A Coreia do Norte, Sessenta anos depois do Armistício
Alexandre Reis Rodrigues
A Coreia do Norte, há décadas na iminência de colapso financeiro e económico e incapaz de sobreviver sem ajuda externa maciça (alimentar e energética), comemorou, no passado fim de semana, o 60º aniversário do Armistício da Guerra da Coreia (25 junho de 1950 a 27 de julho de 1953). Tentando reescrever a história de um conflito, que terminou num impasse que continua a aguardar a celebração de um Tratado de Paz, apresentou-se, mais uma vez, como se fosse a grande potência vencedora.
Como se mais nada interessasse, tentando fazer esquecer todas as irracionalidades do regime e as extremas dificuldades por que passa a maioria da sua população, Pyongyang não se poupou a esforços nem dinheiro para concretizar um desmesurado programa de festividades, inaugurações de dispendiosos novos símbolos do regime (um renovado Museu da Guerra e um novo cemitério a honrar os mortos em combate) e um monumental desfile militar.
Esta postura seria própria de um País sem fragilidades económicas e sociais mas a Coreia do Norte está precisamente no extremo oposto e não está a passar por qualquer “milagre de recuperação”, por mais esforços que os seus dirigentes façam em mostrar que têm tido sucesso. É verdade que, embora inesperadamente, conseguiu em 2012, 1,3% de crescimento do PIB, malgrado as sanções e isolamento internacional, mas esse progresso pontual não a retira da lista dos Países mais pobres do mundo (o 197º lugar e um PIB per capita que é 1/19 avos do da Coreia do Sul), uma situação de todo em todo incompatível com a postura internacional que desafia tudo o que seria expectável de um País que nem sequer tendo estatuto para ser uma pequena potência. Duas circunstâncias explicam esta situação. Por um lado, o ter conseguido tornar a China refém das suas exigências, levando Pequim a ocupar o vazio imposto pelo isolamento internacional. Por outro lado, a feroz ditadura em que o regime faz viver a população (um em cada 120 norte-coreanos, detido em campos de concentração).
Presentemente, dá-se ao luxo de manter encerrado há mais de três meses (desde princípios de abril) o complexo industrial de Kaesong que dá trabalho a 53.000 norte-coreanos e representa 99,5% do comércio entre as duas Coreias. Ao fim de seis rondas de negociações, continua a não aceitar o compromisso que Seul lhe exige de não voltar a fechar unilateralmente as instalações. Pyongyang considera que o encerramento de Kaesong é da responsabilidade de Seul, devido à sua atitude sistematicamente hostil para com a Coreia do Norte. Entretanto, não deu qualquer resposta a mais uma oferta de regresso às conversações feita pelo Sul.
Kim Jong Un insiste em reafirmar interesse em retomar conversações de âmbito geral, suspensas em 2008, e de esclarecer que a prioridade é a economia e melhoria das condições de vida da população. Mas não se mostra disponível para qualquer cedência ou aceitação de condições prévias. Usa, aliás muito habilidosamente, duas “ferramentas” principais. Por um lado, o que Joseph Nye chama o “poder dos fracos”: a ameaça de colapso se não receber ajudas, um desfecho que sabe perfeitamente ser inaceitável, quer para a China, quer para a Coreia do Sul. Por outro lado, capacidade nuclear e um profuso arsenal de mísseis balísticos que, para já, constitui uma ameaça às bases americanas no Japão e em Guam, malgrado a falta de evidências de constituírem sistemas comprovadamente eficazes.
Quanto tempo mais poderá esta situação perdurar depende da forma como Pequim decidir dar substância prática à crescente exasperação que manifesta pelo comportamento provocativo de Pyongyang, adotando uma política de menor condescendência. Pequim tem dado alguns sinais nesse sentido, logo a começar, ao aderir às sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, na sequência dos testes de mísseis realizados no primeiro trimestre. Mas a pressão feita, que na prática se traduz por uma redução da ajuda, parece longe do nível que poderia começar a produzir efeito. Aliás, a presença do vice-presidente chinês ao lado de Kim Jong Un, nas cerimónias do armistício, deixaram claro que Pequim continuará a lidar com esta situação de forma muito cautelosa.
Tudo considerado, parece não se registarem quaisquer alterações significativas na situação da Península coreana. Há, no entanto, na postura da Coreia do Norte pelo
menos uma nova nuance que deve merecer atenção. Até aqui, o habitual tem sido alternar períodos de maior agressividade com períodos de acalmia para reclamar ajudas e incentivos para a normalização do relacionamento. Agora, nota-se uma combinação de maior agressividade, incluindo ameaças diretas aos EUA como ficou
patente na última crise, com um esforço de passar uma imagem de menor dependência de ajuda externa, presumivelmente para ganhar uma posição de força em próximas conversações. Ou seja, condições mais difíceis para uma próxima saída da situação de instabilidade em que continua mergulhada a península coreana. Estas circunstâncias levarão os EUA e a Coreia do Sul a reverem as suas opções.
Jornal Defesa