O ego português

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JNSA

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« Responder #15 em: Junho 11, 2004, 11:42:40 pm »
Já agora, um bom texto sobre os tempos que vivemos...  :wink:

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Auto-estima

José Ricardo Costa

A auto-estima tornou-se num dos principais temas nacionais. Fala-se tanto nela que uma pessoa distraída pode mesmo ser levada a pensar que se trata de uma rede de stands de automóveis.

O que tem a sua lógica. Sendo o ACP, tal como o Benfica, uma das principais instituições nacionais, e vendo-se, ao fim-de-semana tanta gente de volta do carro com pomadas e champôs, faria todo o sentido um stand chamado Auto-estima num país como Portugal.

Mas a verdade é que abrimos uma revista, um jornal, ouvimos o governo ou o professor Marcelo, e dá logo para perceber que a auto-estima dos portugueses tornou-se num desígnio patriótico, a chave que irá permitir descobrir as marés da Boa Esperança e derrotar de vez o país das Tormentas que sempre fomos.

Falam da auto-estima como se fosse uma droga alucinogénia que provoca um fervor de optimismo, confiança e felicidade que não tem nada a ver com o povo português.

O português é engraçado precisamente por ser triste e derrotista. O que pode até ser uma coisa boa. Como dizia o outro, um pessimista não passa de um optimista bem informado.

A alegria e a confiança são boas, mas para os estrangeiros. Está certo que há o Malhão Malhão, os Malucos do Riso, os Globos de Ouro, o Goucha, o Gabriel mais o padre Borga a cantar ao Senhor, o sorriso de Durão e a fé na selecção.

Tudo razões para uma imensa alegria nacional. Mas é tudo muito artificial no país do Velho do Restelo, do fado, das doenças à mesa do café, do martírio xiita-cristão a caminho de Fátima, das vitórias morais, dos telejornais trágico-pimbas, enfim, do enigmático deputado Silva.

Os espanhóis têm o salero, a fiesta. Os irlandeses, à noite, vão para o pub embebedarem-se, cantar, rir e darem murros uns aos outros, tudo actos que revelam a pujança de um povo. Os portugueses vão para o café ver televisão, com uma bica e um bagaço à frente.

Restam os santos populares e os bailes de Verão para quebrar a melancolia lusitana com música alegre e minis.

Já andaram à noite por Albufeira ou Praia da Rocha? É um cenário colonial ainda mais perverso do que o Ultimatum inglês do século XIX. É ver os ingleses, alemães e holandeses a divertirem-se de caneca na mão, enquanto os portugueses dão a sua voltinha dos tristes, emperiquitados, vendo o divertimento dos outros ao espreitarem para dentro dos pubs.

Os traficantes da auto-estima, que até já organizaram um seminário para promover essa droga da felicidade, não perceberam ainda uma coisa: por muito que falem da Expo-98, do Euro-2004, do Rock in Rio, da Mariza, do FC Porto, o verdadeiro motivo de auto-estima dos portugueses acaba por estar mesmo na auto-estima, isto é, na estima que têm pelo seu automóvel.

Eu, por exemplo, só há pouco tempo é que descobri a razão por que tenho uma péssima auto-estima: tenho uma 4 L com ferrugem e musgo nos vidros e um pindérico Fiat Punto com 6 anos de idade, o que em Portugal, tratando-se de automóveis, é sinónimo de eternidade.

Se repararem, verão que a auto-estima de um condutor de um Corsa, de um Punto ou de um Clio é diferente da auto-estima do que tem um bom carro. Em suma: a auto-estima do português é proporcional à estima do português pelo auto.

Mas não é assim em todo o lado. Há uns anos, Lauren Bacall veio cá a um festival de cinema como convidada de honra. Apesar da idade, continua a ter a elegância e o bom gosto que revelava quando surgia, esplendorosa, ao lado de Bogart.

Quando se encontrava no átrio exterior de um belo e recolhido hotel para uma cerimónia, surge de repente um carro de luxo, fazendo peões consecutivos, interrompendo desse modo o ambiente calmo e bucólico do lugar.

Quando o carro parou e entretanto sai de lá o sorridente Herman José, a actriz limitou-se a fazer um breve comentário para a pessoa que estava a seu lado: "Quem é este idiota e quem julga ele que é?" Como não vivia em Portugal, seria incapaz de dar a resposta certa: "Um português com elevada auto-estima".

Os fervorosos militantes da auto-estima, desde Durão ao professor Marcelo, passando por Laurinda Alves e o padre Vítor Melícias, e que andam a tentar drogar os portugueses para que se sintam confiantes e cheios de fé em si próprios, têm de perceber uma coisa simples: a melhor forma de incentivar a auto-estima é baixar o imposto automóvel e os juros no empréstimo para compra de carro.

Um português com auto-estima é um português com um bom automóvel. A partir desse dia, Portugal será um país novo em que todos acordarão diariamente com um sorriso nos lábios a caminho do trabalho, da pesca, do café, da escola do filho, do hospital, do tribunal, ou até mesmo da repartição de finanças ou do cemitério.

As próprias auto-estradas, com tal parque automóvel, serão transformadas em auto-estimas.

jr_costa@clix.pt

José Ricardo Costa é colunista do Jornal Torrejano, um jornal regional que consegue ser melhor do que muitos (para não dizer todos) os jornais nacionais.


fonte: http://www.inepcia.com/autoestima.html
 

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dremanu

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« Responder #16 em: Junho 11, 2004, 11:45:46 pm »
Citação de: "JNSA"
Citação de: "dremanu"
Ideal abstracto JNSA! Eu não acho a pátria um ideal abstracto, acho algo que é concreto e real. A pátria p'ra mim manifesta-se na língua que falo, na comida que como, nas minhas relações familiares, na apreciação estética que tenho por todo o tipo de arte tipica portuguesa, nos valores morais que recebi por parte da minha família, na relação que tenho a terra, etc.

Eu já viajei por muitos países, e quanto mais eu viajo e lido com outras culturas, mais eu gosto de ser Português, e mais eu valorizo o facto de existirem culturas diferentes umas das outras, e de eu fazer parte de uma cultura tão forte como é a nossa.

Em comparação ao que tem de gente por esse mundo fora que vivem numa confusão mental, sem saberem o que são, nem donde vêm, nem no que devem acreditar, ou até como devem viver, é muito bom ser Português, pelo menos temos uma base cultural forte, que em média nos prepara relativamente bem para vivermos no mundo real, e sabermos ter sucesso nas nossas vidas.

De vez em quando, acho que é necessário rever os nossos valores, e remodelar um pouco a nossa cultura para que se adapte aos novos ventos, mas sempre ser cuidado para não perder o que nos tem trazido tantos sucessos ao longo de séculos.

Dremanu, eu estou completamente de acordo consigo  :roll:


:D
"Esta é a ditosa pátria minha amada."