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Conflitos => Conflitos do Passado e História Militar => Tópico iniciado por: Carlos Rendel em Setembro 11, 2010, 10:49:08 am
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...a estratégia consiste precisamente em cometer menos erros que o
inimigo... Delbruck
Quando se fala em incompetência ocorrem-nos casos acontecidos nas mais
díspares profissões,de cozinheiros a maestros,de mineiros a médicos.Já é
muito mais difícel ouvir falar em incompetência militar.E,no entanto ela ´
é tão gravosa e com efeitos potenciais tão devastadores que não merece
tal esquecimento.
Na verdade um gestor de uma empresa,pode tomar uma ou mais decisões
infundamentadas que levem a empresa ao chão com reflexos evidentes
no emprego,bem como a ruína de pequenos investidores e pensionistas
que aí tivessem as poupanças de uma vida.
Um chefe militar -humanamente sujeito a errar-pode ficar com o lastro
de centenas ou milhares de vidas,de biliões em material de guerra,
e em casos limite da sobrevivência da própria pátria.
Os chefes militares ao passar pelos crivos profissionais e testes de
variada natureza são,em princípio,tudo menos ingénuos.
O que se pretende é que em proporção errem menos que outros di-
gentes e para tal devem auferir de uma preparação adequada e multi-
facetada.
A História fornece-nos múltiplos exemplos que dão que pensar.
Na guerra franco-prussiana em 1870,travou-se a batalha de Vionville,
e o comandante francês Bazaine demonstrou a sua coragem pessoal ao
chegar a galope à linha de fogo,reorganizando a Cavalaria,empregando
o seu tempo a apontar duas peças de artilharia e conduzindo ao combate
um batalhão de Infantaria,gritando :"Vamos a êles".Quis estar em todos os
lugares,menos onde deveria estar-durante uma hora ninguém esteve ao
comando do Exército Francês e " a sua conduta pode comparar-se à de
um simples soldado que abandonasse o seu posto de combate". A His-
tória militar referindo-se a Bazaine diz que estava claramente
contra indicado para um lugar de Alto Mando,não obstante reconhecer
a sua coragem pessoal.
Desculpar-me-ão se abrir um parêntese para contar um caso anedótico
de desprezo do inimigo- na II Guerra Mundial os ingleses subestimaram
os japoneses como combatentes fazendo circular a ideia que a anatomia
dos olhos e a sua escassa visão os impedia de ser bons pilotos aviadores.
A resposta não se fez esperar em Singapura,na Malásia e,sobretudo em
Pearl Harbor.
Outro caso típico é exagerar a força do adversário como desculpa para
não entrar em acção: na Guerra Civil Americana o Presidente Lincoln
nomeou para chefe do Exército do Potomac o gen. George McLellan
com vista a defrontar o Exército confederado da Virginia do Norte
sob a chefia de Robert E. Lee. McLellan era bom a planear,trabalhador
e agressivo,mas padecia de uma prudência extrema,evitando um combate
caso não estivesse persuadido de êxito.Ao princípio do seu comando
escusou-se a atacar a colina de Munson alegando ser a defesa muito
forte- logo que os rebeldes se retiraram descobriu-se que as peças de
artilharia eram apenas troncos de madeira pintados de preto.
McLellan exagerou as cifras dos adversários para evitar acções
decisivas,assim em 1861 afirmou que os confederados tinham
efectivos quatro vezes superiores aos seus; em 1862 informou
que os homens de Lee eram 80 000 (na realidade 40 000).Em
Junho de 1862 desabafou "temos oposição fortíssima" quando
aos seus 100 000 homens se opunham 23 000 sulistas em Magruder.
Em Outubro de 1862 disse que Lee tinha à disposição 150 000
soldados (na realidade 60 000 "sujos,andrajosos e esfomeados"
Em Antietam manteve um parte do seu exército de reserva,mas
analistas calculam que caso tivesse usado todas as suas forças
no ataque assegurava uma vitória decisiva.
Um caso dramático de incompetência militar ocorreu na I Grande
Guerra com uma rivalidade exacerbada das chefias como aconte-
entre os generais Georges e Gamelin.A animosidade entre estes
dois militares era tal que houve comentários de ingleses " se estes
homens em vez de se guerrear se concentracem no combate contra
os alemães,talvez o resultado da guerra fosse outro".
A guerra enquanto actividade humana também deve estar sujeita
ao rácio custo/benefício ou então há que dar razão a Napoleão:
...um homem como eu não pode preocupar-se demasiado
com o destino de um milhão de soldados...[/color]
Ainda na guerra franco-prussiana o general alemão Steinmetz
ordenou um ataque frontal em Spichern apenas com as baionetas,
resultando 62 por cento de baixas. A única razão parece ter sido
a presença na frente de combate do Imperador da Alemanha Gui-
lherme II e a competição entre oficiais para se destacarem o que não
os impediu de sacrificar os seus homens.
O dia 1 de Julho de 1914,no Somme,marcou o dia mais sangrento
da História Militar britânica-57 470 vítimas.Naturalmente houve erros
mas o maior foi de tal ordem que anulou qualquer hipotética
vantagem.Na semana anterior as trincheiras alemãs foram bombar-
deadas com milhão e meio de projecteis,que na realidade não fizeram
grande mossa nos defensores,bem abrigados pelo que quando estes
montaram as metralhadoras apanharam os britânicos na terra de
ninguém e aí foi o massacre.Os batalhões convocados para o ataque
avançaram segundo a ordem prevista havendo nos primeiros 30 minu-
tos 21 000 mortos ingleses.Keegan revela que no 1º de Julho a des-
proporção de baixas era aterradora,tendo o 180º Regimento alemão
contabilizado 280 dos 3 000 homens como baixas,enquanto 5 121
dos 12 000 atacantes eram dados como perdidos.
Perante este quadro,como classificá-lo?
Para John Keegan:
..."existem diversas formas de explicar tal conduta.Desde logo o habitual
sentimento militar de compromisso com o plano aprovado;o espírito
militar da época considerando inevitáveis perdas elevadas,mas o
maior foi a ignorância do que se passava na terra de ninguém
a maior parte do dia"
Em Crécy,na guerra dos cem anos (1337-1453) defrontaram-se 15 000
ingleses de Eduardo III e o Exército francês de Filipe IV (30 000).
Os cavaleiros franceses do alto da sua soberba tinham por certo
esmagarem a cavalaria britânica muito menor em número.
Eduardo III tinha disposto as suas tropas numa colina,com protecção
dos flancos,estacas e lanças a proteger alguns milhares de arqueiros
e atrás a cavalaria.Os cavaleiros franceses com receio de que lhes
fugisse a glória de vencer os ingleses,atacaram sem haver ordem
para isso vendo-se obrigados a recuar deixando centenas de mortos
e dando a vitória aos ingleses.Filipe IV têve no mínimo 12 000
baixas contra menos de 500 dos ingleses.
Em Crécy encararam-se duas formas de fazer a guerra em que os
arqueiros britânicos fizeram a diferença por disporem de nova tec-
nologia e os franceses por não terem sabido adaptar os seus
meios à nova táctica de combate.
Os analistas militares dedicados ao assunto já caracterizaram
diversos tipos de incompetência,bem como o seu grau-consoante
os efeitos verificados ou potenciais.Não se trata de estudos acadé-
micos,antes de procurar acautelar o futuro,no sentido de que erros
passados não voltem a hipotecar a segurança e bem estar dos portu-
gueses em particular e dos europeus em geral.
E façamos votos que alguns cenários descritos neste trabalho nunca
mais se repitam.Nunca mais!
A realidade histórica não conhece ideais,mas apenas factos.
Não há verdades,só há realidades.Não há razões,justiça,
conciliação, nem fim;há apenas factos.
Oswald Spengler [/color]
BIBLIOGRAFIA
Dixon,Norman..."On the psychology of military incompetence"-1976
McNab,Chris ..."Military disasters"
Liddel Hart,B.H..."As grandes guerras da História"
Citino,Robert M. ...."Death of the Wehrmacht-The german
campaigns of 1942"
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Porque não escrever esses parágrafos de forma corrida como todos fazem?
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Porque não escrever esses parágrafos de forma corrida como todos fazem?
Dá muito trabalho.. Ctrl+c é mais facil..
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Vou-lhes contar um segredo para ficar entre nós: é que sou pago à linha. C.R.
Bom fim de semana.
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Vou repetir a frase de Napoleão que saíu mutilada:
"...homens como eu não se devem preocupar com o destino de um milhão de soldados"...
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Vou repetir a frase de Napoleão que saíu mutilada:
"...homens como eu não se devem preocupar com o destino de um milhão de soldados"...
Isso parece ser recorrente com os aventaleiros.
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A República de Schwartzenberg
Estamos a 9 de Maio de 1945 e é difundida para toda a Alemanha e a Europa o colapso do regime nazi
e a rendição das forças militares aos aliados.Nas montanhas do Harz,próximo da república Checa,uma
força blindada ocupa a cidade de Annaberg,enquanto os americanos se apoderam da cidade de Aue
ficando o distrito de Schwarzenberg, entalado entre ambas.Passam-se os dias, todos iguais e nada
sucede.Reunem-se alguns munícipes e decidem expulsar o burgomestre,não sem antes recolherem
algumas granadas de mão e pistolas,atiradas fora pelos soldados alemães em fuga.Ocupam o Muni-
cípio,desarmam a polícia,e estes quinze cidadãos congregam o apoio de mais de cem pessoas e aca-
bam por formar um partido político de tendência social-democrática,o qual em poucos dias conta-
bilizou seis mil filiados.O mais difícil foi integrar os presos políticos e refugiados,organiza-se um pro-
grama de administração civil para ser aprovado democráticamente, e, finalmente a 26 de Maio é
proclamada a República de Schwarzenberg.Inesperadamente,a 4 de Julho aparece um grupo de sol-
dados soviéticos com a missão de ocupar Schwarzenberg.E o sonho desfez-se...A pergunta que fica
no ar,é como foi possível durante dois meses,cinquenta mil pessoas em 530 qm2,formarem uma
república democrática ? O escritor Stefan Heym,investigou o caso e crê ter descoberto o que acon-
teceu---as autoridades militares americanas ordenaram "ocupar a zona que limita o distrito de
Schwarzenberg" sem especificarem a leste ou oeste,e vê-se que no terreno escolheram a errada.
Stefan Heym concluiu que "aquela república fictícia que se tornou realidade foi na verdade uma
utopia". Ninguém diria melhor... C.R.