Bristol Beaufighter ao serviço da Marinha Portuguesa
Quando se fala em aviões famosos da Segunda Guerra Mundial rapidamente saltam na mente nomes como o
Spitfire,
Mustang, Bf 109 ou
Zero. E mesmo que isolemos a escolha a aviões bimotores polivalentes, é provável que o Junkers Ju 88, B-25
Mitchell ou a “Maravilha de Madeira”, o fantástico de Havilland
Mosquito, recebam a maioria dos votos. O Bristol
Beaufighter entra na categoria dos heróis desconhecidos; teve um papel importante na guerra e cumpriu com distinção as várias funções a que foi chamado. Liderou o esforço tecnológico e táctico no desenvolvimento da caça nocturna da RAF, atacou navios alemães no Mar do Norte com foguetes e torpedos ao serviço do
Coastal Command e lançou o caos nas linhas de abastecimento japonesas nos climas extremos em Burma e na Tailândia. A carreira pós-guerra foi demasiado curta, o que também contribuiu para que caísse no esquecimento da maioria. Mas não de todos. Na Marinha Portuguesa de finais dos anos 40, o
Beaufighter deixou uma marca difícil de apagar. Trago-vos alguns episódios muito curiosos deste avião ao serviço de Portugal.
Excelente foto do Bristol Beaufighter; robusto, fiável e com o espaço e a potência suficiente para transportar armamento pesado e/ou radar sem afectar demasiado a performance. As autoridades Portuguesas já se tinham apercebido das excelentes características do
Beaufighter ainda antes de 1943 mas só em 1945 o governo de Sua Majestade concedeu uma venda de 16 aparelhos (TF Mark X), que chegaram por via marítima em 13 e 22 de Março desse ano. A transição para as operações de voo decorreu sem problemas mas o apoio em terra cedo começou a dar problemas. Sem infra-estruturas adequadas como hangares, era necessário remover (e reinstalar) o armamento, rádios e outros equipamentos sensíveis, uma tarefa trabalhosa e pouco eficiente. Assim, já em princípios de 1946 os
Beaufighter viam-se abandonados e pouco usados pelos seus donos. Mas nem todos aceitavam esse destino, o Tenente Manuel Beja nunca falhava a oportunidade de aproveitar os (esporádicos) voos destas máquinas. Mas nem todos os voos correram sobre rosas, em 15 de Abril de 1946 o Tenente Beja voava perto da fronteira espanhola quando a bomba de óleo do seu
Beau deixou de colaborar. Com o temperatura do motor restante “no vermelho”, Beja conseguiu trazer o ferido avião até Lisboa. Com medo que o único motor falhasse a qualquer momento, Beja ordenou que o seu navegador saltasse imediatamente de pára-quedas. Com o motor em esforço e a fumegar densamente, o piloto conseguiu finalmente aterrar o cansado
Beaufighter. Saltando do cockpit o mais rapidamente possível, Beja ficou ainda mais surpreendido por encontrar o seu navegador ainda agachado no compartimento. O pobre diabo ficou paralisado de medo e não conseguiu saltar…
Infelizmente não existe grande registo fotográfico do Beaufighter em Portugal. Aqui vemos um dos TF Mark X que já teve melhores dias… No final de 1946 o Tenente Beja era o único oficial da Esquadrilha B da Marinha. Numa ocasião, tentou impressionar a sua nova namorada com um mergulho rasante sobre a casa onde morava, na zona de São Bento. Na altura combinada, Beja abriu “todo o calor” dos dois motores radiais de 14 cilindros
Hercules (1600cv cada!) e baixou o nariz num mergulho pronunciado sobre a baixa de Lisboa. Quando puxou o manche contra o ventre, esperando que o seu
Beau subisse com a mesma ligeireza com que vinha a descer, aquilo que sentiu foram os controlos moles e “esponjosos”! Pânico! Ao recuperar do mergulho já muito próximo dos telhados lisboetas, Beja pensou em abandonar o barco e saltar fora mas, ao ver pelo canto do olho que a Portela estava a pouco mais de um quilómetro á sua direita, arriscou a sorte numa aterragem de emergência. Conseguiu, mas ficou chocado com o estado do avião; todo o revestimento metálico dos estabilizadores de cauda e do leme tinha desaparecido completamente! Não admira que os controlos não funcionassem devidamente. Felizmente para Beja, a Polícia e o Comando da Defesa Aérea nunca descobriram quem foi o “lunático que tentou bombardear o Parlamento!”.
Em 1949 veio a ordem para desactivar a esquadrilha B e enviar os
Beaufighter restantes para a sucata. Mas o intrépido Tenente Beja tinha de se despedir condignamente. Desobedecendo a uma ordem explícita do Comandante Paulo Viana (os
Beaufighter não poderiam voar mais devido ao avançado estado de deterioração), Beja fez um último pequeno voo de despedida na bruta besta Inglesa que ele tanto gostava. Depois de aterrar, dirigiu-se ao Comandante (e amigo) e confessou o que tinha acabado de fazer. A resposta foi curta;
“Ok, fizeste as tuas piruetas e deves estar muito contente. Agora trata de desactivar o raio desses aviões. Ah, outra coisa, nunca tivemos esta conversa.” Acabou assim a história dos
Beaufighter em Portugal.
O Beaufighter é daqueles aviões com um lugarzinho especial para mim. Tive o prazer de construir um exactamente como este da Revell, e ficou muito bom, parecido com o da foto mas pintado de verde azeitona. Sempre achei que quando se dedica algum tempo a construir um kit destes, seja avião, tanque ou carro, fica uma ligação especial, um conhecimento “3D” profundo das formas e proporções da máquina. Podem passar anos, mas conseguimos identificar a milhas de distância, e de qualquer ângulo, os “nossos” aviões.