Acerca do debate, aqui fica um artigo de opinião escrito por Helena Matos, no Público:
O Reaccionarismo Progressista
Por HELENA MATOS
Sábado, 22 de Janeiro de 2005
A vida. "Não tem direito a falar de vida; (...) não sabe o que é gerar uma vida. Eu sei porque tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança", declarou Francisco Louçã, no final do excelente debate com Paulo Portas na SIC-Notícias. Naquele momento, Louçã mostrava-se o que é: intolerante e profundamente reaccionário, tornando mais evidente esse paradoxo que consiste em apresentar como jovem e contracultura alguém que já era líder quando do 25 de Abril e continua líder trinta anos depois.
Esta frase de Louçã talvez contribua para que a questão do aborto deixe de ser uma causa do BE. A situação em Portugal é surrealista: temos legislação sobre esta matéria, legislação essa em tudo semelhante à existente em Espanha. Por razões políticas essa legislação só raramente foi cumprida. O referendo resultou das manobras de Guterres e de Marcelo Rebelo de Sousa e tem sido o chão que dá votos do BE. Este cresceu o que podia à custa do PCP. Os seus potenciais eleitores estão agora no PS, o partido que se divide, de facto, na questão do aborto. O BE quer um referendo sobre o aborto mas o país não quer e não tem que o fazer. O que temos é de fazer cumprir a lei.
Por fim, convém também que se perceba o que quis dizer Louçã quando afirmou: "Não tem direito a falar de vida." Será que quis dizer que o aborto é uma questão que apenas pode ser debatida por quem foi pai ou mãe? Ao seu convencimento da superioridade moral da esquerda, Louçã junta agora a presunção da superioridade moral e política de quem "gerou vida". A outra questão suscitada por esta frase de Louçã prende-se com a vida dos candidatos propriamente dita. Esta semana recebi um "mail" que reproduzia o comentário surgido num jornal brasileiro sobre a vida privada de Santana Lopes e Sócrates. Tal como eu, muitos milhares de portugueses o devem ter recebido. Já está afixado em algumas lojas de bairro. A vida privada de Paulo Portas é igualmente matéria de inúmeras insinuações - como esta feita por Louçã, neste debate.
Ao contrário do que, a propósito do aborto, afirmou Louçã, todos temos o direito de discutir politicamente tudo. E, ao contrário do que insinuou Louçã, nenhum de nós tem o direito de discutir a vida privada de cidadãos adultos, livres de entre adultos - e friso o entre adultos - estabelecerem as relações que quiserem, com quem quiserem.
Identifico-me em grande parte com este artigo.
Devo dizer que a reacção de Louçã me surpreendeu, e muito. Além de bom orador, sempre tive Francisco Louçã como um indivíduo calmo, pouco exaltado e capaz de um debate, até certo ponto, coerente e civilizado.
Pelos vistos enganei-me. No último debate viu-se um Louçã nervoso, exaltado e incapaz de aceitar ideias contrárias - algo que tanto contraria a auto-proclamada superioridade moral da esquerda portuguesa. Mais uma prova que no fundo, são todos iguais e que existe uma maior incapacidade de aceitação de posições contrárias no seio de muito boa gente que clama a liberdade acima de tudo.
Paulo Portas esteve, como sempre, com aquele ar calmo e sorriso cínico que tanto o caracteriza. Viu-se um PP muito mais ao centro e equilibrado do que seria de se esperar.
Espantou-me também alguns aspectos do programa do Bloco de Esquerda, que se baseavam simplesmente numa permissa: " O estado deverá financiar...", sem contudo explicitar onde iria buscar os fundos para tais medidas. Um programa que me surpreende pela negativa. E muito.
Por outro lado, e surpreendendo pela positiva está o programa do PS. Parece que algum ambiente populista que caracterizou Sócrates à umas semanas atrás, desapareceu. É uma contradição política, mas, vá lá, mudou-se para melhor. Um programa bastante realista e coerente para aquelas que são as realidades do país. Não se promete baixa de impostos e aposta-se na redução da função pública. Pontos a favor do PS.
O programa do PSD e do CDS/PP são, a par com o do PS, mais equilibrados e não muito ambiciosos. Algo que seria de se esperar visto serem os partidos do governo cessante.
Quando à CDU, devo confessar que ainda não tive oportunidade de ver os seus pontos principais e, sendo assim, não me pronuncio.
Abraços,