Prisões extra-judiciais, tortura, sevícias, censura?..

  • 0 Respostas
  • 3544 Visualizações
*

Duarte

  • Investigador
  • *****
  • 2348
  • Recebeu: 145 vez(es)
  • Enviou: 440 vez(es)
  • +607/-322
Prisões extra-judiciais, tortura, sevícias, censura?..
« em: Junho 07, 2007, 02:06:38 am »
Nem é da PIDE nem do Estado Novo a que me refiro. São os actos selvagens do COPCON durante o PREC.

Estes actos foram os crimes dos democratas de Abril, do PC e da UDP, etc., militares e civis, e muitos deles ainda continuam nos corredores do poder..

Documento: Conclusões dos Relatórios de Sevícias
I – Conclusão do Relatório das Sevícias Acerca do 28 de Setembro de 1974.

Todo o processo do 28 de Setembro foi uma violência colectiva e continuada, assente num procedimento ilegal e arbitrário e no desprezo pelo direito das gentes.
Neste contexto, a correspondente responsabilidade á compartilhada desde os mais altos escalões do Poder até àqueles que ordenaram ou executaram os procedimentos directos sobre as vítimas

A Comissão é do parecer que essa responsabilidade seja apurada no processo e foros próprios. (Relatório da Comissão de Averiguação de Violências Sobre Presos Suspeitos às Autoridades Militares, pp. 19 a 31. O Parecer da Comissão não foi respeitado, pelo que os crimes cometidos ficaram impunes).

II - Conclusões extraídas do Relatório das Sevícias Acerca do 11 de Março de 1975

4 - Conclusões

Face ao que ficou averiguado, pode concluir-se que houve:

4.1 - Captura ilegal de duas pessoas por indivíduos armados, militares do RALIS, fardados, e um civil por instigação de militantes do MRPP;

4.2 - Retenção em cárcere privado daquelas duas pessoas, por cerca de 48 horas, por militares do RALIS e civis, militantes do MRPP;

4.3 - Prisões praticadas arbitrária e irregularmente, com utilização de ordens de captura deficientemente preenchidas, quer por falta de indicação do crime imputado quer por deficiente identificação da pessoa a deter, sendo algumas das prisões efectuadas de noite;

4.4 - Desrespeito pelas imunidades legais devidas aos magistrados judiciais, na prisão de um Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo e protelamento, por 4 dias, da sua libertação, ordenada em processo de habeas corpus pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;

4.5 - Tortura sistemática sobre quatro detidos, no RALIS, com agressão física violenta que provocou traumatismos vários, como o indicado em 3.3;

4.6 - Manutenção de isolamento completo, no Forte Militar de Caxias, a vários detidos, por períodos superiores a 1 mês:

4.7 - Prisões de militares por militares de graduação inferior.

5 - Em 17 OUT 75, a Polícia Judiciária Militar participou ao Comandante da Região Militar de Lisboa os indícios que colhera sobre a prática de crimes de que foram vítimas os detidos, atribuíveis a pessoal incerto do RALIS e outros (civis).
O Comandante da Região Militar de Lisboa, que era simultaneamente o Comandante do COPCON, ordenou, em 4 NOV 75, a instauração de auto de corpo de delito, correndo o processo instaurado seus termos.
Afigurando-se a esta Comissão que o ilícito penal e/ou disciplinar, sumariamente averiguado por ela, será mais extenso do que aquele que é objecto do referido processo, propõe que a investigação seja extensiva às ocorrências detectadas que não tenham ainda sido consideradas (Relatório da Comissão de Averiguação de Violências Sobre Presos Suspeitos às Autoridades Militares).

III - Conclusões do Relatório das Sevícias

Em face da matéria apurada, a Comissão entende poder formular com segurança as seguintes conclusões:

1 - Foram praticados dois crimes de cárcere privado, acompanhados de tortura e violenta agressão física, imputáveis a militares e civis;

2 - Houve centenas de prisões arbitrárias, sendo de destacar as efectuadas na sequência do 28 de Setembro e do 11 de Março, em 28 MAI 75 (contra elementos do MRPP), e as desencadeadas, com cariz diferente, a partir do Regimento de Polícia Militar;

3 - Algumas dessas prisões resultaram de denúncias anónimas, outras de informação ou indicação de organizações partidárias ou sindicais, e muitas de solicitações verbais, até telefónicas, designadamente do Gabinete do Primeiro Ministro, do Ministério do Trabalho, do SDCI, do Serviço de Coordenação e Extinção da PIDE/DGS e LP, da Comissão ad hoc para o 28 de Setembro, da Comissão de Inquérito ao 11 de Março, do Gabinete do Almirante Rosa Coutinho;

4 - A maioria das prisões foi efectuada pelo COPCON, quer como mero órgão executor quer por iniciativa própria;

5 - Houve transferência arbitrária, de Cabo Verde para Lisboa, de 31 pessoas, por motivos ideológicos;


7 - Os mandatos de captura e de busca emitidos pelo COPCON eram, na generalidade, assinados em branco e muitas vezes assim saíram para a posse das entidades, que os haviam solicitado, ou das equipas que iam executar as capturas;


20 - Houve tortura sistemática, exercida sobre 4 presos, no RALIS, com agressão física violenta, que lhes provocou traumatismos diversos;

21 - Houve outros casos de tortura física esporádica, designadamente no Regimento de Polícia Militar;


23 - Houve muitos casos de maus tratos físicos exercidos sobre presos, que se traduziram em espancamentos, por vezes praticados por vários agressores actuando simultaneamente;

24 - Foram exercidas sevícias sistemáticas sobre presos, com o fim de os humilhar e lhes infligir castigos corporais, traduzidos em agressões, rastejamento no solo, corridas forçadas, banhos frios com mangueira e imposição de beijarem as insígnias duma unidade militar, incrustadas no pavimento;

25 - Houve casos de tortura moral, traduzidos em insultos, manobras de intimidação e ameaças, inclusive com armas de fogo;

26 - Tomou-se conhecimento de casos de coacção psicológica, como ameaça de prisão de familiares, e de publicação de arranjos fotográficos inculcando a prática de pretensos actos delituosos pelos detidos;

27 - Elementos civis, por vezes armados e pertencentes a organizações partidárias (PCP e UDP), prenderam ou colaboraram na prisão de numerosas pessoas;

28 - Muitas prisões foram anunciadas, em termos vexatórios: pela rádio, televisão, imprensa e, até, jornais de parede elaborados por organizações partidárias;


32 - Diversas prisões foram efectuadas com despropositado aparato bélico, com intencional publicidade e consentindo insultos, ameaças e enxovalhos aos presos;

33 - Casos houve, em que militares e civis invadiram casas, efectuaram buscas e prenderam pessoas que nelas residiam, com subtracção de valores ou objectos, algumas vezes de noite;


42 - A admissão de detidos, especialmente no Forte Militar de Caxias, e a revista a que foram submetidos a pretexto do regulamento prisional, foram feitas em termos vexatórios e humilhantes, sem o mínimo de recato e com total desrespeito pelo natural pudor das pessoas;


44 - Houve casos de graves deficiências de assistência médica, registando-se em dois deles, a morte de detidos e noutros o agravamento das doenças:

45 - Houve deficiente assistência religiosa e, em alguns casos, os detidos foram impedindo de assistir a actos de culto da sua confissão;


54 - Muitos detidos sofreram para além das consequências morais e de saúde, graves prejuízos materiais e profissionais apesar de, na sua maioria, terem sido libertados sem qualquer incriminação;

55 - O Regimento de Artilharia de Leiria interveio na pretensa resolução de um conflito laboral, tendo pressionado a assinatura de um documento no qual a entidade patronal se obrigava ao pagamento de alguns milhares de contos, a título de indemnização revolucionária ((Relatório da Comissão de Averiguação de Violências Sobre Presos Suspeitos às Autoridades Militares, pp. 138 a 142).

fonte:
http://www.alamedadigital.com.pt/n3/documentos_sevicias.php


Citar
Quando ouço gritar: — Viva a Liberdade — volto-me logo a contar os presos...
Em Portugal, nestes últimos vinte meses tem sido rigorosamente assim: — temos passado a vida a contar os prisioneiros, por entre o estrondear dos vivas à liberdade...
No dia 26 de Abril de 1974, para reacender a luz da liberdade e da democracia escurecida pela longa noite do fascismo saíram da cadeia 150 pessoas — e entraram 2.000. Seis meses tornados, no 28 de Setembro, para assegurar melhor a liberdade e a democracia prenderam-se mais duas ou três centenas. Por volta do 11 de Março, o glorioso M.F.A., sempre no saudável intento de defender a liberdade e a democracia endemicamente periclitantes encarcerou outras tantas centenas de homens, até aí libérrimos. Um semestre passado, no 25 de Novembro, de novo para garantir a liberdade e a democracia agredidas violentamente pelas quadrilhas contra-revolucionárias, democraticidas e liberticidas que, até aí, as tinham defendido, detiveram-se cuidadosamente novos rores de gente. Fundadora das grandes penitenciárias e dos campos de concentração (os primeiros instituiram-nos os ingleses na guerra dos boers) a democracia clássica alimenta e vivifica com carinhos extremos uma já velha tradição carcereira...
Em Portugal, por junto e contado, o horroroso fascismo, em quase meio século de existência, nunca foi tão longe. O Marquês de Pombal revelou-se-nos muito mais modesto; miguelistas e liberais, em relação aos nossos dias, portaram-se com parcimónia; os velhos republicanos românticos, embora democratíssimos, não se podem comparar. A história de Portugal não regista em tempo algum tão grande fervor prisional; batemos agora todos os nossos antigos níveis de repressão policial. Nunca fomos tão livres — com tantos presos. O Pina Manique ao pé do ex-general Otelo é um anjinho com asas de tarlatana; o Teles Jordão(*) ao lado do comandente Xavier é um néné de nanar.
Eu dormia a bom levar quando, pelas 5,30 horas da manhã de 28 de Setembro de 1974, os intelectuais do COPCON me foram buscar a minha casa em S. João do Estoril. Naquela triste e leda madrugada, empunhando uma lindíssimo mandado de captura e as respectivas espingardas-metralhadoras, um grupinho de militares comboiado pelo polícia de giro, fez-me levantar da cama e, de sopetão, meteu-me num carro paisano e conduziu-me para o então RAL 1. Os meus captores simpaticíssimos (um deles está agora em Custóias...) anunciaram a minha estarrecida mulher que a operação da qual participavam se desenvolvia à escala nacional e que naquela noite, por todo o país, iriam malhar com os ossos na cadeia muitos bispos e padres, muitos militares e civis, suspeitos, como eu, de pertencerem a uma associação de malfeitores.
Metido no carro particular, sabendo que vários civis (militantes do P.C. mascarados de militares) tinham andado pelas redondezas a prender presumíveis adversários políticos, passou-me pela cabeça que me iam dar um tiro. Rezei o Acto de Contrição, e aconcheguei-me tranquilo a passar o terço pelos dedos. O automóvel seguiu Marginal fora, caminho de Lisboa; foi várias vezes interceptado por eficientes barreirinhas populares e rapidamente chegou a Sacavém. O dia despontava divertidíssimo. No ex-RAL 1 enfiaram-me numa enfermaria superlotada; antes, porém, alguém bem avisado foi dizendo, ao meu passar, de forma acintosamente audível, que eu era para limpar... Percebi na altura que não morreria nem de medo — nem de parto. O limpador em potência (soube-o depois pelas fotos dos jornais) era o Major eleito Diniz de Almeida...
Do RAL 1, onde permaneci umas horas a dormitar, embalaram-me numa ramona para o Reduto Norte do Forte de Caxias onde, logo no átrio, fui soezmente insultado por um anãozinho disfarçado de oficial de marinha. Durante sete longos meses habitei a prisão sinistra. Pelo 11 de Março, para acomodar novos hóspedes, passaram-me para Peniche, a ver o mar. De Peniche, após poucas semanas enlouquecedoras, devolveram-me a Caxias, para um isolamento terapêutico. De Caxias, para atender à explosão demográfica da população prisional portuguesa, pespegaram comigo na Penitenciária onde vegetei porcamente de 25 de Maio a 3 de Dezembro de 1975. Neste dia, passado ao foro civil pelo qual ansiava, fui ouvido na Polícia Judiciária por um juiz formalíssimo, legalíssimo e educadíssimo e posto em liberdade pelas onze e meia da noite. Tinham passado 14 meses e cinco dias. Louvado seja Deus!
Enquanto estive preso perdi (concerteza por descuido meu...) amigos de trinta anos; achei muitos outros das melhores pessoas possíveis de encontrar: — pides, legionários, comunistas, marxistas-leninistas, socialistas, anarquistas, luaristas, monárquicos, republicanos, pobretanas, oficiais do exército e da armada — criminosos de delito comum. Diverti-me e sofri horrores. Joguei desabaladamente o bridge — a vingança dos estúpidos. Aprendi a cozinhar. Fui interrogado cerca de dez vezes. Deram-me encontrões. Apontaram-me pistolas. Uns garotelhos quaisquer ameaçaram-me com horrendas sevícias. Ri-me por dentro e por fora com tudo o que se passava: — se a liberdade e a democracia eram aquilo, eram exactamente o que eu imaginara em muitos anos de compassada meditação política.
Admirei gulosamente durante meses alguns raros espécimes de antropóides. Vi morrer homens por incúria, indiferença e covardia. Observei como, pouco a pouco, uma pessoa se degrada psiquicamente até parecer um bicho. Eu próprio, a certa altura, possesso de neurose prisional, me rebolei pelo chão a gritar enraivecido, tomado de desespero. Tive inefáveis momentos de paz e tranquilidade. Em escuras noites de insónia e terror, voltei-me todo para mim e encontrei-me com Deus, vislumbrando ao longe reservas imensas de Fé, Esperança e Caridade.
Fiz greves de fome. Encarei a morte nos olhos espavoridos de quem me julgou a morrer. Amei apaixonadamente a vida, a minha mulher e os meus filhos. Li pachorrentamente Marcel Proust, incomensurável teia de intrigas, merdices e gulodices que a pederastia institucionalizada consagrou universalmente. Readmirei Proudhon, Bakunine, Kropotkine e Max Stirner. Repassei o olho por cima de Marx. Chorei impotente a destruição da Pátria. Desprezei. Revoltei-me. Envergonhei-me desta minha biológica condição de português rectangularizado. Em pesadelos torvos o cortejo dos mortos deixados assassinar em África e na Oceânia, angolanos e moçambicanos, presos comigo pelo único crime de quererem ser portugueses. Orgulhei-me deles. Os meus carcereiros deram-me tempo para reformular com pausa muitas ideias políticas.
Não perdi um dia. Mais — ganhei todos os que vivi. Não me acho derrotado: — vou continuar.





http://abrilprisoesmil.googlepages.com/


Quanto a censura.. o livro "Contos Proibidos – Memórias de Um PS Desconhecido" de Rui Mateus (ex-militante do PS e companheiro de Soares) foi publicado na década de 90 e econta-se esgotrado. Diz-se que foram retirados da circulação, daí estar egotado. Teve sempre muita procura mas a sua editora, Dom Quixote, recusa-se a reeditar. Porquê? Censura? felizmente, há uns meses que ele circula pela internet:

Para quem quiser, econtra-se aqui..

http://rs14.rapidshare.com/files/239673 ... ibidos.pdf

Outro livro que recomendo, "Tortura depois de Abril", de Maria Manuela Preto da Costa, Editora Literal, Queluz, 1977.
Este editado em 1977 pela jornalista da RTP Manuela Preto (Maria Manuela Preto da Costa) que também esteve presa em Caxias e que depois publicou esse depoimento.
слава Україна!

“Putin’s failing Ukraine invasion proves Russia is no superpower"

The Only Good Fascist Is a Dead Fascist