Irão: Ponto de viragem?
Alexandre Reis Rodrigues
O Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não se furta a dar sinais de que não está satisfeito com o caminho que o relacionamento EUA/Irão está a tomar. Preocupa-o em especial a hipótese de o Presidente Obama, ao contrário do antecessor e do que o próprio dizia durante o primeiro mandato, possa já ter retirado de cima da mesa uma eventual intervenção militar no Irão, caso Teerão não suspenda o programa nuclear.
Netanyahu tem mantido a opinião de que sem a pressão da ameaça militar, Teerão não cederá e insiste que está cada vez mais próximo de ter a sua primeira arma nuclear. Pelo que diz, pode deduzir-se que talvez lhe conviesse que o Irão continuasse a ter à sua frente um Presidente como Ahmadinejad que não enganava ninguém sobre o que Netanyahu diz serem as “intenções sinistras” do Irão. Acha que Rouhani tem, no fundo, exatamente as mesmas intenções mas vestiu a “pele de cordeiro”, para “enganar” os EUA, por razões puramente táticas.
Em julho, Netanyahu já tinha dito que o “relógio” de Israel para decidir o que fazer estava a andar mais depressa do que o dos EUA, insinuando a possibilidade de se decidir por uma ação unilateral. Não estando seguro de ser acompanhado por Washington tenta aproximar-se da Arábia Saudita que também não se sente “confortável” com o caminho decidido pelos EUA. Riade receia que os EUA possam a estar a “abandonar” o Médio Oriente, porque reduziram a sua dependência energética em relação ao Golfo e porque estão mais preocupados com a Ásia. No entanto, um eventual “abandono” é algo que não é confirmado pelo contínuo fornecimento de material de guerra sofisticado o que, como é habitual, arrasta sempre um aprofundamento das relações e pressupõe o alinhamento político entre as partes.
Tanto Israel como a Arábia Saudita receiam que, em resultado das conversações que foram retomadas dia 15, o Irão venha a conseguir que os EUA permitam que
continue a enriquecer urânio e que legitimem as ambições iranianas, reconhecendo as suas áreas de influência (em parte do Afeganistão, no Iraque, na Síria e no
Líbano, como área de pressão direta sobre Israel). Evidentemente, existem também receios em relação ao acordo EUA/Rússia sobre a Síria, o que desagrada
especialmente a Riade.
Ninguém estranha esta posição de Israel mas a perceção de que, regra geral, Telavive faz uma sobreavaliação das ameaças regionais a que se encontra sujeito, retira-lhe alguma credibilidade. Em qualquer caso, estamos a falar de um processo que mal começou. As opiniões dividem-se entre céticos, otimistas e os que estão abertamente contra a aproximação. Há representantes de todas estas correntes nos dois lados da mesa e entre os intervenientes que podem fazer a diferença. Todos apresentam razões válidas que precisam de ser tidas em conta mas, obviamente, o processo tem que continuar para dar ao Irão uma oportunidade de mostrar, através da sua postura nas conversações, o que pretende como desfecho. No fim saber-se-á quem estava certo.
Rouhani, de facto, conseguiu em pouco tempo alterar radicalmente a prática e o tom do discurso oficial iraniano. Fez um esforço mediático enorme para convencer a
opinião pública americana das intenções pacíficas do seu País. Libertou prisioneiros políticos, procura dar sinais de confiança à economia. Em resumo está a ser coerente com a promessa eleitoral de obter uma redução das sanções e terminar o isolamento internacional. Com as conversações agora reiniciadas, segundo afirmou em Nova Iorque, pretende remover todas as possíveis razões de preocupação sobre o programa nuclear.
Contudo, como lembrava recentemente Ray Takeyh, não é Rouhani mas o Supremo Conselho Nacional de Segurança quem toma as decisões críticas e a composição desse órgão exige-nos, no mínimo cautela. São quase todos da chamada “linha dura” do regime que fizeram as suas carreiras nas Forças Armadas e nos Serviços de Segurança, mas, curiosamente, não tinham um relacionamento fácil com Ahmadinejad. Aliás, criticavam-no sobre os excessos verbais. Consideram que à medida que o Irão consolida o seu poder deve procurar passar uma imagem de razoabilidade como ator regional. É sob esta ideia que o Irão condenou o uso de armas químicas na Síria e mostra-se disponível para tratar da questão nuclear. Se a mudança de postura tem a ver apenas com mudar imagem ou corresponde a uma concreta mudança de postura é o que fará a diferença.
O que tem vindo a público refere, da parte de Teerão, a disponibilidade de aceitar algumas restrições ao programa de enriquecimento de urânio contra o levantamento das sanções e, da parte dos EUA, a predisposição para, de forma pragmática, aceitar essa pretensão, sob um regime rigoroso de inspeções que controle, de forma credível, o nível de enriquecimentos e a orientação do programa iraniano.
Não faltará quem não se conforme com esse possível desfecho, logo a começar no Congresso dos EUA. De facto, representa uma renúncia às exigências que os EUA
sempre disseram não abdicar, portanto, uma vitória do regime dos Ayatollahs. Um final em que os EUA, imprudentemente, se deixaram cair sob a responsabilidade da administração do anterior Presidente.
Jornal Defesa