria.

3.5    O princípio fundamental que orienta e dirige a nossa aproximação a esta situação, está, de há muito, consagrado a nível comunitário – é o princípio da neutralidade do suporte, claramente enunciado por Annie Blanders-Obsernesser (L’Union Européenne et l’Internet Ed. Apogée, 2001 pág. 26): “o que é ilegal fora-da-linha é ilegal em-linha”.

E, no que em especial à comunicação social diz respeito, isto não se aplica apenas aos direitos de autor, questão que tem sido recentemente mais mediatizada.

Com efeito, o nosso entendimento é, antes, que o inegável papel que a Internet desempenha, já hoje, na divulgação da informação, não pode deixar de ser acompanhado da regulação do exercício do direito de informar e de ser informado em moldes tais que sejam conferidas aos cidadãos utilizadores garantias idênticas às que têm em face dos restantes meios de informação.

O âmbito destas garantias corresponde, no essencial ao teor do artigo 10º parágrafo 2º da Convenção Europeia de Direitos do Homem, em que avulta, no que agora em particular nos interessa, “a protecção da reputação e dos direitos de terceiros”.

3.6     Esta era, aliás, a interpretação corrente em França, antes da publicação do texto legal específico para a informação através da Internet.

À semelhança da Lei portuguesa, também a Lei de 29 de Julho de 1881 sobre a liberdade de imprensa e a Lei de 30 de Setembro de 1986 sobre a comunicação audiovisual, sancionavam os delitos cometidos pela imprensa “ou por qualquer outro meio de publicação”.

E, daqui, os autores deduziam o “quadro jurídico para a difusão de informações através da Internet” (Alain Bensoussan, “Internet, aspects juridiques, Hermes, 2ª ed., 1998, pág. 184).

A jurisprudência, aliás, acompanhou sempre esta interpretação, sendo de salientar que os tribunais franceses se têm notabilizado por uma jurisprudência inventiva que tem feito aplicação progressista do direito legislado.

Não são só os casos mais mediáticos e conhecidos a propósito do “incitamento à discriminação social” por elementos da Frente Nacional (Trib. Correccional de Estrasburgo, sentença de 27 de Julho de 1999) ou da condenação do Yahoo por anunciar a venda de objectos nazis (sentença do Tribunal de Grande Instância de Paris de 22 de Maio de 2000).

São casos comuns que o de um estudante de informática condenado a 6 meses de prisão efectiva e 20 000 francos de indemnização pelo Tribunal Correccional de Limoges por ter difundido na Internet fotomontagens comprometendo a sua antiga namorada (Le Figaro, 16 de Julho de 2000).

Por seu turno, o Tribunal da Grande Instância de Nanterre acaba de definir as responsabilidades de qualquer “service-provider” no seguimento do que decorre quer da Directiva da União Europeia sobre o Comércio Electrónico (Directiva 2000/31/CE de 17.07.2000) quer do Digital Millenium Copyright Act americano de 21 de Outubro de 1998, pela afirmação do princípio fundamental de que “no estado actual das coisas caracterizado por uma ausência de regulação estatal e uma autoregulação balbuciante, o regime da responsabilidade deve-se procurar por relação com o direito comum” (Le Monde, 22 de Dezembro de 1999).

Entre as referidas obrigações está, para além da informação dos utilizadores dos limites a respeitar, a obrigação de fornecer a identificação dos autores do site, o que veio a ser objecto de disposição legal aprovada pela Assembleia Nacional Francesa, a 28 de Junho de 2000.

Também os arestos do Tribunal de Grande Instância de Paris de 30 de Abril de 1997, sobre a difusão de insinuações difamatórias na Internet ou de 10 de Julho de 1997, relativo a injúrias públicas difundidas através da Internet (cf. loc. Cit. Pág. 185 e 187), vão na mesma linha.

Aliás, foi por aplicação do preceito do artº 42º da Lei de 29 de Julho de 1881, que os Tribunais franceses, até à publicação da Lei de 28 de Julho de 2000, modificando a Lei 86/1067 de 30 de Setembro, relativa à liberdade de comunicação, elaboraram a teoria da “responsabilidade em cascata”, para permitir a responsabilização dos “service providers” pelos ilícitos praticados pelos utilizadores dos sites.

Este entendimento foi brilhantemente defendido no célebre Estudo sobre “A Internet e as redes numéricas” adoptado pelo Conselho de Estado francês a 2 de Julho de 1998, em especial da sua Parte IV – “Lutar contra os conteúdos e os comportamentos ilícitos” e que viria a estar na origem do Relatório encomendado pelo 1º Ministro Lionel Jospin ao deputado Christian Paul, e apresentado a 29 de Junho de 2000, intitulado “Du droit e des libertés sur l’Internet: La corégulation, contribution française pour une régulation mondiale”, e onde se definem, com clareza, os parâmetros do quadro regulamentar das comunicações ao público através dos serviços em linha (cf. Pág. 82 e sgs).

3.7      Idêntica orientação tem sido seguida na Bélgica, como dão conta Daniel Fesler e Carine Doutrelepont (em “Libertés, Droits et Reseaux dans la Societé de l’Information”, Bruylant, 1996, pág. 93 e 235).

Este último autor refere especificamente que “a emergência de novas redes não impede que bom número de regras sejam, desde, já aplicáveis e que elas permitem ao juiz nacional sancionar uma série de comportamentos ilícitos, desenvolvidos com a utilização daqueles meios. Num  certo número de países as jurisdições não hesitaram em aplicar as leis nacionais para sancionar certas violações da Lei (atentado à ordem pública e aos bons costumes, publicidade enganosa (...)” (loc. Sit. Pág. 242).

3.8    Mas até mesmo nos EUA, país reputado pela defesa, até aos limites, da liberdade de expressão e de imprensa, precisamente constante, como é sabido, da 1ª Emenda à Constituição, a orientação foi idêntica.

Com efeito, aceitando, desde logo, quase sem hesitações, que a referência à liberdade de expressão e de imprensa, constante da 1ª Emenda, se aplicava no Cyberespaço e aos novos “média”, os tribunais americanos têm sido uniformes em considerar que as mesmas regras, que constituem limites ao teor da 1ª Emenda, no domínio da Imprensa escrita, se aplicam, “qua tale”, às publicações electrónicas.

Entre essas limitações, bem conhecidas, de que se destacam as teorias do “clear and present danger” e das “fighting words”, e da distinção entre “speech” e “condict”, salientam-se as limitações resultantes do “Defamation Act” de 1996, de tal modo que os professores universitários americanos de direito que, no dizer de uns autores, “normally pay little atention to cyberspace, have spent more time analizing and debating on-line libel and slander than most other issues posed by computer communications and networks”. (Edward A Cavazos and Gavino Morin, in “Cyberspace and the Law” MIT Press, 1994, 2ª ed., pág. 78).

Com efeito, a partir principalmente do caso “Cubby versus CompuServe”, ficou bem definido e assente que os limites impostos à liberdade de imprensa se aplicam igualmente em caso de comunicações difamatórias veiculadas em sites nas redes.

O caso “MEDphone versus Prodigy on-line”, merece ser referido em especial. Trata-se de um caso de alegada difamação on-line feita por um utilizador da Prodigy on-line, que terá feito comentários críticos em relação à forma de actuação da MEDphone, a qual, em consequência de tais referências difamatórias, teria sofrido prejuízos financeiros consideráveis.

Incidentalmente refira-se também que não é apenas em relação a propósitos difamatórios que os tribunais americanos tem reconhecido limitações à liberdade de imprensa. São igualmente bem conhecidas as limitações relativas à publicidade desleal ou enganosa e às publicações ou imagens obscenas e indecentes, em particular à pornografia infantil, com base, fundamentalmente, nos títulos 18 e 47 do United States Code.

Para idênticos desenvolvimentos nesta matéria no Reino Unido, cuja orientação é semelhante, podem ver-se, com vantagem, de Lilian Edwards, “Defamation and the Internet”, e de Yaman Akdeniz, “Governance of Pornography and Child Pornography on the Global Internet: A Multi Layered Approach”, in “Law and the Internet, Regulation Cyberspace” Oxford, 1997, pág. 183 e sgs. e 223 e sgs. que reflectem a forma como, também em Inglaterra, o “Child Pornography Prevention Act, ambos de 1996, foram aplicados às comunicações via Internet.

3.9    Também a União Europeia definiu recentemente, em Comunicação sobre “Criar uma Sociedade de Informação mais segura reforçando a segurança das infraestruturas e lutando contra cybercriminalidade” (COM(2000)890 final de 26 de Janeiro de 2001), qual o sentido que pretende imprimir à concretização de um quadro legal comunitário quanto à prevenção e repressão de delitos informáticos.

A distinção essencial de que parte, e que foi bem salientada no Parecer do CES sobre a referida comunicação (Parecer CES 389/2001 de 27 de Julho de 2001) é entre, de um lado, os novos crimes informáticos que devem ser objecto de nova legislação, e, de outro lado, os actos criminosos tradicionais, apenas fáceis de cometer através da utilização de computadores, relativamente aos quais os textos legais existentes são aplicáveis necessitando, quando muito, maior harmonização a nível comunitário, mas relevando essencialmente da competência própria dos Estados-membros, de acordo com o primeiro da subsidiaridade.

É claramente neste domínio que cai o caso das afirmações caluniosas ou difamatórias produzidas através da Internet, as quais, aliás, já haviam sido objecto de uma primeira abordagem na Comunicação da Comissão relativa ao “Conteúdo ilegal e lesivo na Internet” e na Resolução conexa (COM(96) 487 final) no seguimento do “Livro Verde sobre a protecção dos menores e da dignidade da pessoa humana nos serviços audiovisuais e de informação” (COM(96) 483 de Outubro de 1996) e que estão na origem da recente decisão 276/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Janeiro de 1999 que adoptou um Plano de Acção Comunitário Plurianual, com vista a promover uma utilização mais segura da Internet para a luta contra as comunicações de conteúdo ilícito e prejudicial difundidas nas redes mundiais.

Embora com alguma timidez está é também a orientação da proposta de Convenção do Conselho da Europa sobre a cybercriminalidade (CDPC(2001) 2 Ver de 25 de Maio de 2001) embora as ofensas relativas aos conteúdos na Internet fiquem limitadas à pornografia infantil.

Sobre a extensão e a natureza da cybercriminalidade podem aliás, consultar-se, com vantagem, as exposições feitas por Daniel Martin em “La Criminalité Informatique”, PUF, 1997 e por Michel Wautelet “Les Cyberconflits”, GRIP, 1998.

3.10    A extensa, embora sem pretensão de exaustiva, incursão pelo direito e práticas judiciais comparados, teve como objectivo demonstrar qual a aproximação que, em sistemas jurídicos tão diversos como o continental ou o anglo saxónico, tiveram situações paralelas à participada, em casos em que não existe, ou não existia à data, legislação específica que regulasse a comunicação social na Internet.

O que importa destacar como conclusão é que, em nenhum dos sistemas jurídicos analisados, se considerou que práticas ilícitas ou prejudiciais nos meios “clássicos” de comunicação social deixariam de o ser, por o meio utilizado ser a Rede.

Por outro lado, todos os sistemas analisados coincidiram em considerar que, na falta de lei especial, as normas ditadas para os meios tradicionais de comunicação social deverão ser aplicadas, com as necessárias adaptações, à comunicação na Internet.

E, isso, independentemente de a empresa que providencie o serviço ser uma empresa que também desenvolva uma actividade “clássica” de comunicação social – imprensa, rádio ou televisão – ou tratar-se de alguém que esporadicamente se dedique à comunicação social através da Rede.

3.11     É este claramente o entendimento da AACS até à publicação da recente Lei que consumou a sua extinção e a substituição por uma “Entidade Reguladora”.

Ora acontece que, em tal Lei, apesar de se dever meramente orgânica, insere-se um preceito (entre outros) de natureza substantiva que parece limitar a regulação da internet por intermédio de tal entidade às “pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente” (artigo 6º al. e).

Tendo esta Lei entrado em vigor a 14 de Novembro e ficando, a partir desta data, revogada a Lei 43/98, de 6 de Agosto, apesar dos membros desta AACS se manterem em funções até à tomada de posse dos membros do Conselho Regulador e do Fiscal único da nova entidade, é entendimento da AACS que, nos aspectos substantivos nela regulados, a sua aplicação é imediata, mesmo nos casos que ainda devam ser objecto da sua apreciação.

3.12     Nesta conformidade, parece que a regulação dos “blogs”, por não terem “tratamento editorial” nem serem “um todo coerente” passarão a estar fora do âmbito e da competência da regulação do referido órgão.

Assim sendo, também esta Alta Autoridade se acha, nesta circunstância, inibida de se pronunciar sobre a denuncia efectuada por Marta Araújo e transmitida pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas relativamente ao carácter  xenófobo, racista, fascista e apologético da discriminação racial e da expulsão de imigrantes, do site “http:// blogesquerdaprocaralho.blogspot.com”, e após análise ao seu conteúdo e aos “links” para os “sites” a que dá acesso, esta Alta Autoridade considera procedente e provada, e, não fora a circunstância da entrada em vigor, a 14 de Novembro, da Lei 53/2005 de 8 de Novembro, e, no uso das competências que lhe eram assinadas pela Lei 43/98 de Agosto, teria esta  Alta Autoridade, no âmbito das suas atribuições, tomado as medidas que estariam ao seu alcance para impedir a divulgação dos referidos conteúdos no meio em causa.

De todo o modo, não seria nunca a ela que competiria dar o seguimento que lhe era solicitado no ofício do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, por relevar de competência em matéria criminal que, essa, nunca fez parte das suas atribuições.

 

IV – CONCLUSÃO

Tendo em atenção que o artigo 6º al.e) do Estatuto aprovado pela Lei 53/2005, de 8 de Novembro , parece excluir do âmbito das atribuições do novo órgão regulador da comunicação social criado por esta Lei a competência para intervir quando as comunicações electrónicas não sejam objecto de tratamento editorial e não constituam um todo coerente, e sendo essa Lei de aplicação imediata nos aspectos substantivos, considera esta Alta Autoridade que se acha hoje impedida de tomar qualquer medida no âmbito descrito no presente processo, cuja denuncia, no entanto, considera procedente e provada.

Esta situação não impede a denunciante e o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas de recorrer ao Ministério Público para os efeitos penais que resultam do disposto no artigo 240º do Código Penal, matéria que nunca fez parte das competências desta AACS.

 

 

Esta deliberação foi aprovada com votos a favor de Jorge Pegado Liz (relator), Armando Torres Paulo, Sebastião Lima Rego (só a conclusão), José Garibaldi (só a conclusão), João Amaral (só a conclusão), Maria de Lurdes Monteiro, Carlos Veiga Pereira e José Manuel Mendes.

 

 

Alta Autoridade para a Comunicação Social,
em 23 de Novembro de 2005
 

O Presidente

 

Armando Torres Paulo

Juiz Conselheiro
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

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Luso

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« Responder #1 em: Janeiro 06, 2006, 09:29:13 pm »
Decididamente, a garotada cansa-me...
Argumentem o que quiserem mas procurem não insultar a nossa inteligência, sim?
A recomendação também é para o "tactical teddy" da casa, que se arrisca a tornar-se em mascote.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

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emarques

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« Responder #2 em: Fevereiro 08, 2006, 12:59:51 am »
Já agora, alguém me sabe dizer qual é a lei que regula os conteúdos discriminatórios e xenófobos das publicações?

Andei a dar uma vista de olhos pelo site da AACS e só encontro legislação referente a pessoas e instituições, não a grupos de pessoas.
Ai que eco que há aqui!
Que eco é?
É o eco que há cá.
Há cá eco, é?!
Há cá eco, há.
 

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luis filipe silva

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« Responder #3 em: Fevereiro 08, 2006, 02:36:49 am »
Isto será uma denúncia, ou uma forma de publicidade?
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saudações:
Luis Filipe Silva
 

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Pantera

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« Responder #4 em: Fevereiro 08, 2006, 09:50:43 am »
Citação de: "luis filipe silva"
Isto será uma denúncia, ou uma forma de publicidade?

Nem um nem outro isto é simplesmente calúnia.
Não têm mais nada que fazer com certeza :?

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Leonidas

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« Responder #5 em: Fevereiro 08, 2006, 10:55:40 pm »
Saudações guerreiras.

Citação de: "luis filipe silva"
Isto será uma denúncia, ou uma forma de publicidade?


Caro L.F.Silva, leia isto. Talvez o elucide melhor:
http://www.forumdefesa.com/forum/viewtopic.php?t=2786

Cumprimentos