Economia Portuguesa - Lost in Translation
A economia portuguesa entrou em recessão a meio de 2002, e segundo o FMI os indicadores económicos apontam para uma ligeira recuperação em 2004. Com a queda da procura interna e um elevado endividamento do sector privado, a economia arrefeceu naturalmente e o desemprego iniciou a sua subida vertiginosa. A inflação acompanhou a tendência em sinal inverso ao do desemprego, e situa-se num dos valores mais baixos da última década. A primeira questão que se coloca numa economia é se numa situação de recessão em termos puramente económicos é preferível uma inflação elevada ou um desemprego elevado, já que ter os dois indicadores em terreno baixo é impossível (Ver mecanismo da curva de Phillips).
Para o FMI, é preferível controlar a inflação, por forma a não aumentar ainda mais assimétricamente os choques sobre a procura. Para qualquer governo em recessão existem duas soluções : Ou se toma o Estado como motor da economia, adoptando o pleno emprego como modelo, reduzindo por um lado as comparticipações do fundo de desemprego e clara diminuição do défice da segurança social ou se tomam medidas que sendo estruturais possam eliminar os desiquilíbrios da economia. Em 2004, a economia portuguesa irá crescer positivamente, mas ainda abaixo da média europeia, o que quererá dizer que estamos a perder em termos de convergência para o resto da Europa.
Uma economia como a nossa, terá que forçosamente apostar na competitividade dos seus produtos e empresas, aumentando o nível de produtividade da economia. É aqui que reside o primeiro enigma da nossa economia. Os sindicatos não percebem que os salários não podem crescer acima da produtividade.
Portugal registou o maior declínio do PIB junto da Europa dos 15 em 2003, e este facto não nos deve deixar orgulhosos. A verdade é que já na segunda metade dos anos 90, a procura interna que vinha a ser aquecida pela “excessiva” animação da entrada do Euro e consequente controlo sobre as taxas de juro que não se verificaram, não teve o devido acompanhamento do lado da oferta. Uma acumulação de défices sucessivos e uma incoerente aposta no Estado como motor da economia, quando a economia possuia ganhos acumulados capazes de aguentar reformas de contra ciclo, que iriam concerteza catapultar a economia.
Foi este o maior erro da governação socialista, não efectuar as reformas quando estavam garantidas condições para que tal acontecesse. Em vez disso uma duvidosa aposta numa bandeira eleitoral de nome – pleno emprego- e sem o correspondente aumento de produtividade, o que mais tarde se viria a revelar fatal para algumas empresas.
Como de reformas de fundo o governo socialista se esqueceu delas, não tenhamos dúvidas que o arrefecimento da economia aconteceu numa altura em que a economia da zona euro ainda estava em expansão. Aliás já em 2001, Pedro Solbes, alertava o Governo do Engº Guterres, e em 2002 viria a confirmação, com Portugal a inscrever o seu nome em primeiro lugar, na lista de países que não respeitaram o PEC. Não adianta agora discutir se o PEC é justo, eram as regras da altura . O acréscimo da despesa pública corrente, sem o consequente arrecadar de receitas, levou o défice para valores acima do permitido. Assim o Partido Socialista quando decidir falar em economia que inspire e expire primeiro, olhe para o passado e só depois ai falar. Com coerência e sem metamorfoses.
Mas o ano de 2003 só não foi pior porque as exportações tiveram um comportamento acima do esperado, o que aliado a perda da competitividade devido a desvalorização da moeda Euro, é de salientar. No entanto os nossos maiores parceiros comerciais, estão na zona euro, pelo que, o impacto também não é assim tão grande, que justifique uma medalha de louvor. No entanto os 10,2 de défice comercial em 2003, são melhor valor dos últimos 7 anos.
Não se pense que estou a defender a tese da herança . Não estou. Poderia passar o resto do artigo a citar erros económicos do Governo de Durão. Confesso que quando vi Miguel Frasquilho a defender um choque fiscal ainda em plena campanha, me deu vontade de escrever para o BES- Banco Espirito Santo e ordenar que o mandassem embora, por crime de lésia patria. Como pode alguém defender um choque fiscal numa altura em que a economia se apresentava retraccionista. Se estivessemos a falar de uma economia norte americana, dado o seu grau de cobertura , ainda poderia aceitar, agora em Portugal, seria o frasquilho do fim.
A própria operação de securitização, que todos nós ainda desconhecemos os verdadeiros contornos, deixa-me entre a espada e a parede e como economista, apesar de bem longe daquele pseudo estudo do ex-secretário de Estado, que defende a emissão da dívida pública á securitização ( saberá ele o que uma emissão de dívida pública ? ), confesso que acho que a mesma poderia não ser necessária como aqui já escrevi. Mas tenho que elogiar a crença da Ministra das Finanças em querer lutar por algo que deve de facto ser combatido. A consolidação orçamental. Pena é que isto dependa mais de outros ministérios e não dela.
Sem os instrumentos de política económica de outrora , sobretudo sem a moeda como instrumento – como era fácil desvalorizar a moeda e introduzir competitividade, não era Drº Mário Soares ? - , qualquer governo tem apenas um caminho a consolidação orçamental. E o caminho é apenas um,reduzir as despesas e aumentar as receitas. Agora o truque é fazer isto sem que a economia se ressinta. E terá sido aqui que Durão é acusado de falhar. Ou seja de ter tomado medidas que em nada ajudaram a economia. Mas as opções não eram muitas em termos económicos, ou deixava o barco andar e provavelmente a esta hora o FMI estava instalado no moderno Pavilhão de Portugal, ou tomava as medidas que tomou correndo os riscos que correu, tornando-se impopular.
A consolidação orçamental deste governo baseou-se assim , numa subida do IVA –o tal imposto que Paulo Portas dizia ser socialmente injusto, mas que estando no governo não de coibiu de apoiar – a meio de 2002, uma descida nas despesas de capital, por outras palavras descida do investimento público, mas que passa obviamente por uma mais eficiente classificação do que é realmente investimento público e contenção salarial na função pública. Mas não tenhamos dúvidas que só uma máquina fiscal eficiente e capaz de promover uma verdadeira consolidação fiscal, pode conduzir a solvência das receitas fiscais e a uma verdadeira consolidação orçamental.
O desafio é assim a aposta numa política de consolidação orçamental onde a agora exequível descida de impostos seja capaz de criar espaço para a reforma fiscal, onde o desemprego não ganhe terreno face a consequente perda de competitividade da economia, onde os fundos comunitários se traduzam em ganhos na educação e na formação profissional e não apenas no betão, onde o Estado decida de uma vez por todas eliminar as falácias que são as finanças locais e os munícipios agora em vias de por nas Ruas o seu poder. Quanto ao desemprego, por muito que custe, ele deverá continuar a aumentar, até que a economia comece a crescer acima dos 1,5 %, percentagem que permite accionar mais efectivamente o multiplicador do rendimento/emprego.
O segredo continua a ser o mais fácil de desvendar. Difícil é encontrar quem o queira descobrir.