A Guerra da Argélia

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Yosy

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A Guerra da Argélia
« em: Junho 02, 2005, 07:21:09 pm »
Isto é um trabalho excelente publicado na Net: http://www.usfca.edu/fac-staff/webberm/algeria.htm. É tão bom que eu o traduzi todo para um trabalho de História (um trabalho individual para entregar sobre qualquer acontecimento da segunda metade do século XX). Como é grande vou por um capítulo de cada vez, pois o original cheio de erros ortográficos!

A GUERRA DA ARGÉLIA

Introdução: a Guerra Civil Argelina, 1954-1962: Porquê um Conflito tão Intenso?

Capítulo 1: a “Guerra Falsa” (Novembro 1954 – Julho 1955)

Capítulo 2: a Guerra Aberta (Agosto 1955 – Dezembro 1956)

Capítulo 3: a Guerra Cruel (1957)

Capítulo 4: a Guerra dos Argelinos (1954 – 1958)

Capítulo 5: De Gaulle e a Guerra (1958 – 1959)

Capítulo 6: as Guerras dentro da Guerra (1960 – 1961)

Capítulo 7: a Guerra e a Sociedade Francesa (1955 – 1962)

Capítulo 8: o Fim Terrível da Guerra (1962)

Capítulo 9: o Custo da Guerra


A Guerra Civil Argelina, 1954-1962: Porquê um Conflito tão Intenso?

No meio-dia de 19 de Março, 1962, o cessar-fogo que tinha sido acordado no dia anterior na assinatura dos acordos de Evian, entrou em efeito. Pos um fim “ás operações militares e luta armada em todo o território argelino”. Assim acabou uma guerra de 92 meses que tinha tido um custo muito elevado em ambos os lados.

Na Argélia o conflito resultou em centenas de milhares de mortos, o deslocamento de milhões de camponeses e o desmantelamento da economia. A somar a isto, trouxe a FLN (Front de Libération Nationale) ao poder, um grupo que se apresentava como o único herdeiro do nacionalismo argelino. Beneficiando de uma popularidade extraordinária entre as massas argelinas em 1962, subsquentemente tornou-se no único partido e, durante quase trinta anos, negou qualquer pluralismo político ou cultural.

Na França, embora houvesse bem menos baixas, o trauma não foi menos intenso. Precisamos de nos lembrar que quase 2 milhões de soldados franceses atravessaram o Mediterrâneo entre 1955 e 1962, isto é, a maior parte dos jovens nascidos entre 1932 e 1943 que estavam elegíveis a serem chamados? Uma geração inteira assim encontrou-se a embarcar numa guerra cujas apostas não entendeu. Politicamente, o conflito levou á queda de seis primeiros-ministros e ao colapso de uma Républica.

A guerra da independência argelina foi uma das duas mais cruéis guerras da descolonização francesa no século passado; a outra foi a guerra na Indochina (1946 – 1954). Como é que vamos entender o azedume do conflito argelino?

Quando a insurreição de 1 de Novembro de 1954 estalou, o lema de François Mitterrand, na altura Ministro do Interior no gabinete de Pierre Mendès-France, era: “Argélia é França”. Argélia constituia três departamentos franceses. Por isso era muito mais que uma distante colónia como o Senegal ou um mero protectorado como a Tunísia.

Depois da conquista muito mortífera ter começado em 1830, que se traduziu no espoliamento da terra dos muçulmanos argelinos, uma grande colónia tomou raízes. Em 1954, quase 1 milhão de europeus, que mais tarde seriam chamados pieds-noirs, tinham trabalhado e vivido ali á gerações. Nem todos eles eram “grandes colonos” supervisionando as suas terras. A maioria tinha um nível de vida inferior ao dos residentes da metrópole. Aquela colónia de colonatos trabalhadores era representada pelos maiores partidos do Hexágono Francês (na esquerda e direita), cujas operações eram baseadas no modelo de centralização jacobina.

Nos finais do século XIX, a Argélia não era administrada pelo Ministério das Colónias, mas pertencia ao Ministério do Interior. Por isso, parecia fora de questão abandonar um território ligado á França durante os últimos 130 anos, ainda mais do que Savoy (1860). No decurso da guerra, a descoberta de petróleo e a decisão de usar o vasto Sara para as primeiras experiências nucleares ou espaciais foram adicionados a estas razões.

A França mandou assim os seus soldados para lutar num território “sulista” francês que estava a exigir o seu direito á secessão. Nove milhões de muçulmanos argelinos eram cidadãos fingidos de uma Républica que se via como assimiladora: desde 1947, eles tinham votado num colégio separado do dos europeus. O princípio de igualdade “um homem, um voto” não era respeitado. A ideia de independência, partilhada por uma parte cada vez maior de argelinos, parecia ser a única maneira de desfazer a contradição.

Quando a guerra acabou, pessoas de ambos os lados do Mediterrâneo trabalharam para apagar os seus traços reais e sangrentos. Na França, não houve nenhuma comemoração para perpétuar a memória dos soldados em todos os lados, e a sucessão de amnistias levou as pessoas a esqueceram um conflito vergonhoso. Na Argélia, um frenesim comemorativo encontrou a legitimidade do estado militar, dissimulando o pluralismo e choques que tinham existido entre os movimentos de pró-indpendência e dentro da própria FLN.

No entanto, durante muito tempo as memórias de sete anos de guerra resistiram a serem apagadas. A dor e fúria dos protagonistas do drama entrou no campo da escrita sobre essa história. Quase 40 anos mais tarde, a guerra na Argélia começou a ser um objecto de estudo histórico. Novos caminhos de reflexão e conhecimento estão a ser desbravados sobre a mentalidade de guerra, a propaganda mortífera, as práticas sociais, a confusão dos civis, as atitudes presentes nas regiões de França e da Argélia e os envolvimentos e retiradas tremidos de indivíduos e grupos.
 

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Yosy

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« Responder #1 em: Junho 06, 2005, 01:30:38 pm »
Capítulo 1: a “Guerra Falsa” (Novembro 1954 – Julho 1955)

Outubro, Véspera de uma Guerra

Em Outubro de 1954, a França estava a viver o paço lento da Quarta Républica, que tinha herdado muito da Terceira. Políticas passavam-se sempre em escritórios fechados; funcionários eleitos nas províncias moviam-se depressa entre banquetes e inaugurações e entre discursos vazios e disputas obscuras. René Coty estava no Palácio do Eliseu, e Pierre Mendès-France era Primeiro-Ministro no Hotel Matignon. Durante nove anos, Charles de Gaulle, tendo-se retirado da vida pública, tinha ocupado o seu tempo no Colombey-les-Deux-Eglises. Guy Mollet, com os seus óculos na ponta do nariz, observava o omnipotente SFIO, um dos antepassados do actual Parti Socialiste, pelo canto do olho. Os comunistas ainda estavam abalados com a morte de Estaline, que tinha ocorrido vinte meses antes. Nasser era o homem forte no Cairo, e a sua revolução do nacionalismo árabe estava a continuar.

Eisenhower estava na Casa Branca. Ele tinha acabado de nomear um negro para general da Força Aérea dos Estados Unidos. Era o primeiro. Em Londres, o almirante Mountbatten foi nomeado Primeiro Lorde do Almirantado. Em Estocolmo, o comité dos Prémios Nobel deu o seu prémio a um escritor de guerra, Ernest Hemingway. A decisão foi mal recebida. Tropas italianas tinham acabado de reentrar em Trieste, que fora devolvida pelos jugoslavos. Cenas de júbilo. Em Paris, os acordos franco-alemães sobre o Saar foram assinados. As pessoas em todo o mundo queriam saldar as contas da 2ª Guerra Mundial.

Mas quantos lugares negros no planeta! Na URSS, o gulag não morreu com Estaline; em África, a descolonização não tinha ainda chegado; vastas regiões da Ásia estavam afundadas em pobreza e sub-desenvolvimento. Na China, os comunistas tinham tomado o poder cinco anos antes. O termo “Terceiro Mundo” apareceu e começou a circular para designar estas áreas empobrecidas. Franco ainda governava Espanha, assim como Salazar ainda governava Portugal. E, nos Estados Unidos, o McCarthismo estava no auge. Batista era eleito em Cuba; ele rapidamente tornar-se-ia num ditador feroz.

Oficialmente, França estava em paz. No outro lado do Mediterrâneo, em Cartago em Julho de 1954, Pierre Mendès-France tinha prometido uma evolução em direcção á autonomia para a Tunísia e Marrocos, que tinham estado perto de uma rebelião geral durante três anos. A verdadeira guerra, a guerra na Indochina, tinha acabado. Muito magros, oficiais pára-quedistas derrotados deixavam os campos de prisioneiros do VietMinh. Eles reflectiam nas causas da derrota militar de Dien Bien Phu a 7 de Maio de 1954, uma lição terrível que não estavam prontos a esquecer.

O fim-de-semana de finais de Outubro de 1954 foi mortífero: 34 morreram. As auto-estradas estavam a começar a matar em grandes números. A França estava a confrontar-se com os problemas de uma nação em paz que estava a enriquecer. As suas vítimas e as suas derrotas passavam-se agora em estádios desportivos. No Parc des Princes, Puig Aubert tinha levado o XIII de França (uma equipa de futebol) á vitória sobre a Nova Zelândia. A estabilização dos preços, conseguida no mandato de Antoine Pinay, em 1952, foi um grande acontecimento. O velho espectro da inflacção que tinha marcado tão profundamente o período pós-guerra estava a desaparecer. Este facto reduziu as catástrofes políticas e coloniais a serem consideradas contratempos políticos, e assim confortaram os franceses, que estavam prontos a beneficiar dos frutos da sua expansão assim que tinham consolidado o seu poder de compra.

As notícias culturais continuaram abundantes em 1954. As pessoas estavam a ler o último Prix Goncourt, “Les Mandarins” por Simone de Beauvoir. Nesse ano, Françoise Sagan, uma jovem nova escritora de boas famílias, publicou o seu primeiro livro, cujo título foi tirado de Paul Eluard: “Bonjour Tristesse”. Jean Giono, que publicou “Voyage en Italie”, foi recebido na Academia Goncourt. Nem Albert Camus estava ausente da paisagem. Uma colecção dos seus textos contribuiu para o debate das ideias do momento (“Actuelles II”), e uma longa prosa, assombrada por “flashes” de introspecção e preocupação, também apareceu (“L’Ete”). Em Outubro de 1954, nos escuros cinemas, cinéfilos podiam ver “Rouchez Pas Au Grisbi” do grande Jacques Becker, que era de certa maneira o herdeiro de Jean Renoir; “Rant Qu’il ya Aura des Hommes” de Fred Zinnemann; “Roman Holiday” de William Wyler, com Audrey Hepburn; “On the Waterfront” de Elia Kazan; e “Dial M for Murder” de Alfred Hitchcok.

A 31 de Outubro os deputados fizeram as malas, preparando-se para regressar a Paris, onde a sessão parlamentar estava agendada para abrir em dois dias. Pierre Mendès-France, o homem que tinha feito a paz na Indochina, estava a preparar-se para ir aos Estados Unidos. Ele estava a pensar em alterar o seu gabinete. Na semana anterior ele tinha oferecido a cinco socialistas um lugar no seu governo. O mercado de acções francês imediatamente baixou, depois aumentou de novo, assegurado. Edgar Faure permaneceria nas Finanças até ao voto do orçamento.

O Dia de Todos os Santos de 1954 começou com um símbolo. Muito longe, em Pondicherry, o sol nasceu sobre uma nova bandeira. Era verde, laranja e branca. Ao pôr-do-sol do dia anterior, a bandeira francesa ainda hasteada no maior dos quatro postos de comércio, foi removida. O império da Índia Francesa deixara de existir. Tudo se tinha passado como o previsto em Pondicherry.

A Erupção

Entre a meia-noite e as duas da manhã de 1 de Novembro de 1954, a Argélia foi acordada por explosões. De Constantinois a Oraine, fogos e ataques comando revelaram a existência de um movimento concertado e coordenado. Em Argel, Boufarik, Boulra, Batna, Khenchela e em diante, 30 ataques quase simultâneos a alvos policiais ou militares foram perpetrados.

Muito rapidamente, François Mitterrand, Ministro do Interior, pôs três companhias da polícia de segurança estatal (CRS), isto é, 600 homens, á disposição do Governo Geral argelino; eles voaram de Paris ao princípio da tarde. Um primeiro batalhão de pára-quedistas partiu sob o comando do Coronel Ducoumeau. Três outros seguiram-se no dia seguinte. Na verdade, o secretário da guerra já estava em Argel por uma razão diferente: ele era também o deputado e Presidente da Câmara da cidade. Este era Jacques Chevallier. O diário do SFIO, Le Populaire, estava chateado: “Estes ataques veêm precisamente na altura em que a França tem um governo cuja compreensiva política no Norte de África é provável que traga calma a todos os lados onde houve tensões.” A verdade é que, esse dia, foi uma grande queda para Paris. Não tinha François Mitterrand regressado da sua viagem á Argélia algumas semanas antes com o sentimento de que as coisas estavam melhor lá?

A insurreição causou a morte a sete pessoas. O homicídio do professor Guy Monnerot no Aures e do kaid pró-francês de M’Chouneche, Hadj Sadok, causaram grande emoção. Mas os ataques contra esquadras da polícia, quarteis e fábricas industriais não tiveram o alcance que os instigadores dos ataques de 1 de Novembro tinham esperado. Em Argel, a rede preparada foi desfeita pela polícia em menos de duas semanas. Só o Aures em Constantinois apresentava um problema militar: ali, os “rebeldes” asseguraram a cooperação dos “bandidos de honra” (em particular, o famoso Grine Belkacem), que tinha estado no submundo durante anos. Também havia Grande Kabylia, onde várias centenas de homens, treinados em operações clandestinas sob a liderança de Amar Ouamrane e Krim Belkacem, estavam prontos para acções prolongadas.

A 1 de Novembro ninguém pensou sériamente que a França tinha acabado de entrar numa nova guerra. Os “acontecimentos” preencheram duas colunas no Le Monde. Uma única coluna no L’Express, datada de 6 de Novembro, denunciou violentamente os “esquemas subversivos” da Liga Árabe e do velho líder da corrente radical pró-independência, Messali Hadj. No entanto, não era ele quem estava por detrás da erupção de 1 de Novembro; eram, sim, outros líderes jovens, em revolta contra a presença colonial francesa e o conservadorismo do seu próprio partido, que estava dividido por lutas internas.

Os Homens de Novembro

A 1 de Novembro de 1954, uma organização, até aí desconhecida, reivindicou responsabilidade por todas as acções militares: a Front de Libération Nationale (Frente de Libertação Nacional) - FLN. Aquela “rebelião” foi conduzida internamente por seis homens: Larbi Ben M’Hidi, Didouche Mourad, Rabah Bitat, Krim Belkacem, Mohammed Boudiaf e Mostefa Ben Boulald. Os actos fora da Argélia, no Cairo, foram liderados por Hocine Ait Ahmed, Ahmed Ben Bella e Mohammed Khider. Todos provinham de uma única organização, o Parti du Peuple Algerian/Mouvement pour le Triomphe des Libertés Démocratiques (Partido do Povo Argelino/ Movimento para o Triunfo das Liberdades Democráticas) - PPA-MTLD - que tinha quase vinte mil militantes nas suas fileiras. Durante vários anos, todos tinham estado envolvidos na luta política encabeçada pelo partido.

Fora na base de uma reivindicação por autonomia de uma “cultura herdeira de um passado longo e glorioso,” e por um direito transmitido pela história, que este movimento trabalhou para legitimar a sua exigência por independência. Nesse sentido, o Islamismo Árabe apareceu como um regresso á origem de éticas ancestrais. Um movimento centralizador, tendeu para lutar contra o particularismo, especialmente o particularismo linguístico. Isto era claro em 1949 quando os defensores da cultura berbere, denunciados como “berberes materialistas” foram expulsos dos seus lugares de chefia. O PPA-MTLD encabeçou uma estratégia de cisão com a presença francesa. Os seus jovens activistas, defensores da luta armada, construíram as fundações para o 1 de Novembro e oposeram-se violentamente ao velho líder do PPA-MTLD, Messali Hadj, que fundou o Mouvement National Algérien, ou MNA (Movimento Nacional Argelino) em Dezembro de 1954.

Dentro da liderança desta corrente “activista”, o mais jovem (Omar Belouizdad) tinha 26 anos em 1954, o mais velho (Mostefa Ben Boulald) tinha 37. Só um destes líderes, Mohammed Khider (42 anos em 1954), que se juntou ao grupo na véspera de 1 de Novembro, estava familiarizado com o Étoil Nord-Africaine (Estrela Norte Africana), a primeira organização pró-independência em 1936; ele tinha estado envolvido na tomada política do posto de correio de Oran, organizado em 1949 pelo OS (o ramo do PPA-MTLD encarregado de preparar o caminho para uma insurreição militar, que foi desmantelado pela polícia francesa em 1950-51). Este facto é importante. O que unia estes homens era que todos eles, sem excepção e quaisquer que fossem as suas idades, tinham feito parte do OS, e tiveram que fugir e esconder-se para evitar a repressão. A orientação que eles deram para transmitir o legado deixado pelos prisioneiros do nacionalismo pode ser resumida no seu recurso á acção directa. Muitas fileiras activistas no PPA que foram chamadas para realizarem um papel “histórico” na conduta subsquente da revolução argelina vinham de famílias importantes, elas próprias afectadas pela pouca mobilidade no emprego na sociedade argelina.

Hocine Ait Ahmed, nascido a 20 de Agosto de 1926, em Ain-el-Hammam (antes Michelet) vinha de uma linha muito importante de Marabouts de Kabylia. Larbi Ben M’Hidi, nascido em 1923, no douar de El Kouahi em Constantinois, perto de Ain M’Lila, vinha de uma família de Marabouts notáveis dos planaltos de Constantinois. Mohammed Boudiaf, nascido a 23 de Julho de 1919, em M’Sila em Hodna, era de uma família beneficiada que perdeu o seu estatuto como resultado da descolonização. Krim Belkacem, nascido a 14 de Dezembro de 1922, no douar de Ait Yahia perto de Dra-El-Mizan em Kabylia, era filho de um polícia da aldeia, Hocine Krim, que foi eventualmente nomeado um kaid menor. Extremamente bem conhecidos, estes quatro lideres juntaram-se ao PPA durante a 2ª Guerra Mundial e rapidamente obtiveram responsabilidades significativas. Tinham todos ido á escola: Ait Ahmed passou a primeira parte do baccalauriat (grau do ensino secundário); Boudiaf andou na escola secundária de Bou Sa’ada; Larbi Ben M’Hidi estudou artes dramáticas; e Krim Belkacem conseguiu o seu certificat d’etudes (diploma do ensino básico). Estes estudos acabaram quando os homens entraram na política e foram para o submundo.

Embora os filhos de importantes famílias rurais fossem afectados pela propaganda pró-independência, também havia nacionalistas que pertenciam á categoria de notáveis, começando com o período de entre-guerras. Estes são exemplos particularmente anormais, mas merecem ser também registados, pois eles indicam a mudança nas áreas rurais de uma situação de resistência a estrangeiros para um sentimento nacional moderno. Um líder muito bem conhecido, Mostefa Ben Boulald, é um exemplo perfeito da presença dessa categoria social dentro da liderança da corrente pró-independência. Nascido em 1917, ele era o filho de pequenos latifundiários. Ele sucedeu ao seu pai e tornou-se um moleiro de profissão. Mobilizado em 1939, ele lutou no Exército Francês, foi dispensado depois de ter sido ferido em 1942, e remobilizado em 1943-44 em Khenchela. Como um sargento de regresso á vida civil, tornou-se presidente da associação de comerciantes fabris no Aures, e estabeleceu um pequeno moinho em Lambessa. Nessa altura, ele obteve uma licença para operar um linha de autocarros entre Arris e Batna. Os resultados da sua vida são bem conhecidos: membro do Comité Central do MTLD e membro fundador, em Abril de 1954, do CRUA (Comite Revolutionnaire pour l’Unité et l’Action – Comité Revolucionário para a Unidade e Acção), que havia de dar origem á FLN, ele morreu em combate em 1956.

Os novos activistas políticos, vivendo no meio de várias actividades, suspeitando que podiam escapar á sua condição social através dos estudos que tinham feito ou das posições que ocupavam, descobriram diferentes modos de vida, diferentes possibilidades para acção política. Eles eram homens mais “críticos”, mais “racionais”, que os veteranos da luta nacionalista da década de 30; a procura de um atalho político predominava nas suas análises. Trabalho colectivo lento e paciente parecia-lhes desactualizado. Para eles, o ponto de viragem de 1945, o massacre de Setif, serviu mais como um acelerador do que como uma revelação, e precipitaram o eclipse do grupo reunido á volta de Messali Hadj no período de entre-guerras. Hadj, que tinha sido o ímpeto por detrás das primeiras organizações pró-independência, ainda era o verdadeiro líder carismático do movimento nacional argelino. Ele era cego em relação á emergência de pessoas que já não acreditavam na acção política clássica (greves, petições, manifestações). Os “activistas” no seu partido recomendaram o recurso á luta armada para acabar com o impasse colonial.

Reformas e Repressão

“A Argélia foi francesa durante muito tempo. Por isso, a secessão é inconcebível”. Assim afirmou Pierre Mendès-France a 13 de Novembro perante a Assembleia Nacional. O Ministro do Interior, François Mitterrand acrescentou: “A minha política será definida por estas três palavras: vontade, firmeza, presença”. Quanto ao PCF (Partido Comunista Francês), este declarou a 9 de Novembro “que não podia aprovar o recurso a actos individuais capazes entrarem no jogo dos colonialistas se, de facto, não foram fomentados por eles”. No entanto, militantes comunistas, particularmente no Aures, juntaram-se ás forças subversivas de Novembro. Trotskistas e militantes anarquistas, uma ínfima minoria, foram os únicos em França a pronunciarem-se resolutamente a favor da independência argelina.

Como era possível acreditar, naquele Outono de 1954, que isto era um mero começo de crimes violentos, actos individuais isolados? O Governador da Argélia, Roger Leonard em Argel, e Jean Vaujour, o Director da Sûreté (polícia de investigação criminal), tinham avisado o governo da eminência de uma insurreição. A 20 de Novembro de 1954, a Tunísia tinha o seu direito a uma autonomia interna reconhecida. Contactos já tinham sido efectuados para devolver ao Sultão de Marrocos o seu trono. O mundo árabe estava sob a influência da revolução de Nasser. O caractér decidido das declarações oficiais encobriam pobremente os tremores que abalavam o império colonial. Mas, em relação á Argélia, ainda ninguém na classe política francesa imaginava alguma possibilidade de independência. O governo francês provou ser rápido na sua vontade repressiva. A 5 de Novembro de 1954, a principal organização pró-independência, o MTLD, foi dissolvido, os seus líderes presos, e centenas de militantes forçados a ir para o submundo. A maior parte foi aumentar as fileiras dos primeiros grupos de guerrilha.
Reforços militares foram enviados para a Argélia. A 2 de Fevereiro de 1955, na Câmara, François Mitterrand declarou: “Antes do governo ter sido formado, isto é, antes de meados de Junho de 1954, havia 49 000 homens na Argélia, incluindo três companhias da polícia de segurança estatal (CRS). Antes de 1 de Novembro, isto é, na primeira fase, quando, sob a autoridade do Primeiro-Ministro, eu era responsável pelo caso argelino, 75 000 homens foram enviados como reforços. Depois de 1 de Novembro, 26 000 foram enviados para a Argélia, sem incluir os treinados no terreno. O número hoje é de 83 400 homens. É, assim, 60% mais elevado do que aquele que o governo encontrou na Argélia quando chegou ao poder.”

A 15 de Janeiro de 1955, o principal líder da FLN em Constantinois, Didouche Mourad, foi morto durante um tiroteio com o Exército Francês. Um mês depois, o líder da FLN no Aures, Mostefa Ben Boulald, foi preso. Mas o envio de reforços e as operações militares foram acompanhados por profundas reformas. Em Janeiro de 1955, o governo elaborou um programa para a Argélia:

- a criação em Argel de uma escola de administração para dar aos muçulmanos argelinos acesso a lugares de responsabilidade no sector público; de dois mil funcionários no governo geral da Argélia, oito eram muçulmanos; só 15% de crianças muçulmanas iam á escola; havia um estudante europeu por cada 227 europeus residentes na Argélia e um estudante muçulmano por cada 15 342 muçulmanos residentes.
- a redução da diferença entre salários europeus e argelinos: o salário bruto do europeu na Argélia era 28 vezes o do muçulmano.
- o início de grandes projectos de obras públicas: regiões inteiras não tinham estradas, câmaras municipais ou estações dos correios.
- o reconhecimento do estado de pobreza económica de muitas regiões da Argélia e das dificuldades causadas por uma pressão demográfica muito forte: havia 850 000 desempregados ou sub-empregados para uma população activa de 2 300 000 potenciais trabalhadores.
 
               
Este programa foi pouco discutido, e por boas razões. A 5 de Fevereiro de 1955, o governo de Pierre Mendès-France foi substituído. Ás 5 da manhã, no fim de um debate sobre o Norte de África, o resultado do voto foi divulgado. Por uma margem de 46 votos, os deputados aprovaram uma moção de não-confiança. A direita, os centristas e os comunistas aplaudiram. Os católicos no Mouvement Republicain Populaire, ou MRP (Movimento Républicano Popular, um partido centrista) participaram nessa queda, uma atitude que o semanário Timoignage Chritien não entendeu, julgando que “tinhamos concluído sete meses marcados por uma inovação inquestionável”.

Jacques Soustelle foi a Argel no dia da queda do governo de Mendès, que foi substituído pelo governo de Edgar Faure a 11 de Fevereiro. O novo Governador da Argélia, um etnólogo e um gaullista, tinha uma reputação justificada de um homem aberto e liberal. Ele tinha coragem para incluir no seu gabinete o Major Vincent Monteil, um grande arabista, e o etnólogo Gennaine Tillion, um especialista no Aures. Jacques Soustelle foi mal recebido por aqueles na chefia em Argel. Este natural de Cévennes de origem protestante foi baptizado “Ben Soussan” (a implicação de que tinha traços judaicos). Era ainda tudo possível na Argélia, mesmo que a FLN tenha sido oficialmente reconhecida na Conferência de Bandung de nações não-alinhadas em Abril? Jacques Soustelle encontrou-se com os líderes do ulama (reformistas religiosos) e com Ferhat Abbas, que tinha feito com que o seu movimento (fundado em 1946), a Union Démocratique du Manifeste Algérien ou UDMA (União Democrata do Manifesto Argelino), participasse nas eleições autárquicas de Abril 1955.

Até meados de 1955, Soustelle procurou entender o descontentamento da população muçulmana. As suas viagens ao Aures e a Kabylia revelaram-lhe a má administração das regiões agitadas pelo nacionalismo argelino, especialmente o Aures, e a futilidade do emprego de forças militares, que cercavam nada mais do que um vácuo. Em Março de 1955, ele pediu ao governo o direito de adaptar a legislação ás condições daquela guerra, que ainda não se atrevia a denominar-se como tal. A 31 de Março de 1955, a Assembleia Nacional aprovou o estado de emergência que fortaleceu os poderes do Exército na limitada zona do Aures, e autorizava o deslocamento de populações “contaminadas” para “campos de fixação”. Um primeiro campo abriu em Khenchela, onde 160 pessoas foram confinadas. A 19 de Maio, o governo reuniu vários contingentes anuais de soldados. O Exército lançou grandes operações de limpeza na segunda metade de 1955. Mas estas medidas não enfraqueceram a “rebelião”. A autoridade da FLN foi demonstrada pelas eleições autárquicas em Abril: o apelo á abstenção que emitiu foi seguido por 60% da população eleitoral de Constantinois.

Jacques Soustelle prometeu “integração” e reformas. Era tarde de mais: tudo se desmoronou a 20 de Agosto de 1955, o aniversário da destituição do Sultão de Marrocos. A “guerra falsa” acabou, e a Guerra da Argélia começou.
 

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« Responder #2 em: Junho 12, 2005, 03:04:52 am »
Capítulo 2: a Guerra Aberta (Agosto 1955 – Dezembro 1956)

A Revolta de 20 de Agosto, 1955

A 20 de Agosto de 1955, milhares de camponeses argelinos revoltaram-se e atacaram cidades em Norte Constantinois, dentro do quadrilátero formado por Collo, Philippeville, Constantina e Guelma. A iniciativa por detrás da acção em larga escala foi da responsabilidade de Zighoud Youcef, o sucessor de Didouche Mourad na liderança da FLN de Norte Constantinois, e do seu assistente, Lakhdar Ben Tobbal. Nesse dia, os líderes da FLN pretenderam assinalar o segundo aniversário da destituição de Sidi Mohammed Ben Youcef, Sultão de Marrocos, pelos franceses. A guerra assumiu a sua verdadeira natureza em Constantinois, onde a coexistência de comunidades tinha sido sempre mais tensa do que no resto da Argélia. Dez anos após os “acontecimentos” de Setif e Guelma em Maio de 1945, uma idêntica erupção de violência aconteceu, seguida de uma excessiva e indiscriminada repressão. Perto do meio-dia vários milhares de fellaghas (camponeses, trabalhadores agrícolas) infiltraram-se em perto de trinta cidades e aldeias. Eles estavam mal organizados por uns poucos soldados uniformizados do Armée de Libération Nationale, ou ALN (Exército de Libertação Nacional, o braço armado da FLN), e atacaram esquadras de polícia, a gendarmerie e vários edifícios públicos. Estes camponeses estavam agitados: um rumor de um desembarque egípcio no Collo circulou. Muitos franceses, mas também muçulmanos, foram assassinados com machados, enchadas, picaretas ou facas. Figuras políticas foram atacadas, incluíndo Said Cherif, deputado da UDMA na assembleia argelina, e Abbas Alaoua, sobrinho de Ferhat Abbas, que foi assassinado na sua farmácia em Constantine. O número de mortos nos tumultos chegou a 123, incluíndo 73 na população europeia.

A repressão foi terrível. O Exército retaliou e, tal como em Maio de 1945, milícias populares foram criadas. O número de mortos oficial foi fixado em 1 273. Após uma investigação, a FLN apresentou o número 12 000 vítimas, que nunca foi contestado. A 20 de Agosto de 1955, o mito de “operações de manutenção de paz” na Argélia chegou ao fim. A França ia para a guerra e chamou 60 000 reservistas. Jacques Soustelle, Governador-Geral da Argélia, dominado pelo espectáculo de cadáveres europeus mutilados em Philippeville, deu carta branca ao Exército. O tempo das reformas tinha passado. A 30 de Setembro de 1955, a “questão argelina” estava na agenda da ONU. Os argelinos pró-independência, através da revolta de 20 de Agosto, conseguiram atrair atenção mundial para a Argélia. O conflito entrou na sua fase de internacionalização.

Face ao desenvolvimento da insurreição nacionalista na Argélia, o governo francês apressou-se a tratar da situação dos dois protectorados franceses: Tunísia e Marrocos. Negociou com os líderes nacionalistas Habib Bourguiba e Mohammed V, cujos predecessores exilou e aprisionou.; garantiu soberania interna á Tunísia (independência só chegaria em Março de 1956) e independência directa a Marrocos em Novembro de 1955.

O Movimento dos Soldados

Depois de 20 de Agosto de 1955, a repressão na Argélia tomou abertamente a natureza e dimensões de uma verdadeira guerra. Os batalhões da polícia de segurança, gendarmes, legionários e pára-quedistas que já se encontravam na Argélia foram suplementados por mais conscritos. A 24 de Agosto de 1955, 60 000 jovens soldados que tinham sido recentemente licenciados foram “chamados de volta” ao serviço, e a 30 de Agosto o governo decretou que 180 000 soldados “licenciados” permaneceriam nas forças armadas.
Muito rapidamente, aqueles que foram chamados tentaram opor-se a estas medidas, ás vezes com o apoio das suas famílias e da população em geral. A 1 de Setembro, na Gare de l’Est, em Paris, dois mil jovens recusaram-se a entrar nos comboios, gritando “Vida civil!”, “Não á guerra na Argélia!” e “Marrocos para os marroquinos!”. A 2 de Setembro, 600 dos “chamados” para a Força Aérea protestaram na Gare de Lyons. Acontecimentos semelhantes repetiram-se em Brives, Perpignan e Bordéus. Os contingentes protestavam com gritos como “Os civis estão do nosso lado!”. Mas, na verdade, esse movimento de soldados, que não encontrou apoio entre as massas de “civis”, depressa perdeu força devido á lassitude individual e á falta de um projecto político. As organizações e principais partidos provaram estar mais preocupados com o tumulto da vida política dentro da França. A 29 de Novembro, por uma margem de 100 votos, a Assembleia aprovou uma moção de não-confiança dirigida ao governo de Edgar Faure, preparando assim a sua dissolução. Eleições legislativas foram marcadas para 2 de Janeiro de 1956.

A Eleição e o “Dia dos Tomates”

Apesar da dissolução da Câmara, Jacques Soustelle continuou o estado de emergência. O governo decidiu adiar as eleições na Argélia. Os funcionários eleitos da Union Démocratique du Manifeste Algérien de Ferhat Abbas decidiram demitir-se da Assembleia argelina, seguindo os passos dos 61 funcionários muçulmanos eleitos que, em 26 de Setembro de 1955, se tinham oposto á política de integração liderada por Soustelle. A 20 de Dezembro de 1955, o L’Express reproduziu fotografias tiradas em Agosto mostrando a execução de um “rebelde” argelino por um gendarme auxiliar. A campanha eleitoral continuou, tendo por fundo a paisagem da tragédia argelina, e a esquerda clamava por “paz na Argélia”. Os socialistas e os radicais formaram uma Front Républicain, que ganhou a eleição em 2 de Janeiro de 1956. O principal acontecimento destas eleições legislativas foi a criação de assaltos pelo movimento de Pierre Poujade, que ganhou 52 dos 623 lugares, incluindo um para Jean-Marie Le Pen. O movimento de Pierre Poujade, a Union de Defense des Commercants et Artisans, ou UDCA (União de Defesa dos Comerciantes e Artesãos), fez campanha contra os “vigaristas” no governo e contra o sistema de impostos. Os comunistas ganharam 50 lugares.

A 1 de Fevereiro, a Assembleia Nacional reconheceu o novo governo. Guy Mollet tornou-se Primeiro-Ministro, e o General Georges Catroux, Ministro Residente na Argélia. Jacques Soustelle, que tinha sido tão mal-recebido á sua chegada a Argel, deixou uma cidade em delírio a 2 de Fevereiro de 1956. Mais de 100 000 pessoas, a maioria europeus, demonstraram ruidosamente o seu afecto, e puseram-se no caminho do carro blindado que estava a tentar chegar ao porto: “Não vá! Mendès no Aures! Catroux ao mar!” O velho General Catroux, um liberal, nunca chegaria ao Palácio de Verão em Argel. A 6 de Fevereiro, um protesto dos “ultras”, defensores da Argélia Francesa, gritaram contra a política do governo; vários projécteis atingiram Guy Mollet. Este acontecimento ficaria para a posteridade como “o dia dos tomates”. O Primeiro-Ministro, ainda neutral, abandonou a sua política, procurando a paz na Argélia: a Républica tinha capitulado face a alguns projécteis atirados num planalto de Argel, que se tinha tornado no caldeirão da fúria argelina. Pierre Mendès-France demitiu-se do seu cargo como Ministro de Estado. O governo socialista estava prestes a afundar-se na guerra.

Os “Poderes Especiais”

Os pieds-noirs extremistas e o Exército exigiram um aumento do número de soldados, já com 190 000 homens em Fevereiro de 1956, e a adição de helicópteros para apoiar a divisão do bled. Robert Lacoste, antigo membro da Resistência e membro do SFIO, nomeado Ministro Residente na Argélia por Guy Mollet a 9 de Fevereiro de 1956, introduziu um projecto de lei legislativo na Assembleia Nacional, “autorizando o governo a avançar com um programa de expansão económica, progresso social e reforma administrativa na Argélia, e permitindo a tomada de todas as medidas excepcionais com vista ao restabelecimento da ordem, protegendo pessoas e bens, e garantindo a segurança do território”.

Através dos decretos de Março e Abril de 1956, que permitiriam o aumento da acção militar e a chamada de reservistas, a Argélia foi dividida em três zonas (uma zona de operações, uma zona de pacificação e uma zona proibida), em que três Corpos de Exército específicos operariam. Na zona de operações, o objectivo seria “esmagar os rebeldes”. Nas zonas de pacificação, a “protecção” de populações europeias e muçulmanas foi prevista, com o Exército a lidar com as deficiências da administração. As zonas proibidas seriam evacuadas e a população seria reunida em “campos de fixação” e posta sob o controlo do Exército.

A 12 de Março, o Parlamento (por uma margem de 379 votos) esmagadoramente aprovou a lei sobre os poderes especiais que, entre outras coisas, suspendeu a maioria das garantias de liberdades individuais na Argélia. O PCF votou a favor da lei. Os “poderes especiais” constituíram o verdadeiro ponto de viragem numa guerra que a França abraçou.

A 11 de Abril, a chamada de reservistas foi decretada. Dezenas de milhares de soldados atravessaram o Mediterrâneo. Antes da aplicação da lei, os directores do jornal Les Temps Modernes apreceberam-se aonde iria chegar e disseram-no: “A esquerda, por uma vez unânime, votou a favor dos “poderes especiais”, poderes perfeitamente inúties para negociações mas indispensáveis para a continuação e escalada da guerra. Este voto é escandaloso e corre o risco de ser irreparável”. E de facto será.

A 16 de Março de 1956, quatro dias depois da votação dos poderes especiais, os primeiros ataques da FLN atingiram Argel. Robert Lacoste impôs um recolher obrigatório na cidade, continuamente atravessada por patrulhas. Na França, uns protestos finais espontâneos deram-se perto de estações de comboio e quarteis, contra “a partida dos reservistas chamados”. A opinião pública opunha-se à extensão do serviço militar para 28 meses. Na Argélia, “o bled” continuou a “apodrecer”, e o terrorismo infiltrou-se em quase todo o lado. Oran foi atingida por ataques da FLN em Fevereiro, Argel por ataques semelhantes em Março. A disseminação das tropas francesas e o seu treino medíocre tornou-as vulneráveis a emboscadas: em Palestro, a 19 de Maio, vinte jovens reservistas chamados de Paris caíram durante um ataque dos membros do comando ALN “Ali Khodja”, ajudado pela população. Cinco dias mais tarde o único sobrevivente foi resgatado por pára-quedistas.

Em Julho e Setembro de 1956, começaram negociações discretas entre os delegados da FLN (M’Hamed Yazid e Abderrahmane Kiouane) e do SFIO (Pierre Commun) em Belgrado e Roma. O SFIO pressionou Guy Mollet a obter uma pausa na luta através da intervenção do Sultão de Marrocos e de Habib Bourguiba, Presidente da Tunísia, que tinha conseguido a sua independência a 20 de Março de 1956. Hocine Ait Ahmed, Mohamed Boudiaf, Ahmed Ben Bella e Mohammed Khider discutiram estes aspectos em Rabat a 21 de Outubro, e voaram para Tunis no dia seguinte. Mas o DC-3 marroquino que os transportava foi interceptado pela Força Aérea Francesa e forçado a aterrar em Argel. Robert Lacoste e as forças armadas, que não perderam a oportunidade de “arrancar pela raíz a rebelião”, tornaram impossível a Guy Mollet prosseguir com as negociações. A população europeia de Argel, que tinha suportado o pesadelo de explosões em bares frequentados pelos seus jovens, demonstraram ruidosamente a sua confiança em Robert Lacoste, que foi felicitado pela sua energia. Mas, na Argélia e na metrópole, a atenção depressa se virou do destino de Ben Bella e dos seus companheiros (eles permaneceriam presos até ao fim da guerra) para a expedição ao Suez a 5 e 6 de Novembro de 1956.

Guy Mollet, assombrado pela memória da capitulação de Munique em 1938, e comparando Nasser a “um novo Hitler”, lançou uma audaciosa expedição militar a Port Said. A operação franco-britânica tinha o objectivo de arrancar o Canal do Suez ao controlo do Egipto, que tinha nacionalizado a empresa em Julho. Nas mentes do Estado-Maior francês, a operação serviria para derrubar Nasser, que era considerado o mais activo apoiante da insurreição argelina. Mas o sucesso táctico, adquirido com a cooperação dos israelitas, que tinham atacado pelo leste, foi transformado num tumulto político: os americanos e os russos fizeram as tropas partirem a 15 de Novembro, e a ONU pôs a questão argelina na sua agenda.

A FLN aproveitou estes acontecimentos para dar a conhecer a sua presença no interior e nas cidades. Em finais de 1956, a Guerra da Argélia mudou para pior. O Exército tinha aumentado o seu tamanho de 54 000 para 350 000 homens em dois anos. Várias classes tiveram que ser chamadas, e a duração do serviço militar foi aumentada para quase trinta meses. A repressão empurrou milhares de jovens argelinos para as forças de guerrilha (estudantes em particular, que organizaram uma greve em Março de 1956). As forças do sector francês passavam a pente fino o território com pouco zelo. Os pára-quedistas e a Legião, constantemente a serem chamados, sofreram pesadas baixas. Nos finais de 1956, o ALN tinha dezenas de milhares de djounouds (guerreiros) nas suas fileiras. Estava tudo a deteriorar-se. Algumas regiões representavam verdadeiros santuários para a FLN. A maioria dos funcionários muçulmanos eleitos, incluíndo Ferhat Abbas, juntaram-se ao campo do nacionalismo argelino.

Desde o Outono, Robert Lacoste tinha pedido um novo Comandante-em-Chefe. A 15 de Novembro de 1956, Guy Mollet instalou o General Raoul Salan em lugar do General Henri Lorillot, que tinha sido incapaz de responder á guerra de guerrilha, apesar dos reforços que chegavam todos os meses á Argélia. A chegada de Raoul Salan, um veterano da Indochina e um “estratego” da guerra subversiva, abriu um novo capítulo na Guerra da Argélia, especialmente desde que a FLN tinha decidido mudar o seu teatro de operações: em Janeiro de 1957, levou a guerra ao coração de Argel, fazendo repetidos ataques e dando a ordem para uma greve geral.
 

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Yosy

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« Responder #3 em: Junho 14, 2005, 12:50:33 am »
Capítulo 3: a Guerra Cruel (1957)

A “Batalha de Argel”

A 27 de Dezembro de 1956, Amédée Froger, presidente da federação de Presidentes de Câmara da Argélia e um virulento porta-voz para os pequenos colonos, foi assassinado em Argel. No dia seguinte o seu funeral provocou brutais ratonnades (caça a arábes) que causaram várias mortes entre os muçulmanos. A tensão era extrema entre os europeus e os muçulmanos argelinos. O governo geral de Robert Lacoste decidiu reagir. Invocando os “poderes especiais” aprovados em Março de 1956, ele entregou a “pacificação” de Argel ao General Jacques Massu, comandante da 10ª Divisão de Pára-Quedistas.

A 7 de Janeiro de 1957, 8 000 pára-quedistas entraram na cidade, encarregados com uma missão de policiamento. A “Batalha de Argel” tinha começado. A 9 e 10 de Janeiro, duas explosões causaram o pânico em dois estádios em Argel. Mas o horror chegou ao pico a 26 de Janeiro. Com minutos de intervalo, duas bombas explodiram, a primeira no bar “L’Otomatic”, a segunda no café “Le Coq Hardi”, no centro de Argel. Dois muçulmanos argelinos foram linchados por uma agitada população europeia. A 28 de Janeiro, para coincidir com os debates nas Nações Unidas, a FLN lançou um apelo para uma greve geral de oito dias. O Exército acabou com a greve. A todo o momento e em todo o lado, helicópteros aterravam nos terraços da Casbah. A cidade estava dividida em sectores, e os bairros muçulmanos estavam isolados atrás de arame farpado, sob holofotes. O General Massu, dotado de poderes policiais sobre a cidade, tinha a responsabilidade de restabelecer a ordem, e desmantelar a “zona autónoma de Argel” (ZAA) da FLN que estava principalmente localizada na Casbah e era liderada por Yacef Saadi. A FLN concebeu uma verdadeira organização estimada em 5 000 militantes. O terrorismo serviu para justificar o recurso a todos os meios possíveis. Os homens de Massu fizeram detenções maciças, sistemáticamente registavam nomes e, nos “centros de trânsito e ordenamento” localizados na periferia da cidade, praticavam tortura. O líder da FLN, Larbi Ben M’Hidi, foi detido a 17 de Fevereiro, e subsquentemente foi dito que “cometeu suicídio”. Os interrogatórios “muito exaustivos” produziram resultados.

Era verdadeiramente “sangue e merda”, como disse o Coronel Marcel Bigeard, uma batalha horrível, durante a qual bombas despedaçavam dezenas de europeus, enquanto os pára-quedistas desmantelavam as redes através da descoberta da sua hierarquia, esconderijos e líderes da FLN instalados na cidade. Os seus meios? Eléctrodos (conhecidos como gigene, um termo para gerador), simulações de afogamentos em banheiras, espancamentos. Alguns dos torturadores eram, certamente, sádicos. Mas muitos oficiais, sargentos e soldados viveriam com aquele pesadelo para o resto das suas vidas. O número de ataques perpetrados caiu de 112 em Janeiro para 39 em Fevereiro, e para 29 em Março. O centro de comando da FLN, liderado por Abbane Ramdane, foi obrigado a deixar a capital. Massu tinha uma primeira vitória. A 28 de Março de 1957, o General Paris de Bollardière pediu para ser dispensado. Ele não podia permitir o uso da tortura, que ele tinha exprimentado e lutado contra durante a Ocupação Alemã. O capelão da 10ª Divisão de Pára-Quedistas respondeu declarando: “Não se pode lutar contra a guerra revolucionária a não ser usando os métodos de acção clandestina”. O General Paris de Bollardière foi condenado a 60 dias de prisão a 15 de Abril de 1957.

No início de Junho os ataques recomeçaram. A 3 de Junho, uma bomba explodiu perto de uma paragem de autocarros; a 9 de Junho, o salão de dança de um casino foi alvejado, causando 8 mortos e 92 feridos. A repressão recomeçou, apoiada desta vez por uma rede de militantes “reformados” (chamados os “fatos-macaco”), que, sob a liderança do Capitão Uger, infiltraram a FLN e derrubaram muitos líderes. Yacef Saadi foi detido a 24 de Setembro de 1957. O seu assistente, Ali La Pointe, encontrando-se cercado, cometeu sucídio num esconderijo para escapar á detenção. A “Batalha de Argel” tinha acabado. A população europeia redescobriu os prazeres da praia e dos restaurantes, e adorava os seus pára-quedistas. Aquele idílio continuaria até 13 de Maio de 1958.

As redes da FLN tinham sido destruídas, milhares de argelinos tinham sido presos ou tinham “desaparecido”. Mas a vitória militar foi acompanhada por uma grave crise moral. A 12 de Setembro de 1957, Paul Teitgen, Secretário-Geral da polícia de Argel, demitiu-se em protesto contra as práticas do General Massu e dos pára-quedistas. Ele apresentou o número de 3 024 desaparecidos. A “questão” da tortura estava prestes a dividir a França.

A Questão da Tortura

Tortura, empregue como um procedimento normal de “pacificação” durante a “Batalha de Argel”, foi certamente o grande escândalo destes anos argelinos.

Já a 15 de Janeiro de 1955, o escritor François Mauriac tinha publicado um artigo no L´Express entitulado “La Question”. Ao mesmo tempo, o jornalista Claude Bourdet também denunciou o que ele chamava “A Tua Gestapo Argelina” no France-Observateur. A 2 de Março de 1955, Roger Willaume, um inspector-geral na administração, enviou um relatório a Jacques Soustelle, Governador-Geral da Argélia, no qual tornou muito claro que a tortura era prática comum em “suspeitos”. A 13 de Dezembro de 1955, o Primeiro-Ministro Edgar Faure recebeu um relatório preparado por Jean Mairey, director da Sûreté Nationale, que chegou á mesma conclusão. Tortura estava a ser usada pelo Ditachement Opérationnel de Protection, ou DOP (Destacamento Operacional de Protecção), unidades especiais do Exército encarregadas de interrogatórios “exaustivos”.

Começando em meados de Fevereiro de 1957, o semanário Timoignage Chritien publicou o “dossier Jean Muller”, da autoria de um reservista chamado na Argélia: “Nós estamos bem longe da pacificação para a qual fomos supostamente chamados; nós estamos desesperados para ver quão baixo pode a natureza humana descer, e para ver os franceses usarem métodos nascidos da barbárie nazi”. Em Março de 1957, uns poucos reservistas chamados publicaram uma brochura “Des Rappelis Timoignent” (Reservistas Chamados Testemunham) sob a égide do Comité de Résistance Spirituelle (Comité de Resistência Espiritual). Nele, há relatos como este: “Eu estava a pensar no míudo, que eu imaginava aterrorizado no fundo do reboque do jipe, onde ele era fechado á noite. No entanto, era o míudo que eles estavam a torturar.” Em Abril, o jornal Espirit publicou o comovente relato de Robert Bonnaud, “A Paz dos Nementchas”: “Se a honra da França pode pactuar com estes actos de tortura, então a França é um país sem honra”.

Em Setembro de 1957, Paul Teitgen demitiu-se do seu posto de Secretário-Geral da polícia em Argel. Ele escreveu: “Ao visitar os centros de fixação, eu reconheci em certos detidos as profundas marcas do abuso ou tortura que eu pessoalmente suportei 14 anos atrás na cave da Gestapo em Nancy”. Em Novembro de 1957, partindo da iniciativa do matemático Laurent Schwartz e do historiador Pierre Vidal-Naquet, o Comité Maurice-Audin foi formado; o nome do Comité era o de um jovem matemático que desapareceu após ter sido raptado por pára-quedistas e torturado. Em Janeiro de 1958, “La Question” de Henri Alleg apareceu, que perturbou consciências e publicamente revelou a tortura. Assim começou o “caso” que profundamente dividiu a opinião pública, a Igreja, famílias e partidos: porque razão o Exército Francês praticava tortura em larga-escala? Muitos pensavam que a tortura se tornaria uma instituição, primeiro da Polícia, depois das Forças Armadas.

A publicação em jornais e revistas (L’Humanité, Les Temps Modernes, Espirit, Viriti Pour) de ensaios como os do escritor católico Pierre-Henri Simon - “Contre La Torture” (Contra a Tortura) – envolveu os intelectuais; eles depressa se organizaram em redes que lutavam contra a desinformação e violações de direitos humanos. Militantes comunistas, escritores, os intelectuais católicos François Mauriac, André Mandouze, Pierre-Henri Simon e André Forssard, e padres provaram ser particularmente activos na distribuição dos “segredos” de guerra. Alguns pertenciam á Mission de France, baseada em Pontigny, Yonne, em Agosto de 1954, sob a supervisão do Cardeal Lienart.

Apesar da censura e do manto de secretismo que cobria a Argélia, o público francês gradualmente descobriu a verdadeira natureza de um conflito que, de certeza, já não tinha nada a ver com uma mera “missão de manutenção de paz”.

Censura, Prisões, Campos

A Guerra da Argélia provocou grandes restrições á liberdade de imprensa, de publicação e de imagens visuais. A censura foi feita em grande escala. A lei de 3 de Abril de 1955, declarando “o estado de emergência”, permitiu ás autoridades administrativas, ao Ministério do Interior, ao Governo-Geral, e aos chefes de departamentos “tomar todas as medidas para assegurar o controlo da imprensa e de publicações de todos os tipos, assim como de transmissões de rádio, exibição de filmes e peças teatrais” (artigo 2º da lei de 3 de Abril de 1955, declarado aplicável por essa lei). O decreto de 17 de Março de 1956, dentro da conjuntura dos “poderes especiais”, repetiu uma fórmula semelhante, estendendo para “todos os meios de expressão”. Textos impressos podiam ser apreendidos pela administração ou pelos tribunais, ou sujeitos a penalidades adicionais, justificados como um ataque á segurança do Estado.

Os muitos jornais e livros apreendidos pelos chefes de departamentos foram justificados pelo artigo 10º do Código de Investigação Criminal, que se tornou no artigo 30º do Código de Procedimento Penal. Esse artigo permitia que o chefe de departamento apreende-se temporáriamente livros ou periódicos que contivessem uma violação de imprensa, como estava estipulado pela lei de 29 de Julho de 1881, se também fosse “um ataque á segurança do Estado”. Na sua secção sobre crimes e ilegalidades cometidas através da imprensa, a lei de 28 de Julho de 1881, restringia a liberdade de opinião através da repressão do incitamento a crimes e ilegalidades contra o corpo político. O artigo 25º dessa lei, usado muitas vezes durante a Guerra da Argélia, “reprime o incitamento de pessoal militar á desobediência, mesmo quando permanece sem efeito”. A decisão de 27 de Abril de 1961 definiu as fundações que poderiam justificar uma proscrição: apoio a um acto de subversão dirigido contra as autoridades ou leis da Républica, ou a disseminação de informação secreta, militar ou administrativa.

Sob a Quarta Républica, certos jornais como o L’Express, France-Observateur, L’Humanité, Le Canard Enchame, La Vérité des Travailleurs e Le Libertaire foram particularmente visados. Quase trinta trabalhos dos editores Jérôme Lindon e François Maspero seriam apreendidos durante a Quinta Républica, entre 1958 e 1962.

Desde 1955, que a Polícia e o Exército lideravam a prisão domiciliária para militantes nacionalistas argelinos. Campos de detenção foram establecidos na Argélia atrvés da lei de 16 de Março de 1956. Dezenas de milhares de argelinos foram postos nestes campos sem um julgamento justo, em Bossuet, Saint-Leu e Lambessa.

A lei de 26 de Julho de 1957 estendeu até França as provisões incluídas na chamada lei dos poderes especiais. Estipulou a possibilidade de restringir a um centro de detenção, em lugares localizados dentro da metrópole, qualquer pessoa condenada na aplicação das “leis sobre esquadras de batalha ou milícias populares”. Só um modo de aplicação foi previsto para a detenção assim que foi posta em prática: internamento num centro residencial guardado. Entre 1956 e 1959, assim, quatro centros de detenção sob vigilância foram gradualmente estabelecidos: Mounnelon-Vednay (Marne), Saint-Maurice-l’Ardoise (Gard), Thol (Ain) e Larzac (Aveyron). Os militantes trazidos para estes centros, depois de cumprirem as suas sentenças, eram considerados pela polícia como “os mais activos na rebelião, cujo regresso á liberdade, isto é, a conspirações separatistas, representa um grave perigo.” O uso total destas provisões legislativas tornou possível a obtenção, em dois anos, de 6 707 assinaturas para ordens de detenção, das quais 1 860 foram executadas.

A Quarta Républica foi também uma altura de julgamentos maciços e de penas de morte. Ahmed Zabana, julgado pelo tribunal militar em Argel, foi o primeiro a ser condenado á morte; ele foi executado na Prisão Barberousse a 19 de Junho de 1956.

As Batalhas do Exército Francês

O ataque bazuca cometido a 16 de Janeiro de 1957, contra o escritório de Salan parece ter sido separado da “Batalha de Argel”: supostamente, o objectivo da conspriação era eleminar um general que era suspeito de liberalismo. Na verdade, Salan conseguiu melhorar a situação militar. Assim, no bled, os métodos de combate dos legionários do Coronel Jeanpierre, dos pára-quedistas de Bigeard, e de outros, resultaram. Os “rebeldes” que traziam armamento da Tunísia e de Marrocos eram interceptados e perseguidos para o interior de sectores patrulhados por regimentos convencionais. Helicópteros e informações tornaram-se instrumentos dos soldados, que estavam livres de policiar Argel no início do Verão de 1957.

Apesar de um aumento notável em perdas, o ALN estava fortalecido, graças ás armas e reforços que, apesar de tudo, recebia de Marrocos e especialmente da Tunísia, para onde mandava recrutas para serem treinados e armados. Para isolar a Argélia destes países, o Ministro da Defesa, André Morice (um membro do governo de Bourges-Maunoury de Junho a Setembro de 1957) decidiu construir, atrás das linhas de fronteira, uma rede de arame farpado electrificado e minado (chamado de as barragens ou a “Linha Morice”). Nas zonas desérticas, esta era suplementada por baterias de canhões que disparariam automáticamente quando alertadas por radar. Estes obstáculos podiam ser quebrados, mas assim que fossem, a quebra na corrente eléctrica enviaria um sinal ás forças militares que alguém tinha passado.

No fim de Maio de 1957, um confronto muito intenso ocorreu na wilaya IV entre os pára-quedistas de Bigeard e 500 “fellaghas” (nome dado ao movimento camponês de insurreição da Tunísia) liderados por Azzedine, que escapou; 96 “rebeldes” foram mortos. Ao mesmo tempo, Salan começou com pacificação “social” e mandou oficiais da SAS (Section de Administración Special – Secção de Administração Especial) para o bled: estes homens eram pagos para promoverem a literacia e providenciar assistência médica, que também servia como contra-propaganda e recolha de informações. Nas áreas rurais, a recolocação de populações evacuadas das “zonas proibidas” e as acções da SAS tiveram um efeito negativo no recrutamento da FLN-ALN, operações de abastecimento e intercomunicações. O recrutamento de harkis e outros auxiliares dos camponeses resistentes á autoriadade dos líderes da insurgência, e de antigos “rebeldes”, facilitou as acções das forças militares (em 1962, um relatório enviado para a ONU estimou o número de muçulmanos que lutavam nas unidades auxiliares ou em grupos de auto-defesa em 263 000).

No início de 1958, o comando francês julgou que a guerra estava virtualmente ganha. O Ministro Residente Robert Lacoste continuou a repetir que a vitória chegaria para aquele que resistisse para “o último quarto de hora”. Isso implicava “esquecer” a profunda crise política e moral que infiltrava a Quarta Républica em 1957. A somar a isto, a liderança da FLN, instalada fora do país, ainda esperava ganhar através da combinação de uma ofensiva das suas tropas da Tunísia e Marrocos com pressão diplomática na ONU, como uma maneira de internacionalizar o conflito com um “Dien Bien Phu” argelino.

Crises na Républica

Em 1957, o conflito intensificou-se por toda a Argélia, fora das grandes cidades. Soldados do contingente estavam agora envolvidos em guerra, enquanto que na metrópole mais e mais pessoas se manifestavam contra a tortura. A ONU exigiu que a França aplicasse uma solução “pacífica, democrática e justa” para o problema argelino. O senador americano John F. Kennedy declarou-se publicamente apoiante desta aproximação a 2 de Julho de 1957. Em Paris, o governo de Guy Mollet, cujo orçamento estava a cambalear sob o peso das altas despesas provocadas pela “operação de manutenção de paz” na Argélia, foi derrubado a 28 de Maio de 1957. O gabinete de Maurice Bourgès-Maunoury sucedeu-lhe. O novo governo decidiu focar-se no Sara, onde petróleo tinha sido descoberto, e pediu a Robert Lacoste, que foi mantido no seu posto, para preparar uma lei que faria a “nova Argélia” uma realidade. As repercussões internacionais do caso argelino estavam a obececar os partidos na Front Républicain e, em Setembro de 1957, o abismo aumentou entre os políticos e os militares, entre a metrópole e os pieds-noirs, e dentro da própria esquerda. Uma grande proporção de “democrátas” e “esquerdistas” na Fédération de l’Éducation Nationale, ou FEN (Federação de Educação Nacional), na Force-Ouvrière, ou FO (Poder dos Trabalhadores), e na Ligue des Droits de l’Homme  (Liga dos Direitos do Homem), falava de “populações indígeneas” e de “territórios”, não de povos e de nações. Opressão individual foi reconhecida, não opressão nacional. A esquerda républicana (que tinha nascido durante o caso Dreyfus) com a sua paixão pelo universalismo e pelos princípios de 1789, opôs-se ao nacionalismo (francês ou argelino) e a círculos religiosos. Lógicamente, rejeitou as proclamações dos nacionalistas argelinos, que estavam “marcados pela religiosidade islâmica”. Ao mesmo tempo, não podia entender porque razão é que o princípio républicano de igualdade nunca tinha sido verdadeiramente aplicado á Argélia e ás colónias.

O caso argelino, na verdade, legitimou uma análise républicana da FLN como “um símbolo de justiça”; mas uma análise diferente via a organização como um condutor de um “arcaico nacionalismo pronto a ser ultrapassado”. O PCF também provou ser incapaz de se decidir por uma destas duas análises. Esse falhanço levou ao envolvimento de uma parte significativa de jovens num movimento de Terceiro Mundo radical contra o “Molletismo Nacional” e o PCF, considerado obstinadamente fiel a Moscovo. A maior rede de ajuda á FLN era gerida por Francis Jeanson, um filósofo e editor do jornal Les Temps Modernes, que, com a sua esposa, Colette, tinha publicado “L’Algerie Hors la loi” (Argélia Fora-de-Lei) em 1955. Jeanson tinha esperado durante muito tempo uma grande erupção de energia na esquerda francesa, cujo “povo” tinha trazido ao poder em 1956 sob a marca da Front Républicain; ele estava desconfiado de reuniões, posters e meras moções de uma esquerda que “continuava a travar um movimento que se orgulhava de promover”. Observando que “ninguém que falou em pôr um fim á guerra, que eles próprios declaravam absurda, concedeu que talvez se possa ajudar a juventude francesa recusar a se afundar nela”, e que “eles estavam a denunciar o colonialismo, mas consideravam criminoso qualquer tipo de solidariadade prática para como o colonizado”, ele chegou á conclusão lógica: ajudar directamente a FLN.

Durante este tempo, o socialista Robert Lacoste estava a tentar escapar ao impasse político. Ele preparou uma lei que incluía um “único colégio”, que acabaria com a desigualdade da votação nos dois colégios (um voto europeu valia sete votos argelinos, de acordo com o estatuto redigido em 1947). A 13 de Setembro, esta proposta para uma lei foi adoptada no Conselho de Ministros. Mas também foi sevéramente criticada pela maioria dos europeus. Nem sequer conseguiu convencer a Assembleia Nacional: a 30 de Setembro de 1957, Bourgès-Maunoury foi deposto. Não foi até 6 de Novembro que a assembleia deu a sua confiança ao novo governo do radical Félix Gaillard . A lei sobre a Argélia, muito modificada para reduzir a influência dos funcionários muçulmanos eleitos, foi finalmente aprovada a 29 de Novembro, e a sua aplicação adiada até ao fim da guerra. Fundos foram designados para construir as barreiras electrificadas nas fronteiras de Marrocos e Tunísia, a “Linha Morice” (o nome era o do curto Ministro da Defesa). Robert Lacoste permaneceu Ministro Residente na Argélia, mas a sua autoridade tinha acabado. O General Salan exercia agora vastas prerrogativas, e pretendia ganhar a guerra com os seus fogosos coronéis.
 

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« Responder #4 em: Junho 14, 2005, 07:05:06 pm »
Excelente tradução!
Já conhecia este trabalho de origem norte americana.
Esta questão da tortura, sempre me impressionou, para lá das considerações morais, sempre pensei que tem o problema do torturado confessar aquilo que o torturador quer ouvir. Neste caso, segundo uns amigos franceses do meu pai, que participaram nesta guerra, a eficácia da tortura, especialmente durante a batalha de Argel, deveu-se ao facto dos "especialistas" franceses terem sido também vítimas de tortura da Gestapo e especialmente do "Vietminh" cujos campos de prisioneiros funcionaram como uma verdadeira "escola" para os militares franceses.
 

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Jorge Pereira

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« Responder #5 em: Junho 15, 2005, 10:23:10 pm »
Excelente Yosy. Obrigado pelo contributo.
Um dos primeiros erros do mundo moderno é presumir, profunda e tacitamente, que as coisas passadas se tornaram impossíveis.

Gilbert Chesterton, in 'O Que Há de Errado com o Mundo'






Cumprimentos
 

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Yosy

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« Responder #6 em: Junho 16, 2005, 01:45:08 am »
Sempre ás ordens  :D

A questão da tortura é polémica. Não há dúvida de que ela beneficiou em muito as forças francesas. Mas o que é certo é que também alienou grande parte dos argelinos e fez com que eles quisessem ter cada vez menos ligações á França. Eu penso que os benefícios tácticos da tortura não superam os danos estratégicos que ela provoca.

Capítulo 4: a Guerra dos Argelinos (1954 – 1958)

1 de Novembro de 1954, a data oficial do início da Guerra da Argélia, não coincidiu com a imposição de uma liderança única (a emergente FLN, por exemplo) ou com o colapso de todas as anteriores correntes políticas. Como se veio a verificar, a FLN iria-se estruturar e consolidar durante dois anos, culminando no Congresso de Soummam a 20 de Agosto de 1956. Nestes dois anos, fileiras foram recrutadas e seleccionadas, a população treinada, a ideia de independência desenvolveu-se, canais foram estabelecidos, e a guerra de guerrilha foi reinventada. Mas, sobretudo, durou dois longos anos para se ter o invejável título de “representante autorizado” reconhecido através da integração de todas as outras correntes na FLN, com excepção dos apoiantes do velho líder nacionalista Messali Hadj, que, em Dezembro de 1954 fundou o Mouvement National Algérien.

Diferenças entre os Nacionalistas

A dissolução do MTLD pelo Conselho de Ministros a 4 de Novembro de 1954 levou á detenção de várias centenas de líderes nacionalistas argelinos e militantes. Aqueles que não foram presos não tinham escolha: tinham que ir para o submundo ou juntar-se ás forças de guerrilha. A FLN aproveitou toda a vantagem da dissolução do MTLD. Preparou estruturas para interceptar a maioria dos desorientados messalistas e acolheu-os para as forças subterrâneas; apoderaram-se dos stocks de armas herdados do OS, a organização paramilitar do MTLD; e iniciaram contactos com os tunisinos e marroquinos. Um grande número de imigrantes juntou-se ás forças de guerrilha e foram aproveitados pela FLN. Mas, na primeira fase da insurreição, a FLN também sofreu golpes muito cruéis. A 15 de Janeiro de 1955, Didouche Mourad, líder de Constantinois, morreu em combate; a 11 de Fevereiro, Mostefa Ben Boulald, líder do Aures, foi preso; a 16 de Março, Rabah Bitat, que tinha organizado a guerra de guerrilha urbana em Argel, também foi preso.

Nestas condições de repressão muito activa (entre Novembro de 1954 e Abril de 1955), deram-se esforços para a reconciliação entre “activistas” (os membros do MTLD que tinham perpetrado os acontecimentos de 1 de Novembro de 1954), “centralistas” (a maioria dos membros do comité central do MTLD), e “messalistas” (os seguidores de Messali Hadj). Durante este período, a FLN ainda procurava a sua identidade, avaliando a sua força. Em Argel, no Cairo, e entre as forças de guerrilha, deram-se contactos e esforços para a reconciliação entre “messalistas” e “frontistas” (apoiantes da FLN). Isso não falhou para promover a confusão dentro da comunidade imigrante em França, e na Argélia. Certamente que os militantes nacionalistas menos qualificados tinham que se esforçar bastante para entender o labirinto de relações triângulares entre todos os partidos envolvidos (messalistas, CRUA, centralistas) e compreênder as disputas, que eram bizantinas na sua visão, no período precedente e que imediatamente se seguiu á insurreição de 1 de Novembro de 1954.

A confusão também estava no máximo entre as forças de guerrilha. Todas as correntes, embora não actuando concertadamente, aceitaram a designação “ALN” como a única estrutura militar. Uma grande parte de militantes messalistas decidiram separadamente recorrer ás armas assim que as operações de 1 de Novembro fossem conhecidas. Em certas regiões da Argélia, particularmente no Aures e em Kabylia, grupos armados formaram-se independentemente da liderança existente. Eles foram “conduzidos” após o acontecimento. Animados simplesmente pelo desejo patriótico, alguns conheciam a FLN, enquanto que outros apoiavam Messali. A 1 de Novembro de 1954, os panfletos claramente distinguiam a FLN, a organização política do movimento, e o ALN, uma organização militar. Mas no Aures, por exemplo, toda a parte política estava sob as ordens de Chihani Bachir, o segundo na linha de comando após Ben Boulald. Os líderes da zona do Aures não viam a utilidade da distinção. Eles acreditavam que era suficiente proclamar uma revolução aberta e treinar militantes. Em Kabylia, e especialmente na região de Bowra, os militantes lutavam sob o nome de “Armée de Libération Nationale”, o que tendia a provocar ambiguidade no que respeita á designação “ALN”, partilhada pela FLN e pelo MNA. Chegou-se politicamente a vias de facto em 1955.

A Guerra FLN-MNA

No início de 1955, os “activistas” do antigo MTLD, que tinham fundado a FLN, conseguiram arrastar os membros da corrente “centralista” com eles. Por outro lado, os messalistas, herdeiros de uma longa tradição política, e que não acreditavam que exclusivamente a acção militar traria independência, rejeitaram os objectivos activistas, que julgavam simplistas. Para Messali Hadj, antigo membro da esquerda francesa, os activistas eram vítimas de uma “doença infantil”. As duas organizações, a FLN e o MNA, estavam prestes a envolver-se em confrontos violentos.

A 1 de Junho de 1955, o assassínio de Saifi, um velho militante do PPA, cujo hotel e restaurante na Rua Aumaire, no terceiro arrondissement de Paris, abrigava imigrantes ilegais, precipitou a confrontação. Num panfleto publicado no fim de Novembro de 1955, Abbane Ramdane, assistente de Krim Belkacem e líder da FLN em Argel, chamou a Messali Hadj “um vergonhoso velho que possui a frente de Angouleme, liderando um exército de polícias, que asseguram a sua protecção contra a fúria do povo”. Após vários insultos e acusações trocadas entre panfletos, as armas tomaram o lugar das palavras. A 10 de Dezembro de 1955, em Argel, Salah Bouchafa e Mustapha Fettal, militantes da FLN, executaram Sadek Rihani, o líder do MNA em Argel. O braço de ferro começou. Para ambas organizações, a natureza da futura sociedade argelina independente não estava em questão. A rivalidade violenta deu-se a um nível diferente: quem deveria ser, quem podia ser, o representante exclusivo do povo argelino?

De 1955 a 1962, os “comandos de choque” da FLN e do MNA travaram uma longa, cruel batalha usando todos os meios possíveis: armadilhas, traição, infiltração, e execuções para servir como exemplo, todos eles semeando o medo. Na Argélia, esta luta mutuamente destrutiva foi exemplificada, em Maio de 1957, pelo massacre sangrento, perpetrado pela FLN, de 374 aldeões em Melouza, que eram suspeitos de simpatias messalistas. O massacre incendiou os combatentes do MNA, especialmente os de Mohammed Bellounis, a juntarem-se imediatamente ao Exército Francês. A 20 de Março de 1962, o jornal Le Monde publicou estatísticas do alcance da confrontação entre nacionalistas em França (a FLN versus o MNA): mais de 12 000 assaltos, 4 000 mortos, e mais de 9 000 feridos. Na própria Argélia, o custo dessa guerra civil era muito pesado: 6 000 mortos e 14 000 feridos. No total, em França e na Argélia, o número de vítimas ascendeu a quase 10 000 mortos e 25 000 feridos nos dois lados.

A FLN sairia vitoriosa nesta guerra dentro da guerra. Mas milhares de militantes que tinham sido treinados para a vida política moderna no movimento imigrante em França, em particular, foram mortos no processo, e estariam cruelmente ausentes da liderança de uma Argélia em guerra, e ,depois, de uma Argélia independente.

Convertidos à FLN, o Congresso de Soummam

Em 1955 e 1956, a FLN aumentou contactos e discussões com os outros componentes argelinos. Mesmo assim, ciente da “falência” de partidos anteriores, a FLN esperava simplesmente que se dissolvessem e que os seus membros se juntassem á organização numa capacidade puramente indivdual. Seguindo os passos dos “centralistas” (Ben Youssef Ben Khedda, Saad Dhalab, M’Hamed Yazid e Hocine Lahouel), o UDMA de Ferhat Abbas juntou-se á FLN nos fins de 1955.

A FLN conseguiria obter esta conversão em massa das “velhas elites”, tão avidamente desejada, de outra organização, o ulama (um movimento religioso reformista que liderava o renascimento da identidade islâmica na Argélia). Essa organização religiosa, preocupada com a sua falta de controlo sobre os acontecimentos, passou-se para o campo da FLN durante a sua conferência a 7 de Janeiro de 1956, e glorificou a “resistência ao colonialismo”. Ainda havia o caso do Parti Communiste Algérien, ou PCA (Partido Comunista Argelino). Em Maio e Junho de 1956, Ben Khedda e Abbane Ramdane, representando a FLN, e Bachir Hadj Ali e Sadek Hadjeres, representando o PCA, começaram prolongadas discussões. A 1 de Junho de 1956 os comunistas argelinos foram integrados no ALN.

O Congresso de Soummam, que se deu a 20 de Agosto de 1956, tornou oficial “a falência das antigas organizações políticas dos velhos partidos”, e notou que os “militantes menos qualificados” se tinham juntado á FLN, e que a UDMA e o ulama tinham sido dissolvidos. Com este congresso, que decorreu no Vale Soummam em Kabylia, a “revolução argelina” mudou de aspecto. Os longos debates (20 dias) culminaram num programa bem definido, a estruturação da FLN-ALN, e a afirmação da primazia da acção política sobre a militar e da doméstica sobre a estrangeira.

Inicialmente planeado para 31 de Julho na região de Bibane, o congresso não abriu até 20 de Agosto, numa cabana de um guarda-florestal próxima da aldeia de Igbal, na vertente ocidental do Soummam. 16 delegados participaram; eles representavam de uma forma muito desigual as diferentes regiões da Argélia. A somar à ausência da delegação externa, não havia um representante do Aures – o seu líder, Mohammed Ben Boulald, tinha sido morto, e o seu irmão Omar não pode ir, devido aos movimentos constantes do Exército Francês. Oranais era representada apenas por Larbi Ben M’Hidi. Seis delegados vinham da Zona N (Norte Constantinois): Youcef Zighoud, Lakhdar Ben Tobbal, Mostefa Benouda, Brahim Mezhoudi, Ali Kafi e Rouibah. Quatro vinham da Zona III (Kabylia): Krim Belkacem, Mohammedi Said, Amirouche e Kaci. Três vinham da Zona IV (Algerois): Amar Ouamrane, Slimane Dehiles e Ahmed Bouguerra. E um vinha da Zona IV (o sul): Ali Mellah. Estes 15 homens eram os representantes dos combatentes. O décimo-sexto, o único secretário político, era Abbane Ramdane.

Das deliberações deste congresso, três preocupações principais emergriram:

- uma avaliação das forças materiais da revolução, julgada pelos delegados como moderádamente satisfatória. Havia críticas em relação ás operações de abastecimento de armas, e desfazamentos na introdução de estruturas políticas foram apontados (bom para Kabylia, apesar da existência de uns poucos enclaves messalistas, e para Constantinois; aceitável para Algerois; Oranais estava claramente atrás).
- a redacção de uma plataforma política – preparada em parte por Amar Ouzegane, mas carregava profundamente a marca de Abbane – que era articulada em redor dos princípios de uma estrutura colegial da liderança, a primazia do político em relação ao militar, e do doméstico em relação ao externo.
- a reorganização da estrutura do ALN, agora modelado em relação a um exército regular. O território argelino foi dividido em seis novas wilayas, estas divididas em mintaka (zonas), nahia (regiões) e kasma (sectores); Argel foi feita uma zona autónoma. Uma rigorosa hierárquia de unidades de batalha e fileiras foi instituída, de onde nasceria o Exército, um verdadeiro suporte do futuro estado argelino.

Este “contra-estado” em gestação foi justificado pelo poder sufocante do estado colonial. De acordo com esse argumento, a perseguição das tradições pluralistas do nacionalismo argelino anterior a 1954 parecia algo fútil para a derrota da pesada tutelagem francesa.

Embora o Congresso de Soummam, o único na história da FLN, fosse histórico no trabalho “legislativo” que conseguiu, também inaugurou a luta pelo controlo nos escalões mais altos da organização nacionalista. A 23 de Setembro de 1956, Abbane Ramdane (um natural de Kabylia) enviou uma carta a Mohammed Khider, informando-o das decisões do congresso. Quando Ben Bella soube da carta e recebeu as minutas do congresso, decidiu compor uma resposta de três pontos. Ele insistiu no carácter “não-representativo” do congresso. “O Aures, a delegação externa, Oranie, e as zonas orientais não participaram, assim como a Fédération de France.” Ele atacou “a dúvida, mais uma vez, do carácter islâmico das nossas futuras instituições políticas” e assim demonstrou a sua rejeição do secularismo do estado, e a sua recusa em arranjar um lugar para a minoira europeia. Finalmente, ele denunciou a presença de antigos líderes de partidos nas organizações de liderança. Esta resposta repetia palavra por palavra os temas da liderança do PPA-MTLD contra “os berberistas” de 1949. Mas não tinha Abbane acusado Ben Bella “de desconfiar deles por que eram Kabyles”? Parte da razão pela disputa sobre a legitimidade pode ser encontrada numa explicação “regional”.

A Batalha das Forças de Guerrilha

A principal unidade do ALN era a katiba – o equivalente a uma companhia ligeira – que podia chegar a 100 homens, ou o pelotão, com cerca de 30 homens. Estes homens preenchiam uma existência no território que constituía o seu teatro de operações, que conheciam intimamente pois atravessaram-no em todas as direcções.

A sua solidariedade era a dos combatentes em guerra, sem pensarem em regressar, constantemente enfrentando os mesmos perigos e privações, quaisquer que fossem os postos ou funções: o oficial não era menos espartano que o djoundi (soldado); o secretário, o médico, o operador de rádio se houvesse um, todos entravam em combate. Não era o ritual militar que provocava a coesão. Aquilo que unia os mujahideen (combatentes) era o sangue derramado, a causa servida, o perigo que marcava as suas existências. Também era a aquisição de uma disciplina que, se quebrada, podia levar a uma punição mortal – por exemplo, por comportamento indecente ou uma arma em mau estado. Também era o passado partilhado destes homens: quase todos eram inferiores, pessoal rural, treinados para uma vida dura desde a nascença. Cada homem carregava a sua ração de sêmola ou couscous; sempre que possível, azeite, grãos-de-bico e cebolas faziam parte do ménu diário, assim como açucar e café. Carne de carneiro e fruta fresca eram raros. O médico nem sempre tinha os medicamentos necessários para os doentes e feridos. Enquanto que a batalha era uma provação, marchar não o era para um montanhista ou camponês. Assim que se tornasse soldado, ele era equipado pelo ALN com leves botas, chamadas “Pataugas”, feitas de dura lona com solas de borracha. O seu equipamento era reduzido ao mínimo. Ele não tinha uma muda de roupas. Excepto por umas pequenas rações e possivelmente um cobertor, nada era mais importante que a sua arma e munição. A unidade movia-se mais ou menos constantemente. Em primeiro lugar, tinha que estar presente em todo o lado, com intervalos reduzidos o suficiente para manter a população ciente da sua força.

Acção verdadeiramente ofensiva requeria sempre que a katiba (ou pelotão) movesse secretamente e rapidamente de um ponto para outro que seria o mais afastado possível, pois na guerra de guerrilha nada é tão eficaz como a surpresa. Isso significava que marchas, excepto as realizadas em florestas, eram normalmente feitas à noite em colinas, em wadis, ou no máximo, sobre trilhos de gado. Os soldados dormiam ao relento. Sem aviso, um posto da SAS seria atacado com morteiros; um autocarro rural seria atacado e queimado; ou uma emboscada, cuidadosamente preparada numa curva do caminho, pacientemente esperaria pela coluna militar que informadores no bairro tinham dito que era provável que passasse. Uma mina artesanal, camuflada no pó, rebentaria um veículo, bloquearia a coluna, e desencadearia fogo de metralhadora; depois viria o assalto. A todo o momento, a preocupação dos líderes da FLN era evitar a surpresa de um encontro inesperado com o adversário em toda a força, ou a possibilidade de localizarem a sua unidade a descoberto. Nesse aspecto, as condições de existência do ALN variávam bastante, dependendo da altura e região consideradas. Em algum massif empedernido, selvagem ou arborizado, ou um ainda pouco penetrado pelo Exército Francês, uma unidade do ALN teria os seus acantonamentos, normalmente vários, ás vezes em abrigos cavados na terra, ás vezes numa aldeola relativamente despovoada: entre duas mudanças de localização ou duas intervenções, podia descansar ali mais ou menos à vontade.

Nessa guerra subterrânea, o mundo normal estava fechado para o guerrilheiro, que não tinha meios de fuga excepto a morte ou a paz definitiva. Foi nos anos de 1956 e 1957 que o ALN (que tinha aproximadamente 6 000 homens) teve os seus maiores sucessos contra tropas do Exército Francês, graças sobretudo aos abastecimentos de armas vindos de Marrocos e da Tunísia. As coisas seriam diferentes após a construção das barreiras nas fronteiras marroquina e tunisina.

Imigração, a Segunda Frente

O recenseamento de 1954 listou 211 000 argelinos em França; o recenseamento de 1962 listou 350 000. Durante a mesma altura, o Ministério do Interior apresentou o número de 436 000. Além das considerações relacionadas com o delicado problema da nacionalidade e cidadania (quem, na verdade, era argelino em 1962, o ano do recenseamento em França, e da independência argelina?), um facto era claro: a imigração argelina para a França duplicou entre 1954 e 1962, os anos da guerra.

A maioria dos imigrantes eram homens com idades compreendidas entre 20 e 40 anos. De todas as revoluções sociais que a sociedade rural argelina viveu entre 1955 e 1962, aquelas que foram causadas pela recolocação da população foram as mais profundas e com maiores consequências. Em 1960, metade da população rural, isto é, um quarto da população total, fora brutalmente deslocada.

A somar aos “deslocamentos”, devemos mencionar que um milhão de “homens de idade activa” estavam desempregados na Argélia. Um em dois trabalhadores trabalhava menos de cem dias por ano. No total, de 1954 a 1960 só 45 000 novos empregos industiais foram criados, dos quais 25 000 eram construções e obras públicas. A pressão demográfica piorou o processo levando ao desemprego. A população de muçulmanos argelinos cresceu de 4 890 000 em 1921 para 8 800 000 em 1954. A população masculina activa aumentou em 385 000, que significa que no início de 1955 seria necessário criar 70 000 novos empregos anualmente para os jovens masculinos de idade activa. Como isso estava bem longe da realidade, a imigração era a última esperança.

A necessidade de substituir homens do contingente francês enviado para lutar na Argélia e a renovação da estrutura social interna francesa são dois elementos essenciais que nos permitem entender o paradoxo do grande número de argelinos que emigraram para um país que estava em guerra com eles.
Ao examinar a distribuição geográfica dos argelinos na metrópole, descobrimos que cinco departamentos continuaram a servir como centros de atracção: o Seine; o Nord, com a aglomeração do Lille-Roubaix-Tourcoing, que tinha minas de carvão e indústria pesada; o Moselle, que estava a viver um boom industrial; o Rhône, com Lyons; e o Bouches-du-Rhône, com Marselha. Havia poucos argelinos envolvidos em agricultura; a maioria estavam localizados nas regiões industriais. A sua concentração nas regiões industriais só se tornou mais pronunciada nos anos 1948-1955.

A federação da FLN na metrópole reteve basicamente a mesma estrutura que o MTLD, a que pertenciam um grande número dos seus membros. A FLN dividiu o país em cinco regiões; a região de Paris e o oeste; a região norte e oriental (Longwy); a região central (Lyons); a região sulista (Marselha); a região sudoeste, ainda desorganizada em 1956. A organização tinha aproximadamente 8 000 membros em Junho de 1956, mas graças a uma melhoria no recrutamento o número de militantes registados chegava a quase 15 000 em 1957.

Os movimentos nacionalistas argelinos, aplicando o princípio que o sucesso de uma empresa é uma função dos meios financeiros que os seus organizadores possuem, devotaram os seus esforços ao desenvolvimento e aumento das suas fontes de receitas. O elevado custo das armas para as forças de guerrilha, os requesitos da acção diplomática, e o apoio a famílias de militantes que tinham sido presos ou mortos aumentava ainda mais as despesas. O desenvolvimento da organização clandestina também necessitava a instalação de novos quadros permanentes pagos pelos partidos.

Tomando o ano de 1961 como exemplo, dado o número de membros pagadores na FLN (150 000) e no MNA (10 000), e o aumento das quotas para 30 francos por pessoa, obtemos o número de 58 milhões de novos francos totais (cerca de 400 milhões de francos de 1993) para o único ano de 1961. Quase 6 biliões de centimos entraram para o único ano de 1961! Nos sete anos de guerra, aproximadamente 400 milhões de novos francos (pouco mais que 3 biliões de francos de 1993) foram obtidos dos imigrantes argelinos em França. Uma contribuição substancial, feita pela “segunda frente” do nacionalismo argelino, uma contribuição obtida ás vezes voluntáriamente, ás vezes pela força.

A Doutrina da FLN

O movimento radical pró-independência conseguiu a sua força do facto de estar localizado na intersecção de dois grandes projectos: o movimento socialista e a tradição islâmica.

No primeiro aspecto, de influência francesa, devemos referir antes de mais que o local de nascimento do movimento pró-independência (Paris em 1926) influenciou o seu desenvolvimento ideológico subsequente. A experiência francesa ensinou aos primeiros militantes radicais argelinos os modelos de organização e os princípios da ideologia socialista que eles usariam para analizar a situação da sua nação e procurar entender os mecanismos e valores de um mundo estranho; no final, essa experiência colocou-os em contacto com modelos de vida urbanos e industriais. Mas assim que tivessem regressado á Argélia, eles não poderiam entender as suas aspirações nos sindicatos esquerdistas ou partidos, que eram dominados por europeus.

Em relação á “influência francesa”, devemos também notar que a maioria dos quadros nacionalistas na FLN estavam desenraízados, cortados das suas origens sociais e integrados de uma maneira que frequentemente os levava a tornarem-se “revolucionários profissionais”. O movimento tinha poucos líderes camponeses ou intelectuais. Para a maioria, no entanto, estes líderes eram mais cultos e melhor informados que a maioria da população argelina. Muitos tinham andado em escolas francesas, e tinham completado a escola primária. É uma ironia da história que o sistema escolar francês, que se via como assimilador, na verdade parece ter aberto caminhos de críticas e libertação.

Nas mesas das escolas francesas na Terceira Républica, o credo républicano e os episódios da “Grande Revolução” de 1789 deixaram uma forte impressão nas mentes de muçulmanos argelinos que se tornariam nacionalistas. A sua curiosidade sobre a História de França era suportada por uma esperança; eles estavam interessados porque sentiam-se roubados da sua própria liberdade. Uma França abstracta com princípios universais contrastava com a França temporal. Essa concepção continuou a ser defendida durante os anos da Guerra da Argélia, como esta carta de prisão prova, escrita por Mohammed Marbi Madi, um líder da FLN: “Eu confesso-te que sou cada vez menos capaz de separar a França real da França legal. Eu procuro a França que aprendi na escola, e encontro-a apenas em alguns franceses, que, na verdade, têm vergonha de serem franceses, no que diz respeito á Guerra da Argélia”.

Em relação ao segundo factor principal, o islâmico, temos primeiro que explicar que quase todos os argelinos na primeira metade do século XX permaneceram fiéis ás tradições religiosas dos seus antepassados. Essa fidelidade era composta por relíquias sociais e hábitos, uma ligação a práticas onde a conformidade tinha um papel tão grande quanto o da convicção pessoal. As políticas de pró-independência reactivaram o factor religioso. O Islão era tanto uma ideologia de combate como um projecto social. A reaquisição dos termos e direitos fixados pelo tempo, o cada vez maior “paraíso” perdido das origens, tornaram-se cada vez mais vitais através da religião. A prometida revolução pró-independência ainda tinha certas características das revoltas baseadas em esperanças milenárias, ou dos tumultos por subsistência. Este tipo de ideologia nacionalista produziu uma recusa em se comprometer com o mundo existente. Um acontecimento central, independência, era o momento á muito esperado, o sentido de um futuro e especialmente de um presente puro. Os militantes argelinos exprimentaram as instituições coloniais nas quais eles eram destinados a viver não como fundadas na razão mas perfeitamente arbitrárias.

O mérito histórico dos líderes que iniciaram a insurreição em Novembro de 1954 foi o de, através das armas, desbloquearem o status quo colonial. Eles permitiram que a ideia de independência encontrasse substância para milhões de argelinos. Mas, como o sociólogo argelino Abdelkader Djeghloul (1990) nota, “a guerra iniciou um processo de destruição do capital da experiência democrática e da política moderna, que as diferentes organizações políticas tinham começado a acumular antes de 1954”.

A FLN, ciente das contradições que a atravessavam, constantemente se refugiava na emergência táctica: acabando com convicções, mobilizando a energia existente para a causa da independência, enquanto que adiava qualquer exame das particularidades. Essa concepção de uma sociedade indiferenciada “guiada” por um único partido impeliu uma visão particular da nação. Após a independência, um bloco inseparável, a nação, era vista como uma figura unificada, unânime e indissociável.

O tema do “povo unido” reduzia a ameaça de agressão externa (afrancesamento, assimilação) e desintegração interna (regionalismo, particularismo linguístico). Este último tinha principalmente a ver com a “questão berbere”, que foi desconsiderada no estabelecimento das instituições nacionais no período pós-guerra. O recurso ao populismo aumentou o abismo entre a sociedade real, que era social e culturalmente diversa, e sistema político de partido único, forjado principalmente durante a segunda parte da guerra, entre 1958 e 1962. Em Dezembro de 1957, o assassínio de Abbane Ramdane (o organizador do Congresso de Soummam que tinha defendido a supermacia dos “políticos” sobre os “militares”), ordenado por outros líderes da FLN, abriu caminho para o domínio político do nacionalismo argelino feito pelos “exércitos da fronteira”. Após a construção das barreiras ao longo das fronteiras marroquino e tunisinas, o Exército estava acampado fora do território argelino. Liderado por Houari Boumédienne, a sua importância e o seu papel aumentaram a partir de 1958.

A Acção Internacional da FLN

Os nacionalistas argelinos perceberam o risco de se encontrarem frente-a-frente com a formidável máquina-de-guerra francesa. Muito rapidamente, eles tornaram-se cientes da necessidade de alargarem a sua audiência ao nível internacional. A luta armada era assim combinada com acção política e diplomática. O objectivo era o de alertar o público de todo o mundo para a causa da independência argelina, interessar governos estrangeiros e mobilizar autoridades internacionais como a ONU e a Cruz Vermelha. Essa internacionalização do conflito, desejada pela FLN, permitiria que esta encontrasse apoio material (envios de armas, especialmente de países de Leste), e apoio moral (pressão sobre França em relação á sua política argelina).

Desde o início do conflito em Janeiro de 1955, os membros da Liga Árabe, especialmente o Egipto e a Arábia Saudita, dirigiram a atenção do Conselho de Segurança da ONU para a gravidade da situação na Argélia. A Conferência de Bandung de nações não-alinhadas em Abril de 1955 ouviu os comunicados dos líderes argelinos. Em Setembro do mesmo ano, a ONU colocou o problema dos “acontecimentos da Argélia” na sua agenda pela primeira vez. Em Julho de 1956, a Union Générale des Travailleurs Algériens, ou UGTA (União Geral dos Trabalhadores Argelinos), um sindicato ligado á FLN, foi reconhecida pela ICFTU (International Confederation of Free Trade Unions - Confederação Internacional dos Sindicatos do Comércio Livre), ultrapassando o seu concorrente, a Union des Syndicats des Travailleurs Algériens, ou USTA (União dos Sindicatos dos Trabalhadores Argelinos), gerida por militantes do MNA. Ao mesmo tempo, a Union Générale des Étudiants Musulmans Algériens, ou UGEMA (União Geral dos Estudantes Muçulmanos Argelinos), activamente participou em diversos grupos culturais mundiais e desenvolveu uma intensa campanha de propaganda.

Dessa maneira, o Congresso de Soummam em Agosto de 1956 estabeleceu as acções internacionais da FLN: “Externamente, procurar o máximo apoio material, moral e psicológico. Entre os governos do Congresso de Bandung, incitar a intervenção da ONU assim como pressão diplomática (...) sobre a França”. Em 1956, quando a ONU mais uma vez pôs a questão argelina na sua agenda, delegações da FLN partiram em missão: para a Europa de Leste (Berlim Oriental, Praga), Europa Ocidental (Bona, Roma, Londres), os Estados Unidos (Nova Iorque), China, Índia e América Latina.

Os dois acontecimentos que acelararam e alargaram a internacionalização do conflito argelino foram o desvio do avião dos líderes da FLN a 22 de Outubro de 1956, e o bombardeamento francês da aldeia tunisina de Sakiet-Sidi-Youssef a 8 de Fevereiro de 1958, que teve um efeito emocional particularmente forte na opinião pública mundial. Na véspera da queda da Quarta Républica, a França encontrou-se a ser criticada pela ONU. A solidariedade atlântica e europeia era muito incerta em relação á questão do Norte de África.

Ao fazer a guerra contra a França, os nacionalistas argelinos conceberam uma “diplomacia de guerrilhas”. Desde o início, eles construíram um apparatus diplomático, uma apresentação externa que continuaria a funcionar efectivamente após a independência em 1962.
 

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Yosy

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« Responder #7 em: Junho 19, 2005, 03:54:59 pm »
Capítulo 5: De Gaulle e a Guerra (1958 – 1959)

Em Direcção á Queda da Quarta Républica

A 11 de Janeiro de 1958, um pelotão de conscritos sofreu uma emboscada perto da fronteira tunisina. Quatro soldados do contingente foram capturados e levados para a Tunísia. Salan apelou ao direito para perseguir e o governo autorizou. Pela sua parte, a Marinha apreendeu um navio de carga jugoslavo, o Slovenija, ao largo de Oran a 18 de Janeiro. Transportava 148 toneladas de armas da Checoslováquia para os campos de treino do ALN em Marrocos.

Na verdade, um número de países estavam agora a ajudar a FLN, incluíndo o Reino Unido e os Estados Unidos, que forneciam armas à Tunísia. A 8 de Fevereiro, Salan autorizou bombardeiros a perseguirem uma coluna do ALN entrando em território tunisino. A aldeia de Sakiet-Sidi-Youssef foi o alvo. 69 civis foram mortos, 130 feridos. Após o escândalo, um verdadeiro desastre para a imagem internacional da França, o governo francês viu-se obrigado a aceitar uma missão de “boa-vontade” anglo-americana. Essa missão iria estudar o problema da presença francesa na Tunísia, e especialmente a base Bizerte, que Bourguiba exigia que fosse evacuada.

Durante estes três meses, o ALN focou os seus esforços contra a Linha Morice: a barreira electrificada demonstrou a sua utilidade e permitiu que o governo considerasse diminuir o tempo do serviço militar (para 24 meses em vez de 26 em 1957), e cortasse nas despesas do Exército. Isso era suficiente para irritar os pieds-noirs e o Exército, que estavam unidos contra os partidos que apoiavam o governo. O Courrier de la Colère, gerido por Michel Debré, que era próximo do General de Gaulle, criticou o uso da ONU. A 13 de Março de 1958, agentes da polícia protestaram violentamente contra o governo em frente do Palais Bourbon. A 15 de Abril, Félix Gaillard, que parecia estar a ceder ás pressões da NATO e dos “missionários” Robert Murphy e Harold Beeley, foi expulso da coligação de comunistas, gaullistas e poujadistas. O governo estava á beira do abismo.

A crise do governo parlamentar, a paralisia que se abateu sobre a administração, a queda do franco, ligada á perda de crédito da França no mercado mundial, o défice do comércio externo, e finalmente, o clima de impotência que tinha chegado aos mais altos escalões do estado, que lidava com espinhosos problemas provocados pela Guerra da Argélia, juntaram-se para fazer com que a Quarta Républica caísse na impotência. Na Argélia, houve uma importante cadeia de acontecimentos. Os “centuriões” nas unidades pára-quedistas, que tinham manchado as suas mãos, os oficiais do bled, e os líderes da SAS que sonhavam em retomar o trabalho de Lyautey, deram a sua palavra de honra. Eles já não podiam tolerar as constantes mudanças no governo, os contactos secretos com emissários da FLN, a pressão do estrangeiro.

13 de Maio de 1958

A 26 de Abril de 1958, vários milhares de manifestantes marcharam em Argel para exigir um governo de segurança pública. No dia anterior o General Salan tinha anunciado que o Exército aceitaria nada menos que a derrota total dos “rebeldes”, seguida pela possibilidade de amnistia. Durante um mês, o Parlamento provou ser incapaz de encontrar um novo Primeiro-Ministro. A 8 de Maio, o Presidente René Coty apelou ao centrista Pierre Pfimlin (MRP), que publicamente anunciou a sua intenção de abrir negociações com a FLN. Salan protestou oficialmente e muitos líderes dos europeus da Argélia denunciaram este “Dien Bien Phu diplomático”. No mesmo dia, a FLN anunciou a execução de três prisioneiros do contingente. A situação tinha escapado ao controlo de Robert Lacoste, que foi chamado a Paris a 10 de Maio.

Na Argélia, o Exército permaneceu como a única autoridade; os “comités de defesa da Argélia Francesa” e os veteranos pediram um protesto em massa a 13 de Maio como um tributo aos soldados executados, e para forçar uma mudança de governo em França. Esse dia teve consequências extraordinárias. Os estudantes em Argel que formavam as tropas de choque dos apoiantes da Argélia Francesa decidiram reunir-se no Fórum em frente aos gabinetes do Governo Geral para atrair a procissão oficial em memória dos soldados executados. A operação ultrapassou as expectativas dos principais protagonistas. A multidão não dispersou e finalmente atirou-se contra os portões do Governo Geral, defendido pela polícia de segurança do Estado (CRS) que o Coronel Godard rapidamente substituiu por pára-quedistas do Terceiro Regimento de Pára-Quedistas Coloniais (RPC) do Coronel Trinquier. Um camião que pertencia a este regimento serviu providencialmente como um aríete para os manifestantes mais determinados, que entraram no edifício com a ajuda dos pára-quedistas. Uns momentos mais tarde, o alto-comando juntou-se à festa. Espantados pelo espectáculo, Massu e Salan estavam encurralados no edifício pelo ajuntamento dos líderes da manifestação: Léon Delbecque, Lucien Neuwirth, Pouget, Pierre Lagaillarde e Thomazo.

Enquanto o governo de Pfimlin, que foi investido de noite de 13 para 14 de Maio, afirmava a sua vontade, na metrópole, de defender a soberania francesa declarando um bloqueio á Argélia em reacção aos tumultos, o General Salan tomou conta da reunião não-planeada do “Comité de Segurança Pública”, presidido pelo General Massu, que era a cabeça da 10ª Divisão de Pára-Quedistas. Este comité, imitado por dezenas de outros, assumiu a missão de facilitar a subida do General de Gaulle ao poder. Salan proclamou isso mesmo no dia seguinte, à frente da multidão. Durante meses, na verdade, o rumor tinha ganho força. Primeiro um mero murmúrio, uma hipótese feita pelo jurista Maurice Duverger nas colunas do Le Monde, uma ideia aceite por René Coty, que disse estar pronto a retirar-se, a solução gradualmente criou raízes em todo o lado: apenas o General de Gaulle poderia tirar a França do pântano argelino. Seria ele o líder da independência ou da firmeza? Um político hábil, ele recusou em se comprometer desde que não tivesse poder. O que ele desejava primeiro era “restaurar a autoridade do Estado”, juntar-se a um governo feito de encomenda para ele, dotado de um poder presidencial forte.

O Regresso ao Poder do General de Gaulle

Após várias semanas de apelos por parte dos seus apoiantes, o General de Gaulle finalmente quebrou o seu silêncio declarando em 15 de Maio que “em vista das provas que mais uma vez se acumulam” no país, ele estava “pronto a assumir os poderes da Républica”. O Exército, cujo Chefe de Estado-Maior, General Paul Ely, se tinha demitido, já não obedecia ao governo. Um rumor espalhou-se que os pára-quedistas se estavam a preparar para saltar na metrópole para impor um governo de segurança pública. A 19 de Maio, o General de Gaulle, em frente à imprensa chamada ao Palais d’Orsay, novamente afirmou que estava á disposição do país. Ele declarou que, aos 67 anos, não tinha intenção de “começar uma carreira como ditador”. Antoine Pinay, que tinha sido Primeiro-Ministro em 1952, regressou da sua visita ao Colombey-les-Deux-Eglises a 22 de Maio com a confirmação que o General de Gaulle tinha recusado liderar um coup d’etat fomentado pelo Exército regular. Mas a dissidência espalhou-se á Córsega a 25 de Maio, onde a perfeitura foi cercada pelos homens do 13 de Maio, Thomazo e Pascal Arrighi na liderança, com o apoio dos pára-quedistas do 11º Tropas de Choque em Calvi, que desarmaram as forças de segurança do Estado (CRS) sem encontrar resistência. A população de Bastia testemunhou alegremente a expulsão do Vice-Presidente da Câmara que tinha permanecido fiel ao governo.

Nesse momento, a opinião pública na metrópole estava convencida que apenas o General de Gaulle poderia resolver a crise, eleminar a perspectiva de uma guerra civil, e acabar com a Guerra da Argélia. As imagens da “fraternização” de 16 de Maio em Argel (quando alguns pieds-noirs entraram na Casbah para demonstrar a sua simpatia para com a população indígena, mas não o seu apoio á independência) tinha espalhado a ilusão de que os muçulmanos queriam a assimilação. A reconciliação parecia possível.

Na noite de 26-27 de Maio, o trabalho dos oficiais finalmente deu frutos: Pfimlin e de Gaulle trocaram os seus pontos de vista num edifício no parque de Saint-Cloud em Paris. O Primeiro-Ministro foi persuadido a resignar. No dia seguinte, um comunicado de imprensa do General de Gaulle anunciou que ele “estava a começar o processo regular necessário para o estabelecimento de um governo républicano capaz de assegurar a unidade e independência do país”. Os europeus da Argélia hastearam as bandeiras: desta vez, o general tinha “falado”, tal com tinha sido convidado a fazer a 11 de Maio pelo antigo petainista Alain de Sérigny, no seu jornal L’Echo d’Alger. O Exército e os pieds-noirs observaram as séries de acontecimentos com alegria: a resignação de Pfimlin, seguida a 1 de Junho pela investidura do General de Gaulle pela Assembleia, apesar do sucesso do protesto organizado pela esquerda a 28 de Maio para “defender a Républica”.

Entre 4 e 7 de Junho, o General de Gaulle viajou para a Argélia. Ele discursou em Argel (com o famoso “Eu entendo-vos”), em Mostaganem (onde ele gritou “Longa vida á Argélia Francesa”, pelo qual seria duramente criticado mais tarde), em Oran, Constantina, e Bone, proclamando que existiam na Argélia “só franceses de lés a lés, com os mesmos direitos e os mesmos deveres”. Era o fim da Quarta Républica e advento da Quinta. Uma nova Constituição foi apresentada que dava ao Presidente da Républica bastante poder. Ele podia dissolver a Assembleia Nacional (artigo 12º), ele possuía plenos poderes no caso de acontecimentos graves (artigo 16º). Nessa constituição, o poder executivo foi posto fora do alcance do Parlamento, cujo papel foi considerávelmente reduzido.

A 28 de Setembro de 1958, os europeus e muçulmanos (tanto homens como mulheres) votaram esmagadoramente a favor da Constituição da Quinta Républica. E, a 3 de Outubro em Constantina, eles aprenderam da própria boca do General de Gaulle as futuras transformações económicas e sociais na Argélia que o governo se tinha comprometido a financiar: 15 biliões de francos em projectos de obras públicas e desenvolvimento urbano, e um programa gradual para educar jovens muçulmanos. A 21 de Dezembro de 1958, o General de Gaulle foi eleito Presidente da Républica Francesa e da Comunidade Francesa.

A Política Argelina do General de Gaulle

Ao olhar para trás, não pode haver dúvidas sobre a vontade do General de Gaulle. O notório “Eu entendo-vos” era uma afirmação, não era um compromisso. Também houve uma “Longa vida á Argélia Francesa” em Mostaganem – mas só uma. Muito rápidamente, o plano tornou-se claro. Entre Junho e Dezembro de 1958, o General de Gaulle afirmou a sua vontade de aproximar europeus e muçulmanos, mas baniu dos seus discursos as expressões “Argélia Francesa” e “integração”. Começando a 28 de Agosto, uma frase dita durante uma das suas viagens á Argélia pôs os proponentes da Argélia Francesa em alerta: “A evolução necessária da Argélia tem que vir de dentro da estrutura francesa”. Os pieds-noirs começaram a preocupar-se. A partida obrigatória do pessoal militar de todos os comités de segurança pública e o aviso que eles receberam de que seriam banidos de concorrer ás eleições legislativas argelinas conseguiram causar suspeitas em relação ás intenções do General de Gaulle. Ao mesmo tempo, de Gaulle estava a descolonizar Madagáscar e o resto de África. A conferência de imprensa a 23 de Outubro de 1958, abalou as últimas almas agarradas à memória do 13 de Maio e do discurso em Mostaganem: o General de Gaulle ofereceu “a paz dos bravos” sem condições excepto a de deixar a “faca no vestiário”. Mas a FLN, que formou o Gouvernement Provisoire de la République Algérienne, ou GPRA (Governo Provisório da Républica Argelina), a 19 de Setembro de 1958, rejeitou o apelo à rendição e aumentou as suas acções na metrópole. Mesmo assim, 1958 terminou com gestos de boa-vontade: um perdão presidencial para presos da FLN, que em resposta, libertou prisioneiros de guerra franceses.

Na noite de 16 de Setembro de 1959, o General de Gaulle apareceu na televisão. Ele explicou que 18 meses depois de ter regressado ao poder a economia estava a recuperar. Mas depois veio o choque:

“Dados todos os factos na Argélia, nacionais e internacionais, eu considero necessário que o recurso à autodeterminação seja proclamado hoje. Em nome da França e da Républica, em virtude do poder investido em mim pela Constituição para consultar os cidadãos, na condição que Deus me garanta vida e que as pessoas possam ouvir-me, eu comprometo-me a pedir, por um lado, aos argelinos nos seus doze departamentos o que eles querem definitivamente ser, e, por outro, a todos os franceses para sancionar a escolha.”

O General de Gaulle não estabeleceu prazos definidos ou um limite para uma possível negociação. Ele também afirmou que, em caso de secessão, “todos os preparativos seram feitos para a extracção, transporte e distribuição do petróleo do Sara, que, de certeza, é o trabalho do Exército e nos interesses do Ocidente como um todo, seja o que for que aconteça.”

Mas, após cinco anos de uma guerra cruel, que começou a 1 de Novembro de 1954, uma guerra que ainda se recusava a definir-se como tal, a palavra tabu tinha sido pronunciada: “autodeterminação”. As ilusões e ambiguidades da política do General de Gaulle tinham agora sido dissipadas. O Chefe de Estado, rejeitando integração, que ele chamava “galicizão”, ofereceu aos argelinos a escolha entre parceria e secessão. O discurso de 16 de Setembro de 1959 marcou uma verdadeira viragem na vida política francesa, que tinha estado envenenada pela questão argelina. Implicava negociações abertas com a FLN, e garantia à população muçulmana (que tinha uma maioria de nove-décimos) o direito a decidir o destino da Argélia. Os proponentes da Argélia Francesa imediatamente gritaram traição e disseram que tinham sido enganados. Eles apontavam o facto de que os princípios proclamados nos dias de Maio e Junho de 1958 estavam a ser questionados, pois a Argélia Francesa já não era um facto, mas se estava a tornar num referendo. Após aquele discurso, não demorou muito até que a batalha política iniciada revelasse divisões dentro da Union pour la Nouvelle République, ou UNR (União para a Nova Républica): nove deputados gaullistas abandonaram a organização a 8 de Outubro de 1959. A 19 de Setembro Georges Bidault criou a Rassemblement pour l’Algérie Française, ou RAF (União para a Argélia Francesa). Dentro dela estavam cristãos democratas assim como gaullistas “soustellianos” e funcionários eleitos argelinos que favoreciam a integração. O único partido que abraçou completamente a posição do General de Gaulle foi o MRP. Durante o debate parlamentar de 6 de Outubro, o General Challe falou de “pacificação integral”. Isso era o sinal de um endurecimento do Exército, que não queria ouvir falar de “negociações” e queria continuar a guerra até alcançar a vitória.

No outro lado, a 28 de Setembro de 1959, o GPRA apresentou independência como o pré-requisito para qualquer negociação. A 20 de Novembro, os nacionalistas argelinos designaram Ahmed Ben Bella e os seus compatriotas presos para negociar com a França, que rejeitou essa proposta. A desconfiança dos argelinos pode ser explicada em grande parte pelo considerável alcance a que a guerra tinha chegado sob as ordens do General de Gaulle.

Sob o General de Gaulle, a Guerra Continua

Em 1959, na verdade, o General de Gaulle deu ordens ao Exército para que empregasse os golpes mais duros contra o ALN, para forçá-lo a negociar pelas condições apresentadas pela França. Salan foi transferido para Paris a 19 de Dezembro de 1958; o General Challe substituiu Salan.

Em 1959, o General Challe, com os seus 500 000 homens, lançou operações combinadas em larga escala contra as forças de guerrilha do ALN. Os seus “comandos caçadores” obtiveram resultados conclusivos e destruíram as katibas nas wilayas de Kabylia e do Aures, que já estavam enfraquecidas por purgas internas iniciadas pelo veneno introduzido pelo Segundo Gabinete (o serviço de informações). A 28 de Março, os Coronéis Amirouche e Si Haoues, responsáveis respectivamente pelas wilayas III (Kabylia) e VI (Sara), morreram em combate. A 22 de Julho, uma acção militar geral, a operação “Jumelles", que pôs mais de 20 000 homens no terreno, começou em Kabylia, sob o controlo do General Challe. No entanto, a “pacificação” continuou irregular nestas “mil aldeias” onde populações deslocadas tinham sido reunidas á força. Mas, entre os oficiais, graças ás grandes operações do General Challe, prevalecia a impressão de que eles estavam finalmente a ganhar terreno: as katibas da FLN eram localizadas, e muitas eram destruídas. Pequenos e famintos grupos refugiavam-se nos maciços montanhosos mais remotos. Foi uma guerra terrível para os argelinos: mais de 2 milhões de camponeses foram deslocados. A 28 de Abril de 1959, Michel Rocard, na altura um jovem funcionário superior, enviou um relatório ao Ministro da Justiça criticando os campos de fixação na Argélia. E, a 5 de Janeiro de 1960, o Le Monde publicou o relatório da comissão internacional sobre os campos de internamento na Argélia, o que causou grande agitação.

A 18 de Janeiro de 1960, o jornal alemão Suddeutsche Zeitung publicou uma entrevista na qual o General Massu declarou que o Exército, “que tem as forças” e “as usará se a situação assim o exigir”, já não entendia a política argelina do General de Gaulle. Uma negação foi publicada, mas Massu foi chamado a Paris e substituído a 22 de Janeiro pelo General Jean Crepin como comandante do Corpo de Exército em Argel. Rumores de insurreição circularam. Em Abril de 1959, o General de Gaulle tinha dito: “A velha Argélia está morta, e se você não entende isso, morrerá com ela”. No início de 1960, a Guerra da Argélia entrou numa nova fase, a da confrontação franco-francesa na qual alguns quererão “morrer pela Argélia”.
 

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Yosy

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« Responder #8 em: Junho 22, 2005, 09:38:13 pm »
Capítulo 6: as Guerras dentro da Guerra (1960 – 1961)

Semana das Barricadas

Os pieds-noirs sabiam que, como estavam em desvantagem numérica de nove para um, estavam acabados se a França os abandonasse. Tinha havido demasiadas mortes, assaltos pessoais, actos de tortura e execuções sumárias. O dia em que “eles” descessem da Casbah ou das montanhas seria um massacre. “Eles” já estavam a começar a manifestarem-se nas cidades, aos gritos de “Longa vida a de Gaulle”, “Longa vida à FLN”. Para os residentes de Bab-el-Oued, nos arredores de Argel, ou de Oran, era o início do grande pânico. O tempo tinha acabado para tchatchet (conversa) que troçava dos patos (metropolitanos). Sem a ajuda deles, era “a mala ou o caixão”.

A 24 de Janeiro de 1960, em Argel, os activistas pied-noir colidiram com os gendarmes. Um tiroteio na Avenida Laferrière causou vinte mortos (14 gendarmes e 6 manifestantes) e 150 feridos, antes da intervenção dos pára-quedistas. Pierre Lagaillarde e Joseph Ortiz prepararam depois um campo entrincheirado no centro de Argel em nome da Argélia Francesa. A 10ª Divisão de Pára-Quedistas do General Gracieux e a comunidade europeia não lhes trouxeram o apoio esperado. A 28 de Janeiro, Paul Delouvrier, Delegado Geral na Argélia, apelou ao Exército, aos muçulmanos e aos europeus para confiarem no General de Gaulle. A 29 de Janeiro, numa declaração televisiva (isto era numa altura em que ele aparecia frequentemente na televisão), o General de Gaulle condenou formalmente os amotinados e, dirigindo-se ao Exército, declarou: “Eu tenho que ser obedecido por todos os soldados franceses”.

Desanimados, os amotinados em Argel renderam-se a 1 de Fevereiro e abandonaram as barricadas. Joseph Ortiz fugiu. Pierre Lagaillarde foi transferido e encarcerado na Prisão La Santé. No dia seguinte, a 2 de Fevereiro, a Assembleia Nacional, convocada para uma sessão especial, concedeu poderes especiais ao governo durante um ano, “para manter a paz e salvaguardar o Estado”. Mas a “Semana das Barricadas” revelou alguma hesitação no comando. O General de Gaulle ordenou mudanças: o General Challe foi transferido e substituído por Crepin a 30 de Março. Jacques Soustelle, um apoiante ardente da Argélia Francesa, deixou o governo a 5 de Fevereiro. E Alain de Sérigny, editor do L’Echo d’Alger, foi processado a 8 de Fevereiro por conspiração para atacar a segurança interna do Estado. O caso argelino definiu a forma de uma verdadeira confrontação franco-francesa. O General de Gaulle tentou ser tranquilizador, tentou afastar o perigo. De 3 a 5 de Março, ele fez uma “viagem ás cantinas” na Argélia, e declarou que o problema argelino não seria resolvido até depois da vitória das armas francesas. Ele sabia, no entanto, que a questão era política, e que uma resoluta mundança de curso era precisa.

Iniciativas para um Fim à Guerra

Na Primavera de 1960, o Exército Francês acreditava que tinha ganho a guerra. A “pacificada” Oranie foi citada como um exemplo: veículos civis podiam agora circular sem escolta nas áreas rurais. Os líderes da wilaya IV, a de Algerois, julgaram que a batalha estava perdida, e contactaram oficiais franceses. Eles foram transportados secretamente para o Palácio do Eliseu: este seria o “caso Si Salah”. “Si Salah” era o nome do líder nacionalista argelino que se encontrou com o General de Gaulle a 10 de Junho de 1960. O seu verdadeiro nome era Mohamed Zamoum e, sem o conhecimento dos líderes da FLN em Tunis, ele pretendeu efectuar negociações directas com a França.

Haveria finalmente a paz dos bravos com aqueles que tinham lutado tão ferozmente no terreno? Não. De Gaulle já tinha começado a negociação com os “políticos” da FLN, que possuíam os inícios do reconhecimento internacional e o notório “exército de fronteira”, que nunca tinha sido capaz de atravessar em massa as duas barreiras electrificadas isolando a Argélia da Tunísia e de Marrocos (em relação a “Si Salah”, ele seria executado a 20 de Junho de 1961, por unidades especiais do Exército Francês).

As primeiras conversações entre a FLN e o governo francês abriram em Melun a 25 de Junho de 1960. Foram um falhanço, mas a negociação criou uma enorme esperança em França: paz e o regresso do contingente pareciam estar ao alcance. Os líderes argelinos Ferhat Abbas e Lakhdar Ben Tobbal viajaram pelo mundo para arranjar votos para o próximo debate na ONU. O reconhecimento da representação da FLN cresceu entre os aliados africanos da França. A 3 de Agosto de 1959, uma conferência de nove estados africanos independentes tinha convidado a França a reconhecer o direito do povo argelino à autodeterminação. Na metrópole, as organizações esquerdistas afirmaram publicamente a sua solidariedade para com a “causa argelina”. A 2 de Junho de 1960, 53 movimentos juvenis, tomando uma posição comum pela primeira vez, expressaram o seu desejo de ver o fim da Guerra da Argélia. A 9 de Junho, a Union Nationale des Étudiants de France, ou UNEF (União Nacional dos Estudantes da França) encontrou-se com um dos líderes de uma organização dissolvida, a Union Générale des Étudiants Musulmans Algériens, ou UGEMA (União Geral dos Estudantes Muçulmanos Argelinos), e exigiu um cessar-fogo e autodeterminação. A 30 de Junho, a Confédération Générale du Travail, ou CGT (Confederação Geral do Trabalho), a Confédération Française des Travailleurs Chrétiens, ou CFTC (Confederação Francesa de Trabalhadores Franceses), a FEN e a UNEF assinaram uma declaração conjunta afirmando o seu desejo de ver negociações começarem verdadeiramente entre o governo francês e o GPRA

Ao mesmo tempo que o julgamento dos membros da rede de apoio da FLN, chamada a “rede Jeanson”, estava a começar (5 de Setembro), 121 grandes figuras tornaram público um “manifesto sobre o direito à insubordinação” (publicado por François Maspero) a 6 de Setembro de 1960. Várias indiciações se seguiram. Uma ordem publicada a 29 de Setembro no Journal Officiel (Diário da Républica francês) apresentou sanções particulares para os signatários que eram funcionários públicos, e uma proibição de aparições na rádio ou televisão para todos os signatários. A 1 de Outubro, 15 dos acusados na “rede Jeanson” foram condenados a dez anos de prisão. Apesar desse acto de repressão, o movimento de protesto anti-guerra cresceu. A 27 de Outubro,a UNEF organizou uma importante manifestação na Mutualité “para paz através de negociação”.

Na Argélia os europeus e o alto-comando tinham-se decidido. A velha Argélia estava mesmo morta, e a FLN tinha recuperado através da política e da diplomacia todo o terreno perdido pelo uso da força. A 4 de Novembro de 1960, o General de Gaulle tentou precipitar uma resolução do caso: ele usou a expressão “Républica Argelina” e anunciou um referendo sobre o princípio da autodeterminação na Argélia. Em Dezembro de 1960, a viagem do General de Gaulle à Argélia foi o pretexto, em Argel e Oran, para violentas manifestações por parte dos europeus. Mas o novo facto importante foi a maciça revolta das massas urbanas argelinas. Os manifestantes gritavam “Argélia Muçulmana!” e “Longa vida à FLN!” Gendarmes e tropas de segurança do Estado (CRS) dispararam sobre eles. O número de mortos oficial foi de 112 muçulmanos em Argel.

A 8 de Janeiro de 1961, a política argelina do General de Gaulle foi submetida a um referendo. Na metrópole 72,25 % e na Argélia 69,09 % votaram sim. O sucesso deste referendo, até na Argélia, onde apenas as grandes cidades votaram não, demonstrou aos defensores da Argélia Francesa que eles tinham que se apressar. Georges Pompidou, em nome do governo de Debré, liderou uma missão diplomática secreta à Suíça. No dia a seguir à reunião entre o General de Gaulle e Bourguiba em Rambouillet, a 27 de Fevereiro, uma França aliviada soube que as negociações abririam em Evian a 7 de Abril. Foi então que o General Salan, banido da Argélia, acreditou que o momento tinha chegado para planear uma espécie de contra-revolução com a ajuda do Exército regular, desanimado pela luta, e dos europeus em pânico. Contactos foram estabelecidos na metrópole. A Organisation de l'Armée Secrète, ou OAS (Organização do Exército Secreto), foi criada. A revolta contra o General de Gaulle não mobilizou só fanáticos que sonhavam com uma Argélia impossível. A Semana das Barricadas em Janeiro de 1960 já tinha mostrado a crise de consciência dentro de certas unidades.

O Putsch dos Generais

Durante uma conferência de imprensa a 2 de Abril, o Chefe de Estado confirmou a sua nova orientação: “Descolonização é no nosso interesse, e, como resultado, é a nossa política”, disse o General de Gaulle. Depois disso, algumas das pessoas mais altamente colocadas no Exército Francês decidiram organizar um putsch contra ele. Para segurar a Argélia Francesa, o General Challe, que chegou secretamente a Argel, lançou a aventura de um coup d’etat contra a Républica, juntamente com os Generais Jouhaud, Zeller e Salan.

Na meia-noite de Sexta-Feira, 21 de Abril de 1961, os Boinas Verdes no 1º Regimento Estrangeiro de Pára-Quedistas marcharam sobre Argel e tomaram o Governo-Geral, o aeroporto, a Câmara Municipal, e o arsenal. Em três horas a cidade ficou nas mãos dos revoltosos e de manhã os residentes em Argel puderam ouvir na rádio, que tinha caído nas mãos do Exército, este comunicado: “Eu estou em Argel com os Generais Zeller e Jouhaud, e em contacto com o General Salan para manter a nossa promessa, a promessa do Exército de manter a Argélia.”

Em Paris o governo limitou-se a anunciar que estava “a tomar as medidas necessárias” e decretou um estado de emergência. Além disso, o Exército não se estava a reunir aos revoltosos. O General de Gaulle já parecia presuadido do falhanço das guerrilhas militares. Ás cinco da tarde no Conselho de Ministros, ele comentou: “O que é grave neste caso é que não é sério”.

Mas à medida que Salan era aclamado pela população em Argel, Paris temia um coup d’etat militar e um desembarque na capital. De Gaulle decidiu invocar o artigo 16º da Constituição, que conferia quase todos os poderes ao Presidente da Républica. Na noite de Domingo, ele falou na televisão num tom peremptório. Ele denunciou “a tentativa de uns laivos de generais na lista de reformados,” que possuíam “um know-how apressado e limitado”  mas viam o mundo “só através do seu delírio”.

Para os soldados do contingente, que constituiam a maioria das tropas estacionadas na Argélia, o efeito foi devastador. Ouvindo nos rádios transístor que os oficiais não tinham conseguido confiscar, o discurso legitimou a resistência daqueles que se opunham aos seus oficiais “Challistas” e levou o contingente a colocar-se contra os revoltosos. Em Paris, o Primeiro-Ministro Michel Debré estava, no entanto, em pânico e apareceu na televisão à meia-noite para pedir a todos para irem para o aeroporto para prevenir uma possível acção por parte dos generais revoltosos.

Em Argel na Terça-Feira, 26 de Abril, os generais foram aclamados uma última vez na varanda do Governo-Geral. Depois Maurice Challe rendeu-se, à medida que Argel gritava traição. O putsch tinha falhado. A 28 de Abril, decidiu-se conceber um alto tribunal militar encarregado de julgar os revoltosos. Os Generais Marie-Michel Gouraud, Pierre Marie-Bigot e André Petit foram condenados e encarcerados na Prisão La Santé. A 30 de Abril, o General Jean-Louis Nicot, um participante, como outros, no “putsch dos generais”, foi posto na prisão estatal. A 3 de Maio, o Conselho de Ministros decidiu banir o L’Écho d’Alger indefinidamente. O antigo General Zeller caiu nas mãos das autoridades argelinas a 6 de Maio. Mas Raoul Salan e Edmond Jouhaud fugiram e foram para o submundo. A OAS tomou os seus lugares.

A Era da OAS

Desde antes do putsch de Abril de 1961, a sigla OAS (Organisation de l’Armée Secrète) era conhecida pela população europeia de Argel e Oran. Era um pequeno movimento clandestino, provavelmente fundado no início de 1961, pelo qual Pierre Lagaillarde, que se tinha refugiado em Madrid, sempre clamou paternidade. Mesmo assim, os seus números mal excederam 200 ou 300 militantes, e coexistia com outros grupos “activistas” que tinham tentado durante vários meses mobilizar a população europeia da Argélia através de acções violentas pela causa da Argélia Francesa: a ilegal Front de l’Algérie Française, ou FAF (Frente da Argélia Francesa), Résau Résurrection-Patrie (Rede da Ressureição da Pátria, o movimento do negociante de vinhos Robert Martel), Étudiants Nationalistes, e por aí em diante.

Em todo o caso, foi sob a sigla “OAS” que, em Maio de 1961, o General Paul Gardy, os Coronéis Roger Gardes e Yves Godard, o Tenente Roger Degueldre (que tinha desertado a 4 de Abril), o Doutor Jean-Claude Perez e Jean-Jacques Susini escolheram encontrar-se em Argel. Um “comité de liderança OAS” foi constituido, e contactos foram estabelecidos com os Generais Raoul Salan e Edmond Jouhaud, que estavam a vaguear na Mitidja (a grande planície de Algerois) sob a protecção das redes de Martel; ao General Salan foi dado o comando supremo. Uma primeira carta da organização, inspirada pelo exemplo da FLN e pelas lições sobre acção psicológica do gabinete militar, foi concebida pelo Coronel Godard, um veterano de Vercors, e tarefas foram distribuídas. O Coronel Godard ficou responsável pelas informações; Coronel Gardes, “a organização das massas”; Doutor Perez e Tenente Degueldre, acção directa; Jean-Jacques Susini, propaganda e acção psicológica.

Os objectivos eram simples: permanecer fiel ao espírito de 13 de Maio de 1958, resistir à política de “separação” argelina conduzida pelo governo gaullista, construir uma nova Argélia “fraternal e francesa”. Para o futuro imediato, o único plano era prepararem-se para a insurreição popular em Argel e talvez em Oran. Isso, acreditavam, quebraria o processo de negociações que tinha começado a 20 de Maio de 1961, em Evian, entre o governo francês e a FLN. Isso por sua vez, iria construir um obstáculo insuperável à continuação da política argelina da Quinta Républica.

A abertura das negociações entre a FLN e o governo francês anunciou um período marcado por todo o tipo de perigos. A FLN, que queria efectuar negociações a partir de uma posição de força, aumentou o número de acções, que produziram 133 mortos entre 21 de Maio e 8 de Junho. Durante o mesmo período, a OAS praticou uma política de pior cenário e uma série de acções terroristas. Os comandos da organização atacaram comerciantes muçulmanos e funcionários públicos na administração fiscal, Polícia, e educação. O seu controlo sobre a população europeia da Argélia ganhou força, e o General de Gaulle, que tinha a alcunha de "la Grande Zohra" (“Zohra” era um nome comum feminino em árabe), era agora apupado e desprezado. Os pieds-noirs ficaram desapontados quando souberam que ele tinha escapado a uma tentativa de assassinato a 9 de Setembro de 1961, em Pont-sur-Seine.

Para a OAS o Outono de 1961 foi a estação da esperança. Em termos de organização interna, o movimento tinha descoberto definitivamente as condições para a sua unidade e coesão. A autoridade do General Salan e do seu Estado-Maior já não era disputada. Nas grandes cidades da Argélia, quase toda a população europeia, frequentemente com um entusiasmo tumultuoso, premiava a organização com a sua participação ou cumplicidade. Grandes manifestações colectivas – o dia dos tachos e panelas (23 de Setembro), o dia das serpentinas (25 de Setembro), o dia dos engarrafamentos (28 de Setembro) – a proliferação de transmissões de rádio piratas, e as “operações relâmpago” que atingiam duramente os líderes da repressão política, alimentaram o fogo do povo comum pied-noir e mobilizaram o seu ardor e a sua fé. A 9 de Outubro de 1961, o General Salan pode anunciar que, antes do fim do ano, ele possuiria um exército de 100 000 homens “armados e disciplinados”.

Determinação Argelina

O Gouvernement Provisoire de la République Algérienne (GPRA) nasceu a 19 de Setembro de 1958. Foi liderado por Ferhat Abbas e substituído pelo Comité de Coordination et d’Exécution, ou CCE (Comité de Coordenação e Execução), a primeira liderança centralizada da FLN. Um ano depois, em Dezembro de 1959, um Estado-Maior do ALN foi instituído, sob a direcção do Coronel Houari Boumédienne. Apesar das contradições que nasceriam entre elas, estas duas estruturas planeram ser complementares no início: a tarefa do GPRA era conseguir apoio na cena política internacional e efectuar quaisquer eventuais negociações com a França. A missão do Estado-Maior, por contraste, era reorganizar o ALN, que tinha ficado enfraquecido em 1958-59 pelas ofensivas do Exército Francês aquartelado nas fronteiras marroquino e tunisina.

Em tempo recorde, a FLN conseguiu unificar ou neutralizar todas as organizações políticas argelinas e categorias sociais. A hegemonia que tinha ganho sobre a sociedade argelina constituiu a sua vantagem decisiva nas negociações finais com o governo francês. Elas abriram em Melun em 1960, depois continuaram em Evian em 1961. O monopólio da FLN sobre a representação do povo argelino era difícil de aceitar pelo governo francês. É verdade que, nas grandes manifestações urbanas, o apoio óbvio ao GPRA em 1960 contribuiu para estabelecer essa legitimidade.

Na segunda parte da guerra (começando em 1958, quando o General de Gaulle chegou ao poder em França) uma história heróica foi forjada que apresentou “um único herói, o povo”, apenas reunido atrás da FLN. Indivíduos isolados foram transformados num ser colectivo, o povo, o único herói para a nova nação, que ascendeu à legitimidade suprema como o único actor da revolução prestes a ser conseguida. No El Moudjahid (o jornal central da FLN) a 1 de Novembro de 1958, Krim Belkacem escreveu: “A nossa revolução está-se a tornar no cadinho onde homens de todas as condições – camponeses, artesãos, operários, intelectuais, ricos e pobres – se misturam de uma maneira que um novo tipo de homem nascerá desse desenvolvimento”. Nessa versão, a violência do colonizador prepara a dinâmica da unidade, da libertação, por um povo unânime. Frantz Fanon, um médico das Caraíbas que se juntou ao campo da independência argelina, teorizou essa aproximação em 1959, no seu “L’an V de la Révolution Algérienne” (Ano V da Revolução Argelina). Ele menciona a necessidade das pessoas coloniais de afastarem a opressão estrangeira pela força e violência, que serão usadas não só como técnicas militares, mas também como uma pré-condição psicológica essencial para a marcha para a independência.

Mesmo assim, como resutado dos ataques da operação militar francesa liderada pelo General Maurice Challe, as wilayas do interior ruíram nos anos de 1959-1960. A 27 de Março de 1956, após a morte de Mostefa Ben Boulald, que tinha escapado da prisão em Constantina uns meses antes e fora vítima de uma encomenda armadilhada, largada de pára-quedas pelo Segundo Gabinete francês, as forças de guerrilha no Aures não se conseguiram reorganizar. Na wilaya em Kabylia, Amirouche brincava com a ideia de uma restruturação da organização que restaurasse a primazia do “interior” sobre o exterior. Si Haoues, o líder da wilaya VI (o Sara), partilhava as preocupações de Amirouche: ele também protestava contra a falta de armamento e contra o isolamento das wilayas do interior. Mas Amirouche e Si Haoues morreram numa emboscada a 28 de Março de 1959. As suas mortes desmoralizaram ainda mais os guerrilheiros do interior e levaram a tentativas de negociações separadas com a França, conduzidas em particular por Si Salah em Junho de 1960 em nome desses guerrilheiros.

Mesmo assim, a França estava isolada politicamente a nível internacional. A FLN, que continuou a lutar para manter a integridade do território argelino dentro da organização das fronteiras coloniais, prevaleceria politicamente. A 5 de Setembro de 1961, o General de Gaulle reconheceu o carácter argelino do Sara. A 5 de Março de 1962, as negociações de Evian abririam, agora com GPRA como o único interlocutor dos franceses. Nessa fase final, quando o diálogo frente-a-frente com o estado colonial chegou ao fim, a liderança da FLN implodiu. A imagem de unidade, forjada na guerra, já não podia resistir quando a tomada de poder se tornou iminente.

No final de 1960, o GPRA acusou o Estado-Maior de abandonar as wilayas do interior, e exigiu que entrasse na Argélia antes de 31 de Março de 1961. Isso causou uma crise. O Estado-Maior recusou obedecer, submeteu a sua resignação a 15 de Julho de 1961, e ele próprio instalou uma liderança temporária. Durante a reunião em Tripoli entre 6 e 27 de Agosto de 1961, do Conseil Nationale de la Révolution Algérienne, ou CNRA (Conselho Nacional da Revolução Argelina), a substituição de Ferhat Abbas por Ben Youssef Ben Khedda agravou a crise. O Estado-Maior abandonou o CNRA. Ben Khedda falhou a sua tentativa de reorganizar o Exército dividindo o comando em dois (Marrocos e Tunísia). No braço de ferro, o “exército de fronteira” demostrou a sua unidade pelo seu líder, Coronel Houari Boumédienne. Ele recebeu o apoio de três “líderes históricos” detidos em Aulnoy: Ahmed Ben Bella, Mohammed Khider e Rabah Bitat. Quem lideraria o futuro governo nacional, que parecia tão próximo? O Estado-Maior suspeitava que o GPRA, que conduzia as negociações com a França, o queria desapossar.

Apesar destas divisões, a determinação da maioria dos argelinos de alcançar a independência estava a crescer. E a repressão continuou no final de 1961, especialmente para os argelinos que viviam em França. A partir de 4 de Outubro, um recolher obrigatório ás oito da noite foi-lhes imposto em Paris. A 17 de Outubro, 30 000 protestaram. A repressão, liderada pelo Perfeito da Polícia, Maurice Papon, foi selvagem: a Polícia fez quase 12 000 detenções, e perto de 200 manifestantes foram mortos. O número de feridos chegou aos milhares.

Na Argélia, o ALN aproveitou a vantagem do momento quando as negociações estavam a começar e tentou reconstruir as suas forças. Mas a barreira da “Linha Morice”, ainda impenetrável, adiou qualquer possibilidade de um Dien Bien Phu militar. As guerrilhas no interior estavam exaustas, mas o Exército Francês abandonou grandes operações. O “comando caçador” teve um período de descanso enquanto que o contingente estava aborrecido de morte. A 2 de Outubro de 1961, o General de Gaulle anunciou “a instituição do estado argelino soberano e independente através da autodeterminação”, e suavizou a sua posição sobre o Sara e sobre as bases militares francesas na Argélia. Na verdade, a questão do Sara tinha estorvado profundamente as negociações. No decurso da própria guerra, o Sara representava um duplo interesse para a França: era a localização dos primeiros testes nucleares, e o local de grandes depósitos de combustíveis fósseis. Os nacionalistas argelinos continuaram assim a rejeitar qualquer possibilidade de divisão dos “territórios sulistas” ambicionados pelas autoridades francesas.
 

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Benny

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« Responder #9 em: Junho 23, 2005, 08:10:22 pm »
Tem algum interesse especial sobre a Guerra da Argélia, Yosi?

Julgo que houve observadores Portugueses na Argélia, para aprender sobre tácticas de contra-guerrilha - conhecimentos estes que teriam alguma aplicação, mais tarde, nas colónias Portuguesas em África.

Benny
 

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Yosy

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« Responder #10 em: Junho 24, 2005, 11:52:57 am »
Citação de: "Benny"
Tem algum interesse especial sobre a Guerra da Argélia, Yosi?

Julgo que houve observadores Portugueses na Argélia, para aprender sobre tácticas de contra-guerrilha - conhecimentos estes que teriam alguma aplicação, mais tarde, nas colónias Portuguesas em África.

Benny


Interessa-me muito sem dúvida. Comparada com a Argélia a nossa descolonização foi um paraíso.

Sim houve observadores portugueses na Argélia: quando voltaram, redigiram um longo relatório afirmando que Portugal devia preparar-se urgentemente para a guerra subversiva. Apesar de Portugal ter aprendido muito com os britânicos (Quénia, Malásia, Chipre) foi a França que mais ajudou na nossa preparação. A Argélia era um verdadeiro laboratório de técnicas de contra-guerrilha, que Portugal adaptou depois ás nossas colónias.
 

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Yosy

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« Responder #11 em: Junho 27, 2005, 10:07:47 pm »
Capítulo 7: a Guerra e a Sociedade Francesa (1955 – 1962)

A Opinião Pública Francesa:
Entre Equívocos e Indiferença

A opinião pública francesa tornou-se agitada, fulminante e irritada. Comparada à guerra que tinha acabado à pouco tempo na Indochina, a Guerra da Argélia parece à primeira vista ter sido um tempo de intensas cisões e despertar de consciências: a turbulência de uma forte comunidade pied-noir e do Exército; o envolvimento anti-guerra de intelectuais e sindicalistas; a glorificação da “missão civilizacional” da França e a apologia pela Argélia Francesa; a veemente denúncia do colonialismo e a mobilização para “paz na Argélia”. Era a Guerra da Argélia um novo caso Dreyfus? Seria tentador pensar que sim, vendo a fúria e a paixão desencadeadas.

Um exame cuidadoso da realidade, no entanto, obriga-nos a dúvidar desta análise. “Os acontecimentos da Argélia”, como eram chamados na altura, não agitaram verdadeiramente o público até 1956, o ano dos “poderes especiais” e do envio em larga-escala do contingente. As campanhas dirigidas contra o uso da tortura não começaram verdadeiramente até 1957, no rescaldo da terrível Batalha de Argel (graças ao Comité Maurice-Audin em particular), isto é, três anos depois do início da guerra. As maiores manifestações de estudantes pela paz deram-se no final de 1960, isto é, um ano e meio antes da independência argelina. E as primeiras grandes, impressionantes manifestações – mais de 500 000 pessoas – para agitar o povo francês contra uma guerra que tinha durado 7 longos anos deram-se a 13 de Fevereiro de 1962, por ocasião do funeral das vítimas da estação de metro de Charonne, todos militantes comunistas (ver capítulo 8 ), pouco mais de um mês antes da assinatura dos acordos de Evian que puseram um fim ao combate militar. Devemos acrescentar que entre 200 e 300 soldados rebeldes ou insubordinados, mais uns (poucos) milhares de militantes, organizaram redes de simpatia com os argelinos; embora elas testemunhem a coragem de uma minoria, elas não constituem verdadeiramente uma “resistência francesa” à Guerra da Argélia.

Se considerarmos, entre outras fontes, as mudanças nas sondagens entre 1955 e 1962, apercebemo-nos acima de tudo que a maioria do povo francês não estava tão ligada, como ás vezes se acredita, á manutenção da Argélia dentro da organização de uma nação francesa. Como o historiador Jean Pierre Rioux nota, não existe nenhuma dúvida porque a França nunca tinha feito da colonização “um projecto colectivo num grande plano social, ideológico e moral”. Daí o “consentimento passivo” da descolonização. Esse ponto de vista é partilhado por outro historiador, Charles-Robert Ageron: "O impulso colonial foi apenas o acto de uma pequena minoria (...) a vocação colonial foi sempre rara e a consciência imperial chegou tarde. Era a França colonial?"

Nos finais de 1955 a Front Républicain saiu vitoriosa depois de uma campanha eleitoral centrada na “paz na Argélia”. Em Fevereiro de 1958, de acordo com uma sondagem feita pelo Institut Français d’Opinion Publique, ou IFOP (Instituto Francês de Opinião Pública), a Guerra da Argélia estava em sexto lugar nas preocupações do povo francês. Em Outubro de 1960, numa sondagem realizada em Paris para o jornal Afrique-Action, 59 % dos indivíduos pensavam que “de Gaulle não pode trazer paz sem negociar com a FLN”; 24 % pensavam o contrário. A opinião pública, com vontade de acabar com o caso, designou a FLN como o interlocutor argelino.

Em Maio de 1962, Chris Maker realizou “Joli Mali”, um documentário que mostra o clima que reinava em França na véspera da declaração de independência argelina. Ninguém abordado no filme disse que o acontecimento essencial de Maio de 1962 era o fim da Guerra da Argélia. E, noutra sondagem, em Setembro de 1962, quando os pieds-noirs e harkis chegavam em massa, só 13 % do povo francês ainda pensava que “a tragédia argelina” constituia uma verdadeira preocupação.

Face a esta indiferença, nós podemos perguntar: pode esta atitude ser explicada por um equívoco? Os franceses sabiam o que se passava no Aures ou em Kabylia? Sim, necessáriamente, através da massa de soldados envolvidos nesse conflito. Quase 2 milhões! Assim milhares de famílias foram afectadas, relatos e histórias foram mais tarde contados em casa, no bairro, na fábrica, na aldeia. A somar a isto, havia comités, jornais, e livros que apesar da censura conseguiram divulgar os “segredos” de uma guerra não-reconhecida. Mais de 60 000 cópias do “La Question” de Henri Alleg, que brutalmente revelou o problema da tortura, foram vendidas em 1958, antes de serem apreendidas (o livro continuaria a circular debaixo da mesa).

A França envolveu-se numa cruel guerra contra os argelinos, mas a sociedade recusava viver num estado de guerra. A maioria do povo francês refugiou-se na certeza moral de que o seu país, fresco de lutar pela sua própria libertação em 1944, não estaria em posição de oprimir e torturar. Olhar lúcidamente para o curso da Guerra da Argélia era correr o risco de revisitar o negro período de Vichy. Isso seria razão suficiente para não se falar de ambos os períodos. Não se deve concluir, no entanto, que o período da Guerra da Argélia não foi auspicioso para um envolvimento político de todos os tipos, ou que não foi um momento muito importante para uma verdadeira “reconstrução” cultural.

Mudanças Culturais, Envolvimento Intelectual

Os anos de 1956-1957 testemunharam o rápido crescimento dos LPs e a introdução de Bach, Beethoven e Vivaldi ao consumo de massas. Através do transístor, que seria útil ao contingente na sua recusa em seguir o putsch dos generais, o som do rock americano chegou: Bill Haley, Elvis Presley, os Platters. Em termos de filmes, em 1957, Fellini realizou “As Noites de Cabíria”; nos Estados Unidos, Brigitte Bardot tiunfou com “E Deus Criou a Mulher” (o filme de Roger Vadim ganhou o dobro de “A Volta ao Mundo em 80 Dias”). No entanto, 1959 foi o verdadeiro ponto de viragem para a 7ª Arte. Um excelente quarteto participou no festival de cinema de Cannes: “Hiroxima – Mon Amour”, “Les Cousins”, “Orfeu Negro”, e, acima de tudo “Les Quatre cents coups” (“Os 400 Golpes”) de François Truffaut, que ganhou a Palma de Ouro. A “nova onda”, uma expressão usada pela jornalista Françoise Giroud para um estudo no L’Express, de jovens de 18 a 31 anos, fora lançada. Em 1960, o verdadeiro choque veio com “À bout de souffle” (“O Acossado”) de Jean-Luc Godard: um herói, imitando a tragédia que a França vivia, marcha para o seu destino imutável. É claro que tudo foi determinado a partir das primeiras sequências, mas uma atmosfera livre de preocupações reina. “À bout de souffle” conta a história daqueles que estavam prestes a ir para o Aures, e tornou-se num espelho para juventudo no contingente. Nestes “anos argelinos”, outras imagens apareceram no pequeno écran. E, a 14 de Dezembro de 1956, os leitores viram no L’Express: “Já nesta altura, com os 400 000 aparelhos oficialmente declarados, RTF (Radiodiffusion-Télévision Française, o sistema televisivo francês) toca milhões de franceses, substituindo divertimentos e jornais sérios. Nas mãos de um governo decidido a usá-la descarádamente na sua propaganda, a televisão pode tornar-se outra insuspeita arma de poder.”

Em 1957, com Alain Robbe-Grillet, o autor de “La Jalousie” (“O Ciúme”) e editor literário nas Éditions de Minuit, uma nova escola de literatura chamada “nouveau roman” apareceu. Foi Roger Vaillant, no entanto, que ganhou o Prix Goncourt com “La Loi” (“A Lei”). Na cena intelectual Jean-Paul Sartre e Albert Camus dominavam. Camus, que “sofria pela Argélia”, reafirmou a sua solidariedade para com o povo argelino como um todo nas colunas do L’Express, um jornal com o qual ele se afiliara de maneira a apoiar Pierre Mendès-France, o único homem, na sua opinião, capaz de resolver a crise enquanto evitava o pior resultado.

Com a aproximação das eleições de Janeiro de 1956, Camus lançou um apelo para um compromisso razoável onde os franceses admitiriam o falhanço da assimilação, e os nacionalistas argelinos renúnciariam a sua intransigência e a tentação do pan-arabismo. A 22 de Janeiro de 1956, esse apelo foi repetido em Argel. Mas era tarde de mais: já as vozes daqueles com opiniões liberais não podiam ser ouvidas. A pacificação tomou o aspecto da guerra. Camus não aprovava a posição radical dos franceses na Argélia, mas ele também não aceitava a ideia de um dia se tornar um estranho no seu próprio país. Ele passou por um período de dúvida tingida com amargura. O escritor decidiu ficar calado, de uma vez por todas. Só uma frase foi precisa, no entanto, para provocar a sua queda. Eram palavras simples, quase arrancadas à força por um estudante argelino que o desafiou durante uma conferência dada em Estocolmo depois de Camus receber o Prémio Nobel da Literatura em Dezembro de 1957: “Eu acredito na justiça, mas defenderei a minha mãe perante a justiça”. Esta frase, frequentemente distorcida, era apenas a comovente confissão de um intelectual apanhado pela incerteza e confusão provocadas por um clamor na esquerda. Foi dito que Camus, o “traidor”, se tinha juntado definitivamente ao campo da Argélia Francesa. Camus regressou à sua solidão. Ele morreu num acidente de viação a 4 de Janeiro de 1960. Contrastando com Camus estava Jean-Paul Sartre. A 27 de Janeiro de 1956, o Comité d’Action des Intellectuels Contre la Poursuite de la Guerre en Afrique du Nord (Comité de Acção de Intelectuais Contra a Continuação da Guerra no Norte de África) reuniu-se em Salle Wagram. Jean-Paul Sartre, que fazia parte do comité, falou: “A única coisa que podemos e devemos tentar, mas é a coisa essencial hoje em dia, é lutar tanto pelos argelinos como pelos franceses para os libertar da tirania colonial”. Em 1958, ele escreveu um artigo no “La Question” de Henri Alleg, no qual ele tentou mostrar que a tortura não era um epifenómeno mas um método necessário no tipo de guerra que a França conduzia, e que tinha que se “pôr um fim a estes vis e tenebrosos avanços”. Tortura e terrorismo, democracia, os direitos de um povo, e direitos humanos: não era altura para consensos, mas para envolvimento.

Com os trabalhos de Frantz Fanon, que estavam banidos, a ideologia do “Terceiro Mundo” foi afirmada: descobrir novos “desgraçados da Terra”, além de uma classe trabalhadora ainda controlada pelo PCF, era redescobrir uma força histórica que incorporava a revolução. A revolução cubana de 1959 reforçou essa convicção. Mas essa mudança para o envolvimento extremo, actividades clandestinas, ou marginalidade não se encontrava exclusivamente na esquerda. A recusa em abandonar a Argélia Francesa empurrou muitos intelectuais, quer fossem pieds-noirs ou metropolitanos, para a dissidência contra o Estado, e para a OAS. Poucos dias depois do Manifesto dos 121 em Outubro de 1960, um contra-manifesto foi publicado, contendo as assinaturas de 300 personalidades políticas da direita. Entre os signatários estavam Roland Dorgelès, André François-Poncet, Henry de Monfried, Roger Nimer, Pierre Nord, Jules Romain, Michel de Saint-Pierre e Jacques Laurent. Eles condenavam tanto as actividades subversivas dos argelinos como a prática de tortura. O “julgmento das barricadas”, que abriu a 3 de Novembro de 1960, foi a ocasião para os apoiantes da Argélia Francesa apresentarem as suas teses. As ideologias anti-Terceiro Mundo para a “defesa do Ocidente” contra o “fanatismo muçulmano” tomaram forma. Graças à Guerra da Argélia, uma geração, pertencendo principalmente ao mundo estudantil, entrou para a política e juntou-se a um dos campos. O historiador Jean-François Sirinelli, no entanto, coloca a questão dessa “guerra da escrita” conduzida pela intelligentsia francesa:

“Não carregava mais peso o choque das fotos no Paris-Match, com os seus 8 milhões de leitores, do que as palavras dos intelectuais? E, a partir de Janeiro de 1959, qual era o impacto das reportagens televisivas do “Cinq colones à la une” (Cinco Colunas na Primeira Página), algumas das quais permaneceram muito mais firmemente enraízadas na memória colectiva do que uma petição ou outra por intelectuais? Isto era uma “guerra da escrita” mas também um período de mudança, quando imagens e sons continuaram a sua ascenção ao poder dentro da sociedade francesa”.

Revolução Social

No breve período antes e depois da Guerra da Argélia, um período que combinou crises, lágrimas, e violência, a França preparou o caminho do desenvolvimento mais extraordinário que alguma vez tinha conhecido. O povo francês, que entre mudanças de governo e ameaças de guerra civil não tinha tempo para se aborrecer, não viu essa revolução. E mesmo assim, a face do país mudou mais em 15 anos (1950-1965) do que num século.

Entre 1950 e 1960 o número de veículos motores na estrada aumentaria de 2 150 000 para 7 885 400. O número de passageiros de aviões aumentou para o quíntuplo. Era a era do avião Caravelle. O Trans Europ Express começou a funcionar no início de 1957. Entre 1950 e 1960 o comprimento total das linhas eléctricas duplicou. Em 1950 só havia 92 quilómetros de auto-estradas; em Dezembro de 1955, o Ministério das Obras Públicas planeou a construção de 2 000 quilómetros de auto-estradas, um plano que foi realizado em dez anos. Graças ás grandes barragens eléctricas, os blackouts tornáram-se nada mais que uma má memória para o povo francês. E, em 1957, a EDF começou a trabalhar na sua primeira central nuclear em Avoine, perto de Chinon. A central de processamento de gás natural em Lacq começou a operar em Maio de 1957; graças a essa produção, em 1960 só já havia 182 estações de energia a carvão, das 546 que existiam em 1945. Os exemplos continuam: eles constituem os sinais de uma introdução maciça na era moderna. A construção da Europa estava a avançar e deu uma viragem decisiva com a assinatura do Tratado de Roma. A 9 de Julho de 1957, a Assembleia Nacional, por uma margem de 273 votos, autorizou a ratificação do tratado do Mercado Comum.
Nestes anos decisivos, a França afastou-se definitivamente do seu carácter rural. Mas estava mal preparada para essa imensa revolução. A visão camponesa do mundo encontrou-se radicalmente transformada. As velhas e novas gerações discordavam não só acerca dos métodos de produção, mas também acerca dos próprios valores dessa sociedade. A maioria dos filhos dos camponeses que fizeram a Guerra da Argélia voltaram mudados.

A guerra feita numa terra distante acordou e reforçou o sentimento camponês de pertença à sua “terra”, a sua aldeia, a sua região. Para os jovens camponeses, a Guerra da Argélia também simbolizou o fim da competição económica das colónias. A retirada para o Hexágono favoreceu o crescimento do regionalismo, que se manifestou nos anos 70 na Bretenha, na região basca, e na Córsega. Agora as pessoas já não falavam de camponeses, mas de agricultores. Era suposto que estes agricultores pensassem em termos de produtividade, investimento, desvalorização, e não simplesmente em termos de poupanças. Eles confrontavam um modo de produção e vendas radicalmente diferente. A transformação estrutural que se estava a enraízar “mataria” os membros mais fracos. A agricultura tradicional estava fadada a evoluir ou morrer. “O caso Dominici”, que na altura apaixonou a França, era também um símbolo da morte do mundo rural (Gaston Dominici, dado como culpado de um triplo homicídio em Lurs, foi condenado à morte a 18 de Setembro de 1954).

Finalmente, no pano de fundo destas mudanças, a paisagem urbana foi profundamente mudada. O fim dos “anos argelinos” significou a construção de extensões de habitações, o crescimento dos subúrbios, e um novo (pobre?) modo de vida. O primeiro “hipermercado” (Carrefour) abriu em Sainte-Geneviève-des-Bois em 1963, enquanto que os subúrbios se desenvolviam, com Sarcelles (1961) como o seu emblema. Frigoríficos e televisores (800 000 em 1958, 3 milhões em 1962) profileravam em casas.

Dentro desse furacão, como poderiam aqueles que se tinham “arrastado” pelos djebels, ou que se agarravam à memória de uma terra perdida, fazer-se entender? Dentro da euforia do “progresso”, todos se entregaram à pressão do imediato, apanhados na avalanche de novidades e de consumo.

Quão Distante o Aures

Apenas dez anos após o fim da Ocupação, já o espaço político era determinado menos por marcas ideológicas do que por marcas sociológicas: a revolução da paisagem agrícola e o fim do mundo camponês, a explosão urbana na periferia das cidades, a intrusão maciça da televisão nas casas, o início da revolução nuclear. Essa nascente modernidade escondia as questões nascidas dos “anos argelinos”.

A ligação ao novo conforto que este velho país agora gozava, a memória de dois gigantescos banhos de sangue (as duas guerras mundiais), cujos traços ainda eram visíveis, se não na paisagem francesa, pelo menos em todas as praças de aldeia: tudo se juntava para levar a uma completamente nova aproximação aos problemas de uma guerra feita fora do Hexágono. A sociedade sabia, mas contentava-se a manter, o segredo de uma guerra não declarada. A relação com a morte era totalmente privada e excluída da vida pública: nenhuns discursos nos funerais, nenhumas lápides específicas, nenhumas inscrições particulares em monumentos de cidades ou aldeias celebrando o mérito daqueles mortos “por lá”. Essa tendência para excluir e esconder a morte levou as pessoas a renúnciarem o esforço de se entenderem com essa guerra. A era da sociedade de consumo e da sociedade do espectáculo tinha sido anunciada.

Ao mesmo tempo, a guerra serviu como uma revelação. O que estava a nascer sob a espessa máscara de indiferença era hostilidade contra o homem vivendo ou vindo do sul. Esse misterioso “outro” tinha resistido, tinha querido obter uma nacionalidade própria; aqui estava um homem cuja vida, esperanças, e história ninguém se deu ao trabalho de descobrir. Quão tão distante e estranho o Aures e os seus habitantes pareciam aos franceses. Com a Guerra da Argélia, o racismo colonial começou a atravessar o Mediterrâneo.
 

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Yosy

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« Responder #12 em: Junho 29, 2005, 09:13:27 pm »
Capítulo 8: o Fim Terrível da Guerra (1962)

A Guerra Franco-Francesa

No final de 1961, o governo da Quinta Républica parecia deparar-se com cada vez mais sérios obstáculos na aplicação da sua nova política. As negociações com a FLN encalharam na questão do Sara e tiveram que ser momentaneamente suspensas. Na Assembleia Nacional, a 8 de Novembro de 1961, durante o debate sobre o orçamento argelino, vários deputados do centro e da direita defenderam a ideia da representação da OAS e da necessidade do governo de considerar a sua presença. No dia seguinte, durante um estudo das atribuições militares, a chamada emenda Salan recebeu 80 votos. Em certos círculos da Polícia, Exército e da administração, era bem conhecido que a organização beneficiava de múltiplos e ás vezes significativos actos de cumplicidade. De acordo com o Superintendente da Polícia Jacques Delarue, que fazia parte da luta contra a OAS, “nós até sabíamos que havia uma toupeira no Palácio do Eliseu”.

Mas, dentro da própria Argélia, a OAS tinha que lidar com a repressão conduzida pelas forças de segurança – hesitantes no início, depois progressivamente firmes – e especialmente, as acções das redes da polícia paralela (os notórios “agentes secretos" – barbouzes – que começaram a chegar a Argel em Outubro de 1961) e as redes da FLN. Frequentemente agindo em conjunto, eles efectuaram um grande número de ataques individuais, respondiam ao terror com terror, e, em particular, recorriam a raptos. O clima de violência tornou-se mais agudo, mas, no jogo do terrorismo e contra-terrorismo, a OAS viu as suas infímas fileiras de combatentes diminuirem e as suas acções tornaram-se mais radicais.

Ficando para trás de Argel, mas usando os mesmos meios, a OAS em Oran também se envolveu em terrorismo, em ataques espectaculares (assaltos a bancos ou negócios para conseguir fundos), e em expedições sangrentas contra os muçulmanos argelinos. Assim, a 13 de Janeiro de 1962, seis homens da OAS disfarçados de gendarmes apareceram na prisão de Oran onde conseguiram que três militantes da FLN condenados à morte lhes fossem entregues. Eles executaram-nos poucos minutos depois. No dia seguinte, quatro prisioneiros da FLN fugiram. A OAS foi em perseguição, encontrou-os, e executou-os. A organização activista produziu emissões de rádio piratas, e, a 6 de Fevereiro, publicou 20 000 cópias de uma edição falsificada do L’Écho d’Oran, condenando “a política de abandono de de Gaulle”. O estado-maior da OAS já não podia contar com uma cedência do governo. O sonho de uma repetição de uma operação tipo-“13 de Maio” estava agora fora de questão. Só uma opção permanecia: insurreição armada, que, mantendo uma situação revolucionária, talvez impedisse a conclusão das negociações que se estavam a efectuar com a FLN.

Em França o fresco surto de ataques com explosivos plásticos em Janeiro e Fevereiro de 1962 pode servir para ilustrar esse aumento da violência: 40 ataques entre 15 e 21 de Janeiro (incluíndo 25 na região de Paris, 18 numa única noite de 17 para 18 de Janeiro), 33 entre 22 e 28 de Janeiro (23 na região de Paris), e 34 entre 5 e 11 de Fevereiro (27 na região de Paris). Na Argélia, 801 ataques da OAS, da FLN e dos anti-OAS foram registados entre 1 e 31 de Janeiro de 1962, causando 555 mortos e 990 feridos, com 507 ataques registados nas duas primeiras semanas de Fevereiro, causando 256 mortos e 490 feridos.
A 5 de Fevereiro de 1962, o General de Gaulle referiu-se a estes “incidentes” num discurso e declarou que, “por muito abomináveis que sejam”, eles só tinham uma “relativa” importância. Mesmo assim, ele disse claramente que os agitadores da OAS “têm que ser extirpados e punidos”. A metrópole estava a tornar-se cada vez mais hostil para a OAS: queriam estes europeus insurrectos uma Argélia Francesa, ou uma Argélia pied-noir, segundo o modelo da África do Sul?

O ataque ao edifício do apartamento de André Malraux, que custou a uma rapariga de quatro anos, Delphine Renard, a sua visão, seguiu-se imediatamente a um ataque a Jean-Paul Sartre e incitou a indignação de um público francês que tinha perdido a paciência. A esquerda denunciou “o perigo fascista” e, a 8 de Fevereiro, pediu uma manifestação da “defesa républicana”.

Respondendo ao apelo dos sindicatos (CGT, CFTC, FEN e UNEF) e dos partidos (PCF, Parti Socialiste Unifié, ou PSU – Partido Socialista Unificado – e Jeunesses Socialistes – Juventudes Socialistas), cinco procissões formaram-se, dirigindo-se para a Bastilha. Elas colidiram com um imponente aparato policial. Nessa manhã, o Ministério do Interior tinha relembrado a todos que todas as manifestações estavam banidas das vias públicas. Tal como na manifestação argelina de 17 de Outubro de 1961, Maurice Papon era o Perfeito da Polícia em Paris que coordenou as acções das forças de segurança. Nessa noite, a estação de metro de Charonne tornou-se parte da memória colectiva da esquerda (tal como o Muro dos Federados tinha sido). A multidão, em pânico, precipitou-se para a entrada do metro; um portão meio-aberto apanhou os corpos daqueles que caíam. Nesse amontoado humano, que bloqueava completamente a entrada, testemunhas viram um grupo de polícias de capacete “começarem a trabalhar”. Estes agentes atacaram o amontoado com bidules (longas mocas de madeira) e mandaram uma mesa de café e secções de ferro arrancado ás redes que protegiam as árvores. Entre os gritos, os gemidos, as camadas de feridos entrelaçados, oito corpos foram encontrados. Na Terça-Feira, 13 de Fevereiro, os funerais das oito vítimas de Charonne foram acompanhados por uma impressionante multidão estimada em 500 000. Uma greve geral nesse dia parou comboios, fechou escolas, e deixou os jornais silenciosos.

Quando a 7 de Março de 1962, as novas conversações de Evian começaram, os comandos da OAS aumentaram a sua ousadia e violência no solo argelino: houve ataques bazuca ás casernas de gendarmes móveis, e carros armadilhados causaram a devastação em bairros muçulmanos. Horror seguia-se a horror. Argel, e especialmente Oran, viviam com a morte, como tinham vivido antes com a peste bubónica, como foi descrito por Albert Camus em “La Peste”. A 15 de Março de 1962, em Argel, um grupo da OAS assassinou seis líderes de centros de educação social, incluíndo Mouloud Feraoun, um escritor e amigo de Camus. Ele tinha escrito no seu jornal a 28 de Fevereiro: “Eu tenho estado fechado em minha casa durante dez dias para escapar ás caças a arábes”.

Os Acordos de Evian e a Política de “Terra Queimada”

A 19 de Março de 1962, um cessar-fogo foi proclamado na Argélia. Era a “paz” finalmente! As notícias espalharam-se pelos fios telefónicos e ondas de rádio. Krim Belkacem acrescentou a sua elaborada assinatura ás de Louis Joxe, Robert Buron, e Jean de Broglie, os negociadores nomeados pelo General de Gaulle. Quatro semanas antes, num Conselho de Ministros, depois de Louis Joxe ter feito um relatório da conclusão das negociações secretas com o GPRA, o Primeiro-Ministro Michel Debré declarou: “Estamos a chegar ao fim de uma dolorosa prova. Malraux falou de vitrória, mas é uma vitória sobre nós mesmos. Agora tudo dependerá dquilo que a França se tornar”.

Em Evian, os negociadores do GPRA fizeram umas concessões em relação aos direitos dos europeus (dupla nacionalidade durante três anos, depois a opção da nacionalidade argelina ou o estatuto de imigrante residente privilegiado), controlo do Sara (direitos preferenciais para empresas francesas na distribuição de licenças de pesquisa e exploração durante seis anos, pagamento de combustíveis fósseis argelinos em francos franceses), e bases militares (Mers-el-Kébir premaneceria francesa durante um período de 15 anos e as instalações no Sara durante cinco anos). Em troca, a França declarou-se pronta a oferecer a sua ajuda económica e financeira à Argélia independente, em particular, continuando a executar o plano Constantina lançado em 1958, e a desenvolver cooperação cultural. A 3 de Outubro de 1958, o General de Gaulle tinha escolhido Constantina, uma cidade muçulmana na sua maioria, para dar a conhecer as principais linhas de um novo programa económico-social de cinco anos. Ele tinha depois enumerado as provisões decididas: a entrega de 25 000 hectares de terra aos agricultores muçulmanos; o estabelecimento de grandes blocos metalúrgicos e químicos; a construção de habitações para um milhão de pessoas; emprego regular para 400 000 novos trabalhadores; educação para dois-terços de crianças, com, nos cincos anos seguintes, educação para toda a juventude argelina; e salários e benefícios iguais aos da metrópole.

Das 93 páginas dos acordos de Evian, dos seus 111 artigos complementados por infinitas partes, secções, e apêndices, a metrópole reteu duas passagens em particular. Primeira: “um cessar-fogo é estabelecido. Porá fim ás operações militares e luta armada em todo o território argelino ás doze horas de 19 de Março”. A guerra foi assim reconhecida no momento em que o tratado que acabaria com ela foi assinado. E segunda: “Os cidadãos franceses da Argélia participarão em assuntos públicos numa maneira justa e genuína (...) Os seus direitos de propriedade serão respeitados. Nenhuma medida de desalojamento será tomada contra eles sem lhes entregar uma compensação equivalente que terá sido fixada de início.”

Mas a assinatura dos acordos de Evian não pôs fim à Guerra da Argélia. No rescaldo das negociações entre o GPRA e o governo francês, os líderes da OAS, num folheto publicado a 21 de Março de 1962, proclamaram que as forças francesas eram consideradas “tropas de ocupação” na Argélia. Os apoiantes activistas da Argélia Francesa apoderaram-se de Bab-el-Oued. Eles transformaram o distrito num enorme Fort Chabrol e atacaram camiões militares. A “batalha de Bab-el-Oued” produziu 35 mortos e 150 feridos.

Na manhã de 26 de Março, o comando da OAS declarou uma greve geral na grande Argel. Apelou aos europeus para se reunirem, desarmados por princípio, no planalto de Glières e na Parça Laferrière. O objectivo era dirigirem-se para Bab-el-Oued para furar o cerco do distrito. O Tenente Ouchene Daoud liderava o bolqueio da Rua d’Isly, banindo o acesso a Bab-el-Oued  do centro de Argel. As ordens de Paris eram claras: não ceder aos distúrbios. Quando Ouchene Daoud e os seus superiores perguntaram em que condições poderiam usar as suas armas se necessário, a resposta chegou ao quartel-general da 10ª região militar: “Se os manifestantes persistem, abram fogo”. Ás 1445, o estrondo de uma rajada de uma metralhadora Bren atingiu as tropas vindo da varanda do 64, Rua d’Isly. O posto de comando do regimento deu ordem para responder. Na esquina da Avenida Pasteur com a Rua d’Isly, a metralhadora ceifou os manifestantes. 46 mortos e 200 feridos (20 dos quais não sobreviveram) foram contados, quase todos civis de Argel. Após o tiroteio da Rua d’Isly, a OAS começou a recuar. Em Abril de 1962, os europeus da Argélia começaram a abandonar a sua terra nativa em massa, indo para a metrópole.

Enquanto Argel vivia estas horas sangrentas, Oran estava em estado de choque: o General Edmond Jouhaud e o seu assistente Camelin estavam presos. A 28 de Março, Abderrahmane Fares, presidente do “corpo executivo provisório” argelino concebido após Evian, mudou-se com a sua equipa do “complexo administrativo de Rocher-Noir”. A 8 de Abril, um referendo maciço organizado pelo Palácio do Eliseu (90,7 % dos eleitores aprovaram o referendo, com 24,4 % de eleitores recenseados a não participarem) deu ao Presidente da Républica a capacidade legal “de estabelecer acordos e tomar medidas sobre o tema da Argélia, na base das declarações governamentais de 19 de Março de 1962”. Longe de acalmar o comando da OAS, os resultados desse referendo provocaram uma escalada frenética da “política de terra queimada”.

Em Oran, na manhã de 24 de Abril, a OAS atacou uma clínica pertencente ao Doutor Jean-Marie Larribère, um militante comunista que era muito conhecido na cidade. Duas mulheres, uma das quais tinha acabado de dar à luz, conseguiram escapar à completa destruição do edifício. Os ataques com explosivos plásticos e metralhadoras ocorriam a uma velocidade mortífera. Gendarmes móveis eram assaltados e veículos blindados contra-atacavam com canhões de 20 e 37 mm. Ataques ocorriam ao acaso contra edifícios habitados por europeus. Aviões juntaram-se ao conflito com as suas metralhadoras pesadas. A 23 de Abril de 1962, a Associação de Bares de Oran publicou um comunicado à imprensa denunciando “estes ataques contra uma população civil, que seriam contrários à Convenção de Haia em tempo de guerra (...) em tempo de paz, e entre os franceses, eles confundem a mente”.

Apesar das ordens da OAS que proibiam os europeus de deixarem o país (as agências de viagens estavam sob vigilância), o êxodo para a metrópole começou. A 15 de Abril, o Le Chanzy desembarcou o primeiro contingente de “repatriados” vindos de Oran. Os ataques da organização não acabaram. Pode-se até dizer que o terrorismo aumentou em violência, com o assassínio de indivíduos muçulmanos, caças-ao-homem, explosões de bombas de plástico, fogo de morteiro.

No final de Abril um carro armadilhado explodiu num mercado que era muito frequentado por argelinos nesse mês santo do Ramadão. Foi o primeiro da sua espécie (a 2 de Maio, o mesmo método foi repetido: um carro armadilhado explodiu no porto de Argel, causando 62 mortos e 110 feridos, todos muçulmanos).

Em Oran em Maio, 10 a 15 argelinos eram mortos pela OAS diáriamente. As coisas tornaram-se tão selvagens que as pessoas que ainda viviam em bairros europeus deixaram-nos à pressa. Elas barricaram-se, protegendo-se como podiam. Alguns muçulmanos deixaram Oran para se juntarem ás suas famílias nas aldeias, ou em cidades que não tivessem uma grande população europeia. Outros organizaram-se numa espécie de grupo autónomo no enclave muçulmano. Representantes políticos da FLN surgiram, e uns meios de sobrevivência foram concebidos (operações de abastecimento, recolha de lixo). Mas, neste ciclo mortal que não tinha fim, com rajadas de armas automáticas ouvindo-se aqui e ali, dia e noite, o que seria da população europeia, especialmente depois da proclamação da independência, quando as tropas do ALN penetrassem na cidade? Os líderes da FLN tinham cada vez mais dificuldade em reter uma população muçulmana exasperada que queria contra-atacar.

No entanto, os líderes da OAS que ainda estavam em liberdade sabiam que tinham perdido a luta. O Exército Francês não se moveu em seu favor e o moral estava no ponto mais baixo após as detenções de Salan, Jouhaud, e Degueldre, e o falhanço de uma força clandestina da OAS no Ouarsenis. Além disso, não havia nada a esperar do estrangeiro. E havia, também, o contínuo êxodo, a hemorragia. Começando no final de Maio, oito a dez mil pessoas, aqueles que seriam mais tarde chamados de pieds-noirs, deixaram a Argélia, levando apressádamente as suas possessões mais valiosas consigo.

7 de Junho de 1962 foi um dos pontos culminantes da “política de terra queimada”. Os “comandos Delta” da OAS queimaram a biblioteca de Argel, incendiando os seus 60 000 livros. Em Oran, a Câmara Municipal, a biblioteca municipal, e quatro escolas foram destruídas por explosivos. Mais do que nunca, a cidade, onde reinava total anarquia, estava dividida em duas: nem um único argelino se movia na cidade europeia. A decisão de Paris de abrir a fronteira aos combatentes do ALN estacionados em Marrocos causou ainda mais pânico entre os europeus. Num estado de fantástica desordem, a Argélia foi esvaziada dos seus gerentes e técnicos. Preocupado com a paralisia geral que ameaçava o país, Abderrahmane Fares decidiu negociar com a OAS através do intermediário que era Jacques Chevallier, antigo vice-presidente da Câmara de Argel.

O acordo com a FLN, assinado em Argel a 18 de Junho por Jean-Jacques Susini em nome da OAS, foi rejeitado em Oran. A 25 e 26 de Junho, numa cidade coberta com o fumo dos fogos, comandos da OAS atacaram e roubaram seis bancos. Após a proclamação do Coronel Dufour (antigo líder do 1º Regimento Estrangeiro de Pára-Quedistas e líder da OAS de Oranie) de que a OAS devia baixar as armas, era tempo de fugir. Em traineiras carregadas de armas (e dinheiro), os últimos comandos da OAS foram para o exílio. Durante esta altura, os europeus que deixavam Oran chegaram ao tamanho de uma onda de humanidade. Milhares de pessoas desesperadas e desorientadas esperavam pelos navios num estado de destituição total. Agora que a Argélia tinha sido transformada num inferno, elas tinham de fugir o mais depressa possível de um país ao qual permaneceriam ligadas com todas as fibras do seu ser.

O Abandono dos Harkis

No estado de emergência de Junho de 1962, o embarque dos pieds-noirs parecia uma fuga. Mas aqueles que foram verdadeiramente esquecidos, verdadeiramente ausentes do êxodo apressado, foram os muçulmanos pró-franceses, que seriam designados pelo termo geral de harki. O primeiro harka (uma palavra árabe que significa “movimento”) tinha sido formado no Aures em Novembro de 1954.

Antes de 19 de Março de 1962, oficiais da SAS tinham-se preocupado em transferir aqueles que estavam ameaçados para a metrópole. Mas um telegrama datado de 16 de Maio de 1962, mandou-os parar: “O Ministro de Estado – Louis Joxe – pede ao Alto Comissário para se lembrar de que todas as iniciativas individuais que pretendam fixar os muçulmanos franceses na metrópole são estritamente proibidas.” Outra directiva do mesmo ministro, datada de 15 de Julho de 1962, dizia: “As tropas auxiliares que estão a desembarcar na metrópole, desafiando o plano geral, serão mandadas de volta para a Argélia.” Estes oficiais disseram mais tarde: “Perdemos a nossa honra com o fim dessa Guerra da Argélia.”

Quantos desses “auxiliares” do Exército Francês existiam? A 13 de Março de 1962, um relatório transmitido à ONU fixou o número de muçulmanos pró-franceses em 263 000 homens: 20 000 soldados profissionais; 40 000 soldados do contingente; 58 000 harkis, unidades auxiliares formadas a partir dos grupos de defesa civil, ás vezes promovidas a “comandos caçadores,” unidades que, fornecidas ao rácio de uma por sector militar, foram constituídas em Kabylia, no Aures, e no Ouarsenis; 20 000 moghaznis, unidades da Polícia constituídas a um nível local e sob as ordens dos líderes da SAS; 15 000 membros dos Groupes Mobiles de Protection Rurale, ou GMPR (Grupos Móveis de Protecção Rural), mais tarde chamados de grupos de segurança móvel e assimilados pela polícia de segurança do Estado (CRS); 60 000 membros de grupos de defesa civil; e 50 000 funcionários eleitos, veteranos, e funcionários.

A área geográfica de recrutamento, alistamento, e participação nas actividades e operações do Exército Francês por parte das unidades muçulmanas auxiliares não estava restringida a um único departamento francês da Argélia, mas estendia-se a todas as regiões, constituíndo um espaço heterogéneo. Estavam estes argelinos a serem “manipulados” por oficiais franceses? Mobilizavam-se espontaneamente para a defesa da civilização francesa na Argélia? Era esse envolvimento apenas um aspecto das “guerras” entre famílias, dentro de uma única aldeia (um parente nas guerrilhas, outro nos harkis)? Sem dúvida que existia um pouco de tudo.

Na verdade, a história dos harkis é inseparável do destino sofrido pelo campesinato argelino durante a Guerra da Argélia. O trabalho de Abdelmalek Sayad e Pierre Bourdieu (1963) revelou as profundas revoluções que marcaram a tradicional sociedade rural durante estes anos de guerra: a deslocação maciça de populações (mais de 2 milhões de pessoas rurais), o empobrecimento, o marcado descontentamento com a condição camponesa, a mudança de uma economia de permuta para uma economia de mercado, o definhamento do espírito camponês, o alto valor dado a empregos não-agrícolas. A nova fragilidade psicológica nascida da pobreza social e do desenraízamento aguçou ainda mais a preocupação em preservar o património, a terra. Essa dimensão explica grande parte do alistamento nos harkis e o crescimento das forças de guerrilha do ALN: a terra tinha de ser protegida ou recuperada. À primeira vista o que estava em causa não era lealdade positiva a uma bandeira (francesa ou argelina). Violência, homicídio, o “ajustamento de contas” (ás vezes entre as próprias famílias camponesas), em resumo, a dinâmica da guerra endureceu comportamentos e compromissos. Depois as pessoas foram apanhadas numa série de acontecimentos. Os nacionalistas argelinos precisavam denunciar a existência de “colaboradores” para legitimar a sua concepção de nação unânime; os oficiais franceses precisavam de harkis para mostrar a lealdade das agora “pacificadas” populações nativas. Em ambos os casos, os camponeses argelinos encontraram-se transformados contra a sua vontade em “fiéis servidores da França” ou “absolutos traidores” da terra natal argelina. Várias dezenas de milhares deles foram massacrados após a indepedência argelina, enquanto outros encontraram enormes dificuldades em se integrarem na sociedade francesa, vivendo como párias.

A Vitória Argelina, e as Divisões

Os acordos de Evian marcaram uma nova era na história argelina. A indepedência fora conseguida, a vitória estava iminente. No entanto, paradoxalmente, o período que se seguiu ao cessar-fogo de 19 de Março de 1962, mostrou a fraqueza da FLN-ALN dentro do país. Os líderes da FLN no território não conseguiram controlar negócios financeiros, e um considerável volume de terrenos e edifícios mudou de mãos no êxodo maciço da minoria europeia. Em apenas algumas semanas, o número de artífices e pequenos comerciantes argelinos cresceu rapidamente, de 130 000 para 180 000. Algumas iniciativas aqui e ali tentaram controlar o processo especulativo, particularmente através da criação de “comités de gerencia” nas terras deixadas vagas pelos colonos. Mas, acima de tudo, as wilayas do interior, que não tinham mais do que alguns milhares de djounouds antes dos acordos de Evian, subsquentemente “incharam” em tempo recorde.

A crise dentro da FLN rebentou publicamente no Congresso de Tripoli, realizado entre 25 de Maio e 7 de Junho de 1962. No entanto, um programa foi adoptado de forma unânime lá, quase sem discussão, pelo “Parlamento” do movimento nacionalista vitorioso, o CNRA.

Nos seus pontos principais, o programa subscrevia a ideologia popular já expressada no Congresso de Soummam em Agosto de 1956:

O esforço criador do povo manifestou-se em grande parte através dos orgãos e instrumentos que forjou para si próprio sob a liderança da FLN, para a conduta geral da guerra de libertação e futura constituição da Argélia. A união do povo, ressurreição nacional, a perspectiva de uma transformação radical da sociedade, são esses os resultados principais que foram obtidos como resultado de sete anos e meio de luta armada.

A nível político, a primazia da FLN foi reafirmada contra o GPRA, “que, com o seu nascimento, se confundiu com a liderança da FLN, e contribuiu para enfraquecer tanto a noção do “estado” como do “partido”. A amálgama de instituições do estado e de autoridades da FLN reduziu o último a nada mais que um aparato administrativo.” Isto era um ataque pouco velado contra o GPRA, que tinha negociado os acordos de Evian: “Os acordos de Evian constituem uma plataforma neocolonialista que a França está a preparar para usar para estabelecer e assegurar a sua nova forma de domínio”.

Assim, uma corrente, formada em redor de Ben Bella, e especialmente, em redor do Estado-Maior do ALN, liderado por Houari Boumédienne, opôs-se aos líderes do GPRA: propunha transformar a FLN num partido, e criar um gabinete político. Pela sua parte, Ben Khedda e os seus amigos queriam preservar o GPRA até as coisas estarem prontas em Argel. De noite, entre 5 e 7 de Junho de 1962, Ben Khedda deixou o CNRA sem aviso. Os outros participantes dispersaram na confusão. A 30 de Junho, na véspera do referendo, o GPRA reuniu-se em Tunis, menos Ben Bella, que tinha ido apressádamente para o estrangeiro. O GPRA decidiu então dissolver o Estado-Maior, exonerar o Coronel Boumédienne e os seus dois assistentes, Ali Mendjli e Kald Ahmed. Ordenou ás wilayas “para não tolerar qualquer infracção à sua autoridade por elementos irresponsáveis cujas actividades só podem culminar em lutas fratricidas”.

Cada facção tinha forças armadas, tropas militantes em que podia confiar. A guerra contra o poder colonial foi seguida pela guerra entre facções da FLN. Seguro dentro de Ghardimaou, na fronteira entre a Tunísia e a Argélia, o Estado-Maior classificou a decisão do GPRA de “ilegal” e “nula e vazia”. A 28 de Junho de 1962, o Coronel Houari Boumédienne ordenou aos seus homens – 21 000 na Tunísia, 15 000 em Marrocos – “para se prepararem para entrarem na Argélia, em unidades formadas dentro da região designada pelo Estado-Maior.” Os primeiros homens e o seu equipamento pesado penetrariam no país nos dias seguintes. A aliança entre Houari Boumédienne e Ahmed Ben Bella conseguiu criar raízes na tomada do poder. Boumédienne finalmente afastou Ben Bella num golpe militar a 19 de Junho de 1965.

Independência

“Quer que a Argélia se torne num estado independente, cooperando com a França sob as condições definidas pela declaração de 19 de Março de 1962?” No Domingo, 1 de Julho de 1962, na Argélia, 6 milhões de eleitores responderam sim a essa pergunta; uns meros 16 534 disseram não.

Os resultados, tornados públicos a 3 de Julho, demonstraram um voto sim de 91,23 % de eleitores registados, 99,72 % daqueles que participaram na votação. O General de Gaulle aprendeu a lição desse resultado previsível. Durante uma breve cerimónia a 3 de Julho, no complexo administrativo de Rocher-Noir, perto de Argel, Christian Fouchet, Alto Comissário da França, entregou a Abderrahmane Fares, presidente do “corpo executivo provisório” formado após os acordos de Evian, a carta do general, que reconhecia a independência argelina:

"A França tomou a devida nota dos resultados de 1 de Julho de 1962, a votação sobre a autodeterminação e a aplicação das declarações de 19 de Março de 1962. Reconheceu a independência da Argélia. Como resultado disso, e de acordo com a secção 5 da declaração geral de 19 de Março de 1962, os poderes relacionados com a soberania sobre os territórios dos antigos departamentos franceses da Argélia são, começando hoje, tranferidos para o corpo executivo provisório do Estado argelino. Nesta circunstância solene, Sr. Presidente, eu quero expressar com toda a sinceridade os meus melhores sentimentos que eu, com a França como um todo, desejamos para a Argélia."

“Sete anos bastam!” Esse slogan, verdadeiro para a maioria dos argelinos, espalhou-se pelas cidades e pelo campo. Eles exigiam um fim para os tempos maus. Os excessos, as purgas sangrentas, os lutadores-até-ao-fim, e os rumores de diferenças no topo eram preocupantes. Mas nada podia estragar o regresso da paz e da liberdade. Depois da guerra, depois do sofrimento e humilhação, a vitória obrigava-os a estarem felizes, e assim a esquecer.

Oran, as Tragédias Finais

Com o fim oficial da guerra, parou finalmente o derramamento de sangue? A 5 de Julho de 1962, deu-se um acontecimento trágico em Oran. Uma multidão dos bairros muçulmanos invadiu a cidade europeia cercas das onze horas da manhã. Os primeiros tiros foram disparados. Ninguém sabia as causas do tiroteio. Segundo os repórteres do Paris-Match presentes, “fala-se de uma provocação da OAS, claro, mas isso parece ser improvável. Não restam quaisquer comandos, ou quase nenhuns, entre os europeus que permaneceram em Oran depois de 1 de Julho, que, na verdade, é considerada uma data tão fatídica como 1940”. Nas repentinamente vazias ruas, a caça aos europeus começou.

Na boulevard du Front de Mer, havia vários corpos. Perto da boulevard de l’Industrie, tiros foram disparados contra condutores, um dos quais foi atingido e desmaiou ao volante assim que o seu carro chocava contra uma parede. Uma europeia que foi à varanda na boulevard Joseph Andrieu foi morta. Cerca das três da tarde, o tiroteio aumentou em intensidade. Perto do cinema “Rex”, uma das vítimas desse massacre podia ser vista pendurada num gancho para carne. Os franceses, em pânico, refugiavam-se onde podiam, nos escritórios do L’Echo d’Oran, ou fugiam para a base de Mers-el-Kébir, do Exército Francês.
Durante esse tempo, o General Katz, comandante da instalação militar em Oran, estava a almoçar na base aérea de La Sebia. Alertado acerca dos acontecimentos, segundo o historiador Claude Paillat, ele respondeu a um oficial: “Vamos esperar até ás cinco da tarde para decidir o que fazer”. As tropas francesas esperaram, as armas a seus pés, pois o Ministério dos Exércitos tinha-as proibido de deixar os seus quartéis. Precisamente ás cinco da tarde, o tiroteio acalmou. Nos dias que se seguiram, a FLN recuperou o controlo da situação e começou a prender e executar os amotinadores.

O custo de 5 de Julho foi alto. Segundo os números apresentados pelo Doutor Mostefa Nalt, director do complexo hospitalar em Oran, 95 pessoas, incluíndo 20 europeus, foram mortas (13 esfaquadas até à morte). A somar a isto, 161 foram feridas. Os europeus relataram cenas de tortura, pilhagens, e, acima de tudo, raptos. A 8 de Maio de 1963, o secretário para assuntos argelinos declarou na Assembleia Nacional que 3 080 pessoas tinham sido dadas como raptadas ou desaparecidas: 18 foram encontradas, 868 libertadas, e 257 mortas (por toda a Argélia, mas especialmente em Oranie).

Assim acabou a presença francesa nessa “jóia do império”, Argélia Francesa. A 12 de Julho de 1962, Ahmed Ben Bella mudou-se para Oran. Outra batalha começou – a batalha pelo poder na Argélia.

No outro lado do Mediterrâneo, aqueles que seriam daí em diante chamados de pieds-noirs estavam preocupados em encontrar o seu lugar na sociedade francesa e em procurar os locais da memória perdida da Argélia Francesa. A “padroeira” de Oran, Nossa Senhora de Santa-Cruz, aceitou a hospitalidade da humilde igreja de Courbessac, perto de Nimes.
 

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fgomes

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« Responder #13 em: Junho 29, 2005, 09:50:29 pm »
É curioso que em muitas das "guerras de libertação" as forças de guerrilha pouco antes do fim das guerras em que estiveram envolvidas, estavam à beira do colapso, como por exemplo na Argélia, Angola ou na Rodésia, mas acabaram por ganhar por desistência dos adversários.

Também é caso para perguntar, passados 40 anos, se o balanço da Argélia independente é positivo...
 

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Yosy

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« Responder #14 em: Julho 01, 2005, 02:45:49 pm »
^^^^ os "ventos da mudança" eram inevitáveis. Se está melhor ou pior isso é lá com eles - queriam a independência, tiveram-na.

Capítulo 9: o Custo da Guerra

Perdas Humanas e Materiais

Na sua conferência de imprensa a 11 de Abril de 1961, o General de Gaulle declarou: “A Argélia está-nos a custar – isto é o mínimo que se pode dizer – mais do que está a trazer (...) Agora a nossa grande ambição nacional tornou-se o nosso próprio progresso, a verdadeira fonte de poder e influência. A verdade é que, descolonização é no nosso interesse, e, como resultado, é a nossa política.” Sabemos, particularmente através do trabalho do historiador Jacques Marseille (1989), que, à medida que a Guerra da Argélia se desenrolava, a questão colonial estava a começar a tornar-se “um fardo” para certos ramos do capitalismo francês. O desenvolvimento de novas formas de produção, a pressão da competição internacional, o fim do mundo camponês, e a abertura da economia ao exterior eram tudo mudanças que levaram certos participantes na vida económica a querer parar o esbanjamento de considerável capital no império sem qualquer benefício. No entanto havia uma oposição entre o reino “político”, que pretendia manter a força de um império, e o reino “económico”, que estava mais preocupado com rendimentos e eficácia.

É por isso que a Guerra da Argélia era ainda mais cara para a economia francesa, operando mesmo como um travão à rápida modernização da sociedade como um todo. Essa dimensão não pode ser incluída na “contabilidade” da guerra. A natureza dispersa das atribuições orçamentais e o critério indeterminado para cálculos fazem com que qualquer avaliação dos custos financeiros seja muito problemática. Num estudo publicado no Le Monde a 20 de Março de 1962, Gilbert Mathieu deu uma estimativa, apenas para o tempo da guerra, de 27 a 50 biliões de francos, isto é, 10 % a 18 % do produto interno bruto de 1961. Mas devemos apenas considerar as despesas militares ocorridas entre 1954 e 1962? As várias contribuições da tesouraria francesa para o orçamento argelino, o “plano Constantina”, que representou um compromisso financeiro na ordem dos 2,5 biliões de novos francos, e a responsabilidade assumida pelas centenas de milhares de repatriados entre 1962 e 1965, estimada a um custo de 7,2 biliões, também têm que ser tidas em conta. E, acima de tudo, se desejamos estabelecer um custo económico e social, como podemos “discriminar” o custo dessa guerra para a sociedade argelina, através do deslocamento maciço de populações, o empobrecimento do campesinato, e a destruição do potencial económico pela política de “terra queimada”?

Durante a parte inicial da guerra (1954-1958) o Exército Francês estava satisfeito em juntar longas listas em comunicados à imprensa, vistas como campanhas psicológicas verídicas de desmoralização e desgaste contra o ALN/FLN. O seu jornal Le Bled publicava regularmente listas de “perdas rebeldes” em homens e equipamento (listas reeditadas por alguma da imprensa corrente). Assim, o General Salan anunciou que para a primeira semana de Fevereiro de 1957, “mais de 700 rebeldes foram mortos, e quase 200 foram presos; quatro metralhadoras, dois morteiros, várias pistolas, e 500 espingardas de guerra foram recuperadas após as batalhas.” Para o mesmo mês, Robert Lacoste proclamou que “2 512 rebeldes [foram] mortos.” Isto era a grande era de uma iminente vitória militar, o “último quarto de hora”. Devemos notar que o número de feridos e detidos era muito menor que o número de mortos.

O Exército Francês não publicou números sobre as suas perdas militares. Por exemplo, não há uma linha no Le Bled sobre a mortífera emboscada em Palestro a 18 de Maio de 1956 durante a qual 19 soldados franceses foram mutilados e massacrados. Não foi até à conferência de imprensa do General de Gaulle a 23 de Outubro de 1958, que os primeiros números oficiais sobre a guerra apareceram:

“Devem saber que, nos últimos quatro anos na Argélia, cerca de 1 500 civis de descendência francesa foram mortos, enquanto que mais de 10 000 muçulmanos – homens, mulheres, e crianças – foram massacrados pelos rebeldes, quase sempre com a garganta cortada. Na metrópole, pelas 75 pessoas de descendência francesa que perderam as suas vidas em ataques, 1 717 muçulmanos caíram vítimas das balas ou facas do assassino. Quantas vidas, quantos lares, quantas colheitas  protegeu o Exército Francês na Argélia! E a que chacina estaríamos a condenar este país se fossemos estúpidos e cobardes o suficiente para abandoná-lo! Essa é a razão, o mérito, o resultado, de tantas acções militares na forma de homens e diligências, de tantos dias e noites de guarda, de tantos reconhecimentos, patrulhas, escaramuças. Ah! 77 000 rebeldes foram mortos na luta.”

Na sua conferência de imprensa a 10 de Novembro de 1959, o General de Gaulle deu indicações diferentes do número de baixas. Nessa data ele listou, “desde o início da rebelião”, 171 000 mortos: 13 000 soldados franceses, 145 000 “rebeldes”, 1 800 “civis de descendência francesa”, e 12 000 civis muçulmanos.
Assim, num ano, entre Outubro de 1958 e Novembro de 1959, mais de 6 000 soldados franceses e 68 000 “rebeldes” foram supostamente mortos, isto é, tantos como na primeira fase do conflito. Isso parece pouco provável, apesar da ferocidade das campanhas militares (as operações “Jumelles”). Um ano depois, a 25 de Novembro de 1960, o General de Gaulle declarou ao editor principal do L’Echo d’Oran: “Nós já matámos 200 000, andamos a matar outros 500 todas as semanas”.

Na altura em que os acordos de Evian foram assinados em Março de 1962, o número total de perdas francesas na Argélia foi estimado pelas autoridades militares:

- Mortos: 12 000, incluindo 9 000 de descendência francesa, 1 200 legionários, e 1 250 muçulmanos. A somar a isto, as forças auxiliares contaram 2 500 mortos.
- Feridos: 25 000, incluindo 18 500 de descendência francesa, 2 600 legionários, e 2 800 muçulmanos, a somar aos 3 500 feridos entre as forças auxiliares. Além disso, acidentes produziram 6 000 mortos, incluindo 4 500 de descendência francesa, 800 legionários, e 900 muçulmanos, e 28 700 feridos, incluindo 22 000 de descendência francesa, 2 000 legionários, e 3 900 muçulmanos.
- Um total de 198 pessoas de descendência francesa ainda estão dadas como desaparecidas. Quase 7 000 rebeldes feridos estão a ser tratados nos centros médicos franceses.

Antes de passarmos ao número de “baixas rebeldes”, vamos analisar um número, o das “mortes acidentais”. De acordo com os números oficiais, um terço dos soldados franceses mortos durante a Guerra da Argélia morreu em acidentes e não em combate. Os feridos por acidentes representam dois terços dos feridos. Isto incluía acidentes de todos os tipos: mau manuseamento de armas, sentinelas que tinham adormecido, disparos ao acaso, alvos errados, e, acima de tudo, acidentes de veículos. Várias campanhas foram efectuadas pelos jornais militares em particular numa tentativa de reduzir o número da chacina.
As indicações presentes numa nota do Renseignements Généraux (Serviço de Informação Geral) de 9 de Março de 1962, baseada em fontes militares francesas, são as mais surpreendentes em termos de “perdas rebeldes argelinas”. Elas são estimadas em 141 000! Isto é, menos 4 000 que o número apresentado pelo General de Gaulle na sua conferência de imprensa dada dois anos e meio antes. Na altura, ninguém reparou na “anomalia”.

O Exército Francês dividiu as “perdas muçulmanas” em duas categorias: tropas ALN/FLN desactivadas e muçulmanos argelinos mortos pela FLN/ALN.
Quanto à população civil, não há números conhecidos para depois de 19 de Março de 1962.

Com estes números civis, o total de muçulmanos argelinos mortos até 19 de Março de 1962, aumentaria assim para 243 378, de acordo com números oficiais franceses.
No Congresso de Tripoli em Junho de 1962, a FLN apresentou as estimativas que seriam tomadas como definitivas: “Um milhão de mártires caíram pela causa da independência argelina.” O Chant d’Alger (Carta de Argel, publicado pela FLN em 1964) certificou que havia 300 000 orfãos de guerra, incluindo 30 000 que tinham perdido ambos os pais, na altura da independência, e “mais de 1 milhão de mártires, quase 3 milhões de pessoas expulsas das suas casas e aldeias para seram reunidas em centros especializados criados para esse fim, 400 000 refugiados, sobretudo na Tunísia e Marrocos, 700 000 migrantes para as cidades das áreas rurais.”

De acordo com as estimativas mais plausíveis, o conflito produziu quase 500 000 mortos (todas as categorias combinadas, mas particularmente argelinos).
Nos meses que se seguiram à independência argelina, o massacre de dezenas de milhares de harkis, o rapto de europeus (especialmente em Oranie), as lutas pelo poder entre as wilayas, aumentaram considerávelmente o já pesado custo dessa “guerra anónima”.

A Perda do Império e a Crise do Nacionalismo Francês

Quarenta anos depois do fim das hostilidades, o custo da Guerra da Argélia continua a levantar outros problemas de avaliação e interpretação para historiadores, em particular, a crise do nacionalismo francês e a emergência e começo de actividade de um “forte estado” nascido dessa guerra.

Na sua conferência de imprensa a 14 de Junho de 1960, o General de Gaulle realçou que se tinha que virar as costas ao passado: “É completamente natural sentir nostalgia por aquilo que o império foi, tal como se pode sentir saudade da luz suave dos candeeiros a petróleo, o esplendor da marinha de barcos à vela, o charme da era dos coches. Mas e então? Nenhuma política é válida excepto a das realidades”. E ele explicou que o fim da Guerra da Argélia era uma oportunidade para a França abrir um novo caminho, para ajudar os países do Sul. Mas esse novo épico foi proposto num momento marcado pela incerteza demográfica, ansiedade industrial, e dúvidas sobre os valores básicos da nação. O fim da Guerra da Argélia enfraqueceu o Exército (800 oficiais superiores foram exonerados entre 1961 e 1963); dividiu a Igreja e quebrou o consenso que resultara da Resistência.

Apenas dez anos depois da 2ª Guerra Munidal, o parentesco e participação nessa história única chamada “a Resistência” e “a Libertação” tinham sido destruídos. A rejeição da derrota de 1940 e do episódio de Vichy tinham restaurado os valores patrióticos que tinham quase desaparecido. Com a Guerra da Argélia, o pacto sobre as memórias apropriadas foi quebrado. A Guerra da Argélia causou uma verdadeira crise no nacionalismo francês, isto é, numa certa concepção da França, o seu papel, a sua “missão civilizacional” nas colónias. Levou a este paradoxo: embora o período provocasse a construção de um forte estado em 1958, culminou na crise do nacionalismo francês, da sua centralizada, tradição jacobina. O momento esperado da independência argelina acelerou o processo de tomada de consciência e aumentou as dúvidas. O nacionalismo francês tradicional não encontrou maneira de se expressar excepto como “a resistência ao abandono”, a rejeição da “decadência”. Em “Algérie Française”, publicado em 1959, André Ficeras escreveu: “Enquanto ainda tivermos a Argélia, somos grandes, somos fortes, somos duradouros. Temos um destino incomparável lá.”

Começando em 1959, o General de Gaulle, essencialmente através da magia da linguagem, desempenhou um papel na libertação da opinião pública da memória assustadora da “decadência” e “humilhação” e na liderança do público em aprovar e aceitar a independência argelina. Mas o colapso do império num clima de guerra civil argelina levou a uma crise de consciência francesa quando os franceses foram obrigados a aceitar uma deslocação decisiva da comunidade francesa. E isto chegou numa altura em que a construção da Europa, ainda no seu estado embrionário, não estava a ser bem sucedida em recolher o fervor, a energia, disponíveis após o fim da aventura colonial. Nos acontecimentos trágicos que destruíram “famílias” políticas, culturais e intelectuais, os franceses confiaram o seu duro destino à magistratura suprema. Havia uma exigência insistente para resolver as tensões, para regressar à tradição bonapartista. A tradicional esquerda francesa também emergiu sériamente enfraquecida pela Guerra da Argélia. Um governo esquerdista associado com a prática da tortura e guerra; a desconfiança de grande parte dos intelectuais, a maioria dos quais se tinha juntado à esquerda após a Libertação; a deterioração do SFIO, que “rejeitava o falso direito dos povos de disporem de si mesmos em nome da libertação humana” (nas palavras de Marc Sadoun); o verdadeiro início da crise interna do PCF, que não se permitia reconhecer qualquer particularismo além do comunismo – as profundas alterações exprimentadas pela esquerda na altura prediziam uma verdadeira redefinição dos seus valores políticos. Essa crise enfraqueceu as fundações da ideologia républicana, o ponto de referência para a esquerda francesa socialista e comunista. E finalmente, entre 1954 e 1962, ondas sucessivas de soldados franceses, mais de 2 milhões, foram para a Argélia para lutarem numa guerra. Durante estes sete anos, uma Républica tinha caído e outra nascido, centenas de milhares de argelinos tinham morrido vítimas desse conflito, e 1 milhão de pieds-noirs tinham deixado o país onde as suas famílias tinham vivido à gerações.

Amnistia e Amnésia

A sociedade francesa assimilou rapidamente a era da Guerra da Argélia, muito mais rapidamente do que o fim da 2ª Guerra Mundial (quando foi necessário reconstruir, viver com racionamentos, encontrar habitação). Correu o risco de perturbar, ou até deslocar, o eixo que ligava o presente ao passado imediato. A memória da Guerra da Argélia encaixou-se, como se estivesse dentro de uma fortaleza invisível, não para ser “protegida”, mas para ser dissimulada, como a cara insuportável de uma Górgona. A sucessão de amnistias chegou a aprovar essa dissimulação da “tragédia argelina” dentro de um clima de indiferença. Tinha que acabar um dia: o remorso, as dúvidas, as sombras dolorosas que assombravam a memória tinham que ser dissipadas.

A 17 de Dezembro de 1964, a primeira amnistia associada com os “acontecimentos” na Argélia foi aprovada. A 21 de Dezembro, 173 antigos membros da OAS receberam um perdão presidencial como prenda de Natal. Só em 1968 é que “as contas foram saldadas”. Depois da greve geral de 7 de Junho de 1968, todos os membros da OAS foram absolvidos. Nos dias seguintes, eles regressaram do exílio (Georges Bidault), ou deixaram a prisão (Raoul Salan). A 24 de Julho de 1968, a Assembleia Nacional aprovou uma lei que eleminava penas criminais associadas com os “acontecimentos” na Argélia. Mas esta lei não estipulou qualquer reintegração em deveres públicos (civis ou militares), ou o direito a medalhas. A 24 de Outubro, Jacques Soustelle regressou a França após um período de exílio resultante das suas actividades pela Argélia Francesa. A lei de 16 de Julho de 1974 eleminou todas as condenações que se tinham dado durante ou após a Guerra da Argélia. A lei de 24 de Novembro de 1982, aprovada sob um governo de esquerda não se limitava à amnistia; reabilitou as fileiras, oficiais, e generais condenados ou sancionados por terem participado na subversão contra a Républica. Os revoltosos de Abril de 1961 tonaram-se mais uma vez parte do Exército Francês.

A Argélia, depois de suportar uma guerra terrível, ascendeu à sua independência. O mérito histórico dos líderes que iniciaram a insurreição em Novembro de 1954 foi o de, através das armas, desbloquearem o status quo colonial. Eles permitiram que a ideia de independência encontrasse substância para milhões de argelinos. Mas, como o sociólogo argelino Abdelkader Djeghloul (1990) nota, “a guerra iniciou um processo de destruição do capital da experiência democrática e da política moderna, que as diferentes organizações políticas tinham começado a acumular antes de 1954”. As estratégias de exclusão, autoritarismo, e hegemonia enraízaram-se no nacionalismo argelino.

Na altura da independência, centenas de milhares de pessoas rurais, que tinham acabado de sair dos campos de fixação, encheram as cidades argelinas. Mudaram-se para apartamentos que tinham ficado vagos. Esta “onda camponesa” transformou profundamente a face das cidades argelinas, e de uma forma duradoura. No “Le Fleuve Détourné” (O Rio Desviado), o escritor Rachid Mimouni descreve o regresso do soldado que abriu os seus olhos a um novo, estranho mundo: o caos preocupante, a lucidez perspicaz, uma nova Argélia dominada, o rio da sua tradição desviado. Entre uma obdiência ao antigo colonizador e uma anónima e colectiva submissão à nova “administração”, entre o rio desviado por pára-quedistas estrangeiros ou mudado por soldados autóctones, havia alguma esperança para um meio-termo saudável? A perda de um sentido de duração acompanhou a perda de responsabilidades políticas. A economia parecia dominar tudo: batalhas sobre colectivização e gerencia própria; o método de comprar e gerir terras recuperadas a colonos franceses (os últimos terrenos foram recuperados a 1 de Outubro de 1963); a regulação e controlo da emigração argelina para a França, com os acordos de 29 de Maio de 1963 (sobre a migração familiar), 25 de Abril de 1964 (os primeiros esforços para parar com a imigrção) e 27 de Dezembro de 1968 (o sistema de quotas); a nacionalização das empresas de distribuição de petróleo e gás natural, no próprio Maio de 1968. As receitas do petróleo e as várias distribuições de recursos a partes favorecidas pelo regime permitiram que este último ganhasse a boa-fé de uma grande parte do público. “Modernização”, fundada em indústrias difíceis de dominar, sacrificou a agricultura, hidráulica e equipamento.

De repente, o passado colonial da Argélia foi completamente transformado num ponto de referência para justificar o necessário presente social. Tudo o que era precário, sórdido, e impiedadoso para com a vida e o trabalho humanos sobre esse passado foi prontamente destacado. A lembrança de todos estes defeitos serviu como camuflagem; eles ajudaram a exorcisar as mudanças traumáticas e a dissimular as feridas do presente. A Argélia queria avançar, afastar os 132 anos da presença francesa, efectuar a construção de uma nova sociedade. Queria máximizar os recursos e mobilizar todo a gente: populismo económico complementado com populismo político. Assim uma maneira de pensar gradualmente se espalhou, uma que contrastava um negro período colonial pré-guerra à fresca realidade da gloriosa guerra e da esperança num futuro radiante.

Entre 1962 e 1968, tanto na França como na Argélia, o ruidoso estrondo da “modernidade” que invadiu o mundo também cobriu a era da Guerra da Argélia: o assassínio de John F. Kennedy em 1963, depois o do seu irmão Robert em 1968, o homicídio de Martin Luther King Jr. nesse mesmo ano, o impacto da revolução cubana e da figura de Che Guevara, a repressão policial e a emergência do movimento juvenil na Europa e nos Estados Unidos, a Guerra dos Seis Dias (1967) e a invasão da Checoslováquia (1968), a necessidade de mistificar a História e a necessidade de desmistifica-la, o fim do colonialismo na Ásia, e a mudança para a guerra no Vietname, que acabou em 1975. Estes foram anos em que a História pareceu ter acelerado muito, com homens que caminharam na Lua e os acontecimentos de Maio de 1968; o primeiro choque petrolífero e a Guerra do Yom Kippur em 1973; a crise económica em 1975; o coup d’etat na Polónia em 1981, e o princípio do fim para o comunismo estalinista.

Sob estas condições, como podemos não entender que a emergência do “trauma” argelino trouxe uma perda de consciência, seguida durante um certo tempo por um estado de confusão? No entanto, a pobre “arrumação” de memórias nunca significou amnésia total, o esquecimento maciço de factos.