« em: Agosto 02, 2007, 06:42:48 pm »
O CANAL (RENOVADO) DO PANAMÁ
Uma expedição comandada por Martin Fernández Enciso, de que fazia parte Vasco Nuñes Balboa, funda, em 1510, a vila de Santa Maria del Darién na costa norte do istmo, actualmente entre o Panamá e a Colômbia. Os colonos não aceitam a actuação de Enciso e depõem-no, possivelmente com a ajuda de Balboa. Ficando encarregado do governo da colónia, Balboa acompanhado de 190 homens, atravessa o istmo e, do alto de uma serra, descobre no dia 25 de Setembro de 1513, o Oceano Pacífico, que toma posse em nome da coroa de Castela. Balboa envia notícia da descoberta para a corte. Todavia, os seus inimigos conseguem a nomeação de um novo governador, Pedrarias Dávila.
Balboa cai em desgraça, acabando por ser executado na praça pública no ano de graça de 1517.
O Pacífico foi um oceano privilegiado para os Espanhóis, assim como o Índico foi para os Portugueses. Pelas águas daquele extenso mar transportaram-se enormes riquezas, em especial o ouro e a prata do Perú, que em seguida atravessavam o istmo entre os dois continentes americanos sobre o dorso de mulas, que se constituíam em enormes comboios. Na costa atlântica, o embarque fazia-se em navios a partir de Nombre de Dios e, depois, no século XVII, de Portobelo com destino a Espanha.
O istmo foi, portanto, uma indesejável barreira à circulação das cargas que seguiam para Espanha e, houve quem propusesse rasgá-lo para que fosse possível a passagem franca dos navios entre os dois oceanos. Fernando Cortez admitiu que a passagem se fizesse em Tehuantec (México). Carlos V, em 1523, chegou a ordenar que se fizesse um levantamento para se escolher o melhor local para rasgar o istmo.
António Galvão interessou-se, também, por este assunto. Filho de Duarte Galvão, cronista-mór do reino, aquele ilustre português, que foi governador das Molucas, deixou a seu amigo Francisco de Sousa Tavares um manuscrito que foi publicado em 1563, seis anos após a morte do autor. Nesta obra que, na sua primeira edição tem o título Tratado que compôs o nobre & notauel capitão Antonio Galuão...são propostas quatro soluções para o traçado do canal entre os dois oceanos. A primeira no actual México, alcançando o Pacífico em Tehuantepec; uma segunda atravessando o lago Nicarágua; uma terceira que não diferia grandemente do traçado do canal que veio a ser construído; e, por fim, uma outra precisamente entre os golfos de Uraba e de S. Miguel, muito próximo do território que é hoje a Colômbia.
É curioso notar que, passados três séculos, quando os Estados Unidos se debruçaram, mais atentamente, sobre o traçado deste canal, foram consideradas as soluções propostas por Galvão à excepção da situada no México. Mas, entretanto, outras propostas foram surgindo. No princípio do século XIX, o cientista alemão von Humboldt interessa-se pelo projecto. Em 1826 chega mesmo a constituir-se a Companhia Americana do Canal Marítimo Pacífico-Atlântico, para a construção de uma via que passava pelo lago Nicarágua, que não vai por diante. A descoberta de ouro na Califórnia, em 1848, estimula os Estados Unidos pelo assunto, mas sem resultados concretos. De 1850 a 1855 constrói-se uma linha de caminho de ferro no istmo, que vai de Colombo a Panamá, mas este empreendimento faz-se à custa de numerosas vítimas, dada a insalubridade da região.
Todavia, o grande impulso para a construção do canal deve-se a Ferdinand Lesseps, que alcançou grande prestígio, e com razão, ao terminar - sem dúvida - a maior obra do século: a abertura do Canal de Suez que é feita em dez anos, apesar da interrupção de três anos devido a pressão inglesa. A inauguração faz-se, com grande e merecida pompa, em Novembro de 18691.
Entusiasmado com o sucesso, Lesseps elabora um projecto para abrir o futuro canal do Panamá, que é aprovado pelo Congresso de Engenheiros reunido em Paris no ano de 1879. No ano seguinte, Lesseps constituiu a Companhia do Canal Interoceânico. Os trabalhos de campo começam enfrentando grandes dificuldades, onde a de maior importância é o elevadíssimo número de mortes, devido à malária e à febre amarela que, aliás, já se tinha verificado quando da construção do caminho de ferro, como atrás referimos. Resultado: ao fim de oito anos a companhia entra em falência. Falência que será seguida de um prolongado processo contra os administradores da referida companhia, alguns dos quais são acusados de corrupção de parlamentares. O escândalo político-financeiro, que ficou na História como o Affaire du Panamá, abala a III República. Lesseps, seu filho Charles e outras figuras destacadas do país são condenadas.
Depois de numerosas vicissitudes, o governo americano toma conta do processo, indemniza uma Nova Companhia do Panamá que, em França, no ano de 1894, se tinha constituído para substituir a anterior. Negoceia com a Colômbia a cedência, por 100 anos, de um corredor com a largura de seis milhas ao longo do canal, ficando com autoridade absoluta, assim como a sua a-dministração. Todavia o senado colombiano não ratifica esta concessão.
Em 1903, sucede algo que, ingenuamente, poderemos chamar inesperado: em grande parte do istmo estoira uma revolta. Nasce um novo país, que se separa da Colômbia, e que vai chamar-se Panamá. Neste mesmo ano, é assinado o tratado Hay-Bunau-Vanila, pelo qual os Estados Unidos garantem a independência do Panamá e obtem a concessão perpétua de uma faixa de cinco milhas para cada lado do canal. O Panamá foi recompensado com a soma de 10 milhões de dólares recebendo, além disso, a anuidade de 250 000 dólares a partir de 1913.
Em 1905, os trabalhos recomeçam mas houve que tomar uma medida indispensável, que consistiu em sanear o local para evitar a elevada mortandade na população de trabalhadores que chegou a atingir os 45 000 homens. O projecto também sofreu alterações e a mais importante foi, sem dúvida, a mudança do nível do canal, concebido por Lesseps (o que obrigaria a um túnel de 6 kilómetros de extensão) para uma solução utilizando comportas. Para o efeito foi criado um lago artificial, que ficou com o nome de Gatun e que é alimentado pelas chuvas e pelo rio Chagres.
Quando se entra do lado do Atlântico, para se alcançar os 26 metros, que é o nível daquele lago, tem que se passar três comportas, chamadas Gatun. Neste lago a navegação faz-se durante cerca de 32 milhas, descendo-se pela comporta Pedro Miguel para o pequeno lago de Miraflores, do qual se alcança o nível do Oceano Pacífico através de mais duas comportas chamadas Miraflores. Assim, a travessia de cada navio implica a utilização de seis eclusas, todas elas em via dupla.
O canal, que se estende entre Colón, no Mar das Caraíbas, e a cidade de Panamá, no Pacífico, tem o comprimento de 64.4 quilómetros. A largura das comportas é 33.5 metros, tendo sido fixada em 32.31 metros a boca máxima dos navios. Assim neste caso extremo, apenas fica pouco mais de meio metro de folga para cada um dos bordos. É por isso que os navios atravessam as comportas amarrados a pequenas “locomotivas” que garantem uma navegação rigorosa, evitando o perigo dos costados serem arranhados.
As outras limitações no que respeita às dimensões dos navios são: comprimento: 294.13 metros e calado: 12.04 metros. Estes valores têm limitado, ao longo dos tempos, a travessia dos maiore-s navios, designadamente, os navios de combate norte-americanos, como os porta-aviões que estão assim impedidos de atravessar o canal.
Assim como aconteceu no Suez2, a remoção de terras no istmo do Panamá foi uma operação ciclópica. Aqui, a escavação atingiu os 150 milhões de metros cúbicos o que dava para perfurar um túnel no globo terrestre, com cerca de quatro metros de diâmetro, do pólo Norte ao pólo Sul!
O canal foi inaugurado em 3 de Agosto de 1914 e, no dia 15, o S.S. Ancon teve a honra de ser o primeiro navio a atravessá-lo.
Desde 1979 que o governo americano foi diminuindo a autoridade que exercia no canal. A transferência total foi feita às 12 horas de 31 de Dezembro de 1999.
Todavia, o aumento constante do tráfego e as dimensões sempre crescentes dos navios porta contentores aconselharam a abertura de uma terceira via que permita, não só o aumento do tráfego diário de 38 para 43 navios3, como também o crescimento das suas dimensões. Assim, será possível a passagem de cargueiros com 386 metros de comprimento, 49 de boca e 15 de calado. Mas, para além da construção desta gigantesca obra, teve de ser considerado um problema que se tem agravado com o aumento do tráfego.
De facto, cada navio que passa o Canal, obriga ao enchimento das seis eclusas, com água do lago Gatun que é alimentado pelo rio Chagres e pela bacia hidrográfica que o rodeia. Ora acontece que esta enorme quantidade de água doce, se perde completamente, limitando a sua utilização para outros fins. Actualmente, 58% dessa água é consumida no transito dos navios, restando apenas 36% para a produção de electricidade e 6 % para usos domésticos. Deste modo as novas docas de passagem serão concebidas de modo a que a água resultante do esvaziamento das eclusas seja reutilizada, como, aliás, já se faz em canais na Alemanha e na Bélgica.
As autoridades do Panamá prevêem que a terceira via do Canal seja inaugurada no ano de 2015, precisamente um século após a sua inauguração.
A. Estácio dos Reis
CMG
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Notas
1 O primeiro navio português que passou o Canal de Suez, alguns dias após a inauguração, foi a galera Viajante. Ver a Revista da Armada nº293, de Dezembro de 1996
2 É curioso notar que os dois mais famosos canais do mundo (que não são os mais longos) tem um tráfego equivalente. Em 1996, o Panamá foi atravessado por 13 721 navios enquanto pelo Suez passaram 14 731.
3 Actualmente, o tempo médio da travessia do canal é 24 horas, incluindo o período de espera. O trânsito previsto situa-se entre as 8 e 10 horas.
Registado
"Ele é invisível, livre de movimentos, de construção simples e barato. poderoso elemento de defesa, perigosíssimo para o adversário e seguro para quem dele se servir"
1º Ten Fontes Pereira de Melo