"Se aceitamos a Turquia não há mais fronteiras"Antigo secretário do Orçamento e de Assuntos Europeus, Alain Lamassoure defende uma reforma do financiamento da UE e critica a futura adesão de Ancara.
Que pensa desta espécie de Intifada que está a afectar Paris? Trata-se de um problema francês ou europeu?
Existe um problema comum e um problema francês. O comum é a importância de populações de origem estrangeira, imigrada, em todos os nossos países. Desde a crise aberta na Europa pelo fracasso da Constituição Europeia que a imigração devia estar entre as duas ou três políticas comuns sobre as quais a União se deve concentrar. [Na Europa] começou a desenvolver-se uma espécie de marcha atrás. Vemos governos (não é o caso do português) a concentrarem-se na renacionalização da política europeia. Para lutar contra essa tentação, o que recomendo é que a Europa se concentre em duas ou três políticas correspondentes a necessidades do nosso tempo.
E a imigração seria uma delas?
Claramente. Tentámos limitar a imigração, mas economicamente, temos necessidade dela. E acontece que, mesmo sem Constituição, temos os meios para criar uma política comum de imigração, com decisões por maioria qualificada. Temos milhões de trabalhadores de origem estrangeira e os nossos países tentam acomodar-se, com [estratégias] diferentes. A França prefere tentar integrar estes estrangeiros em bairros vulgares e evitar a constituição de comunidades fechadas. E não consegue.
Aparentemente, o modelo social não está a funcionar...
Temos um problema de sociedade. Quando um francês ganha cem euros, paga 44 euros de imposto. Isto significa que nós redistribuímos quase metade da riqueza nacional. Há um aumento das pessoas em grande dificuldade, dos sem-abrigo. Também aumentam os que vivem com o rendimento mínimo individual e os filhos das populações estrangeiras sem formação ou emprego. Existe uma crise muito profunda do modelo de sociedade francesa. Usamos meios de redistribuição que não ajudam os desfavorecidos e a integração dos que vivem à margem da comunidade nacional.
Um dos aspectos da crise europeia tem a ver com a falta de Orçamento da UE [Perspectivas Financeiras]. Acredita num acordo em Dezembro?
Haverá um acordo em Dezembro ou em Março. A presidência luxemburguesa tinha apresentado um acordo aceite por 24 dos 25 países. O que me inquieta é o nível de orçamento que sairá deste acordo. É necessário 1,07% do produto nacional bruto. O compromisso luxemburguês está em torno de 1%.
Acha possível ir-se mais longe do que aquilo que já foi negociado em Junho?
O que penso ser mais provável é que os governos vão aceitar, em Dezembro (sob presidência britânica) ou em Março (sob presidência austríaca) o compromisso que foi recusado em Junho. Ou algo de muito próximo. [Defendo um acordo sobre] o modo de financiamento do orçamento europeu. Esta é a razão da minha presença em Lisboa. O método de financiamento baseia-se em contribuições nacionais. Os países contribuintes líquidos dizem que não há razão para pagar e os beneficiários afirmam que são pobres e é normal que recebam, como receberam outros. É um sistema anticomunitário e penso que não poderemos ter um acordo satisfatório sobre as Perspectivas Financeiras, comportando um aumento acima de 1%, se ao mesmo tempo não houver um acordo sobre a reforma do sistema de financiamento. Essa reforma poderia aplicar-se a partir de 2013. Deverá consistir na criação de um imposto europeu ou na afectação de parte dos impostos nacionais.
É possível convencer a opinião pública da vantagem de um imposto europeu?
Há um princípio a Europa deve construir-se a custos constantes. Deve evitar-se que quando uma política nacional se torna comunitária ela seja mais cara. Se afectarmos à Europa um imposto nacional existente, ou parte dele, deveremos demonstrar aos cidadãos que, em contrapartida, baixámos outro imposto ou uma despesa. Dou o exemplo das despesas militares. Pensamos, em França, que a Europa vai necessitar, no futuro, de uma política comum de defesa. Se tivermos uma política dessas, não vamos juntar despesas europeias às nacionais.
Os Governos aceitam a ideia?
Fui antigo ministro do Orçamento. Nos nossos países, os Ministérios das Finanças caracterizam-se pela total ausência de imaginação. A Europa consiste em dizer não. O Parlamento Europeu pode ajudar, na condição dos parlamentos nacionais darem o seu acordo.
De quanto seria este imposto?
No início, precisaríamos de pouco dinheiro. Aliás, a minha ideia não é criar um imposto europeu, pois seria uma grande complicação administrativa e dificuldade política para um rendimento fraco. Do que precisamos? De passar de 1% a 1,10%. Um por mil da riqueza europeia. Prefiro dizer que vamos afectar à UE parte do imposto já existente. E teríamos de convencer as pessoas de que a União é eficaz para tratar certo número de assuntos que tratamos mal a nível nacional.
Por exemplo?
Referi a imigração. Cada país tem a sua política e estamos num território onde existe liberdade de circulação. E se queremos resolver o problema, teremos de o tratar na sua raiz, nos países de origem.
Para isso, é preciso dinheiro...
Dinheiro e capacidade política.
Mas há a questão da despesa. A UE gasta pouco na política de vizinhança que apoia esses países africanos. Se recordo, o orçamento era de 14 mil milhões de euros em sete anos. Não acha que a União se deveria preocupar com a despesa, como defende Tony Blair?
Sim, mas o senhor Blair defende isso nas palavras, mas não nos actos. Ele colocou-se numa posição insustentável. Tem ideias com que todos podem estar de acordo sobre o Orçamento europeu, mas na condição de a Grã-Bretanha não pagar. Se aplicarmos o regime orçamental obtido pela senhora Thatcher, justificado na época, Londres não pagaria um tostão para a política de ajuda aos novos parceiros de Leste. Estamos no impasse absoluto.
Como é que a UE pode sair da crise?
Mostrando que pode ser eficaz em duas ou três políticas. É preciso mostrar que os dirigentes são capazes de ultrapassar o egoísmo nacional e resolver a questão orçamental. E, a partir de 2007, relançar o projecto de Constituição...
Com outro nome?
Sem dúvida. Um texto mais curto, concentrado nas disposições verdadeiramente constitucionais e definindo onde estão os limites da UE. Na recusa dos franceses e dos holandeses, havia a ideia de recusa da entrada da Turquia. Uma razão, que partilho, é que 95% do território turco está na Ásia e será impossível dizer não a outros países.
Malta fica no Mediterrâneo...
O problema do alargamento da Europa é a falta de coragem dos dirigentes. Não há qualquer dirigente que consiga dizer não a uma candidatura. É esse o problema. Quem vai dizer não à Ucrânia? Quem vai dizer não à Rússia?...
A Rússia não quer...
Haverá um dia em que a Rússia vai querer. E que francês vai dizer que a Turquia pode entrar e Marrocos não pode?
Mas a França não estará a temer a entrada de um país grande?
Sim, há vários elementos. É um país muçulmano, vai ter direito de voto superior ao da França e da Alemanha. Mas, sobretudo, não é um país europeu. Se aceitamos a Turquia, não há mais fronteiras. Gosto imenso da Turquia, mas os nossos dirigentes assumiram compromissos que não vão poder cumprir. Foi uma das causas para a impopularidade da constituição. A prazo, haverá uma crise grave com a Turquia.
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