É a primeira vez que encontro uma descrição detalhada de como se deu a Batalha. Provavelmente não sabiam que estivémos quase a ganhá-la...
«ALCÁCER-QUIBIR» Exército Português«A ordem de batalha do exército luso era a seguinte:
Aa infantaria dividia-se em três corpos: vanguarda, centro e retaguarda.
A vanguarda foi entregue aos soldados mais experientes ou destemidos. Ao meio, o torço dos aventureiros; à direita, o dos alemães; à esquerda, parte do dos italianos e o terço dos espanhóis.
Todos estavam armados de piques. Por isso, cada grupo era guarnecido com mangas de arcabuzeiros. O terço dos aventureiros com atiradores de Tânger, o dos alemães com arcabuzeiros italianos, o dos italianos e espanhóis com atiradores desta nacionalidade.
O centro era formado pelos terços de Vasco da Silveira e de Diogo Lopes de Sequeira, o primeiro atras dos alemães, o segundo atrás dos espanhóis e italianos. No espaço aberto entre eles e, portanto, atrás dos aventureiros, foram colocados os gastadores, a bagagem mais preciosa, a gente de serviço, os soldados castelhanos sem armamento, os religiosos, que não entravam na batalha, e as mulheres.
A retaguarda era também constituída por dois terços:
O de Francisco de Távora e o de D. Miguel de Noronha. Fechando o espaço existente entre ambos, para amparo das bagagens e da multidão dos não combatentes, ficavam mangas de arcabuzeiros.
A carriagem formava duas longas filas, paralelas e exteriores à infantaria.
A cavalaria portuguesa cindiu-se em três grupos:
À esquerda, do lado de fora da carriagem, ficou o rei, com 600 cavaleiros. À direita, o Duque de Aveiro, com cerca de 300, e a seguir, mas separado por um intervalo, o Mestre de Campo General, com os cavaleiros de Tânger, em número de 400. Na extrema direita, para além do quadrado constituído pelo exército cristão, colocou-se o antigo Xerife, com os seus partidários.
A artilharia caminhava à frente, no espaço do terço dos espanhóis, cercada por um pequeno troço de gastadores.
Exército MuçulmanoA formação do exército muçulmano era em crescente ou meia lua, com a infantaria no centro e a cavalaria nas alas. A ala direita. dirigida por Mulei Ahmede, irmão do Xerife, compunha-se de 1.000 escopeteiros a cavalo, e 10.000 cavaleiros armados de lança e adarga. A ala esquerda, sob o comando de Mohâmede Zarco, tinha 2.000 escopeteiros e 10.000 lanceiros.
A infantaria estava dividida em dois corpos:
A vanguarda, formada pelos andaluzes e gazulas, em cuja valentia menos confiava Abde Almélique;
A retaguarda, constituída pelos elches, ou renegados, e os azuagos, soldados absolutamente seguros, que não só animariam, mas impediriam os outros de fugir. A meio, vinha o Xerife, sentado numa liteira, à frente da qual tremulavam antigas bandeiras dos seus antepassados.
Ao fundo, cingindo a infantaria, talvez 16.000 cavalos, quase todos pertencentes a tribos arabes, na maioria ainda armados de bestas.
A artilharia fora colocada numa dobra do terreno, de maneira a disparar de través ao exército cristão, quando este viesse caminhando.
A BatalhaTerminada a formatura, à frente das tropas, pronunciou D. Sebastião um discurso, exaltando a antiga coragem portuguesa, fiadora de grande vitória. Deram depois as trombetas o sinal de marcha, e o Rei determinou a todos os Coronéis, ao Duque de Aveiro, ao Mestre de Campo General e a Mulei Mohâmede, que ninguém entrasse em combate, sem ordem expressa sua.
Entre o acampamento cristão e o muçulmano havia uma pequena elevação. A seguir era a campina rasa, vulgarmente designada por campo de Alcáicer, com mais de duas léguas em redondo, onde se travou a célebre batalha, conhecida na história universal com o nome de Alcácer-Quibir. Esta povoação fica à distância de 15 quilómetros; por isso, com mais rigor, os mouros chamam-lhe Batalha do rio Mocazim ou dos Três Reis.
Logo que as trombetas portuguesas anunciaram a marcha do exército, o Xerife, a muito custo, montou a cavalo, e reunidos os alcaides principais, proferiu breves palavras, prometendo elevadas recompensas a quantos se distinguissem na batalha. Começaram logo as forças muçulmanas a avançar lentamente. A artilharia devia disparar, assim que os cristãos se encontrassem ao alcance de disparo.
Era por volta das 08:00 horas, quando se puseram em movimento os dois exércitos. Volvida uma hora, o centro das tropas muçulmanas suspendeu a marcha. Avançavam os nossos com confiança, quando se ouviram os primeiros tiros da artilharia muçulmana. Mataram apenas dois cavalos, mas o terror foi tamanho nos terços do centro e da retaguarda, que muitos soldados se lançaram por terra. Uma segunda vez troou a artilharia inimiga, prostrando alguns aventureiros, mas D. Sebastião, como alheado de tudo que o cercava, não se decidia a ordenar a investida.
Novos pelouros abriram clareiras na vanguarda, e o rei continuava hesitante. Em rápidos volteios, os escopeteiros mouros já verejavam com balas os terços da frente, e D. Sebastião permanecia irresoluto.
Brados impacientes se ergueram de diversos lados.
Os aventureiros eram talvez os mais revoltados contra a sua perigosa inacção e, como a ordem demorasse, arrojaram-se sobre a infantaria inimiga, que avançava. Os espanhóis, alemães e italianos acompanharam-nos na arremetida.
O Rei desperta finalmente e, dando voz de «Santiago» aos que o rodeiam, atira-se arrebatadamente contra os cavaleiros de Mulei Ahmede.
"O terço dos aventureiros" - escreve o Sr. Professor Queiroz Veloso no livro D. Sebastião (1554-1578), - "composto de homens decididos, especialmente as primeiras filas, apoiado nos arcabuzeiros de Tânger, investe com vigor. Os andaluzes e gazulas resistem, despejando as escopetas contra os assaltantes. O ímpeto dos aventureiros porém, não afrouxa, e ficando os terços estrangeiros excitados pelo nosso exemplo - carregaam agora em toda a frente. A vanguarda moura oscila e recua, esboçando-se, aqui e além, a retirada.
Os aventureiros redobram de esforços: As cinco filas dianteiras avançam com tamanho ímpeto, que se destacam das restantes. Em desordem, os andaluzes voltam costas, numa fuga precipitada. Pungido da mais viva indignação por este acto de cobardia, Abbe Almélique ergue-se vacilante da liteira e monta a cavalo para ir ao encontro dos fugitivos. Este violento gesto provoca-lhe uma síncope, caindo sobre o pescoço do cavalo. Tomam-no os seus íntimos nos braços e deitam-no na liteira. Minutos depois falecia, sem haver recuperado os sentidos, mas a sua guarda pessoal, corridas imediatamente as cortinas, a todos dizia que estava vivo…
«A cólera de Abde Almélique não resultaria unicamente da fuga dos andaluzes. Também devia concorrer, poderosamente, para esse desespero, a debandada de centenas de cavaleiros da ala direita, comandada por seu irmão, que não podendo resistir à violenta carga do esquadrão real, abandonaram o campo com tão desabalada pressa, que alguns só pararam em Alcácer-quibir…
Esta retirada e a dos andaluzes estiveram, por momentos, a dar-nos a vitória…
«Os aventureiros mais audazes conseguem apoderar-se de dois estandartes de Abde Almélique. Vêem-no descer do cavalo, convencidos de que um tiro de arcabuz tangerino o matara. Soltam-se os gritos: "Vitória ! Vitória ! O Moluco é morto!"
Mas os elches e os azuagos, que formavam a retaguarda, acodem rapidamente a preencher o lugar dos fugitivos e uma bala fere então, numa perna, o capitão Álvaro Pires de Távora. O sargento-mor, Pedro Lopes, manda-o conduzir para uma das liteiras, que havia na bagagem, e certamente, com receio de que a retirada se tornasse difícíl, ordena que se detenham, dando a celebrada voz: "Ter! Ter!"
O entusiasmo, que os impelia, esmorece. Hesitam, e quando decidem retroceder, encontram-se cercados. O avanço que levavam aos seus companheiros, fora ocupado pelos inimigos… Os intrépidos aventureiros da vanguarda ficavam assim abandonados.
O que se passou depois não foi um combate. Foi a inglória luta de três ou quatro centenas de bravos, vendendo cara a sua vida.
O Duque de Aveiro, D. Duarte de Meneses e Mulei Mohâmede lançam-se também na peleja, mas como não há plano, nem direcção superior, cada um arremete ao acaso. D. Jorge de Lencastre, com insuperavel audácia, abre largas clareiras nos esquadrões de Mohâmede Zarco.
Os Cavaleiros de Tânger avançam com tamanha energia sobre a artilharia muçulmana, que a teriam conquistado se fossem sustentados por infantaria. Mulei Mohâmede investe também várias vezes.
Estes feitos isolados nenhuma vantagem traziam, porém, ao resultado da batalha.
A nossa artilharia, que nem tempo tivera para se colocar em posição, é atacada por centenas de inimigos. Corre D. Sebastião a liberta-la, e, num combate muito renhido, consegue repelir os assaltantes, à custa de muitas vidas. Mas a bateria ficou perdida, porque os artilheiros, sem guarda que os defendesse, estavam mortos ou foragidos.
Chega então ao Rei a notícia dum furioso ataque à bagagem. Para lá corre à desfilada, à frente de duzentos cavaleiros - a estes se reduzia o esquadrão real - e desbarata alguns milhares de mouros, entretidos na rapina. Foi, porém, impossível reconstituir os terços de Vasco da Silveira e de D. Miguel de Noronha. Gente arrancada aos serviços agrícolas, sem a mínima instrução militar, escondera-se, cheia de terror, debaixo das carretas.
A vanguarda continuava a ser incessantemente alvejada pelos elches e pelos azuagos. As filas dos aventureiros, como as dos terços estrangeiros, vão rareando. A infantaria moura já se não expõe ao perigo dum combate corpo-a-corpo. Os escopeteiros a cavalo, como os nossos já não tinham mangas de atiradores a defendê-los, avançavam até à distância de tiro, despejavam as suas escopetas, e quando os piqueiros corriam sobre eles, viravam rapidamente, para voltar depois, com as armas novamente carregadas.
Diversos fidalgos pedem ao Rei que se retire. Vencer era impossível, mas fácil ainda salvar-se pelo caminho de Arzila. D. Sebastião recusa.
Atraidos pelo estandarte real, centenas de mouros de cavalo acometem-no de todos os lados. Fernando Mascarenhas pregunta-lhe:
"E agora, Senhor, que havemos de fazer?"
"Fazer o que eu faço", responde o rei, e, com o costumado ímpeto, rompe os inimigos, derrubando os mais próximos.
Na retaguarda, o terço de Diogo Lopes de Sequeira abandonara também os piques. Só o terço de Francisco de Távora combatia com uma coragem que honrava os soldados algarvios, em grande número alistados voluntariamente. A morte do seu heróico coronel deprimiu-lhes, porém, o ânimo e renderam-se. Depois de quatro horas de luta, terminara a batalha.
Apenas D. Sebastião e um pequeno grupo de fidalgos continuavam a combater. Nem a bandeira, nem o guião real, chamavam já a atenção dos mouros sobre o monarca, e talvez a esta circunstância devesse não ter sido ainda morto. Mas era um fim previsto.
Cristóvão de Távora suplica-lhe que se renda. D. João de Portugal acrescenta:
"Que pode haver aqui que fazer, senão morrermos todos?"
Respondeu D. Sebastião: "Morrer, sim, mas devagar".
D. Nuno Mascarenhas chegou a arvorar um lenço, na ponta da lança ou da espada. D. Sebastião, porém, não se rendeu, e travando-se combate, foram mortos o conde de Vimioso, Cristóvão de Távora e alguns fronteiros de Tânger. Os restantes ficaram prisioneiros. Mais adiante, foi o soberano português cercado dum grupo de alarves que o mataram, com profundos golpes na cabeça e algumas arcabuzadas no tronco.
Mulei Mohâmede pretendeu salvar-se, atravessando o Mocazim. A maré começava, porém, a descer ràpidamente. O cavalo meteu uma das patas pela rédea e voltou-se, fazendo cair o cavaleiro, que morreu afogado.
Nunca, na Berbéria, houvera batalha mais sangrenta: cinco a seis mil mouros e sete a oito mil cristãos mortos, com milhares de prisioneiros de várias nacionalidades e de todas as categorias e classes, entre eles muitas centenas de mulheres e de crianças.
Portugal ficou arruinado.
As despesas da expedição e depois o resgate dos prisioneiros levaram as últimas economias. A falta de braços para o amanho das terras era enorme. As consequências políticas da derrota foram, porém, ainda mais terríveis:
A perda da independência.
Tudo isto torna esta batalha uma das mais notáveis da história universal.»