Haverá algo mais irónico? Sem-abrigo protestam porque estavam a dormir num local onde os duches não tinham portas... Tinham-lhes prometido o Ritz...
Mundial Futebol Sem-Abrigo: Equipa Portugal deixa alojamento por falta condições
Por Gabriela Chagas, da agência Lusa
Cidade do Cabo, 24 Set (Lusa) - A equipa portuguesa decidiu deixar o alojamento escolhido pela organização do Campeonato Mundial dos Sem-Abrigo, a decorrer na Cidade do Cabo, alegando falta de condições, seguindo assim o exemplo de outras quatro equipas.
Austrália, Estados Unidos, Canadá, Escócia e agora Portugal decidiram instalar os atletas em residenciais pagas às suas custas depois de terem verificado que as instalações da Escola Secundária que receberia os atletas não reuniam condições mínimas de conforto e higiene.
Os oito jogadores portugueses e a equipa técnica manifestaram algum desagrado pelo facto de, por exemplo, não existirem duches suficientes para as 200 pessoas instaladas na escola.
"Trata-se de um evento com 48 selecções e não basta apenas a boa vontade, tem de haver condições para receber os atletas", disse à Lusa João Barnabé, treinador da equipa portuguesa, admitindo contudo que a organização tem feito um esforço para melhorar as condições.
A escola secundária Trafalgar, que tem uma história de resistência ao 'apartheid', juntamente com outros dois estabelecimentos de ensino da área, foram os locais escolhidos pela organização para instalar os atletas das 48 selecções que participam no mundial de futebol de rua.
Apesar de todo o esforço, sacrifício e boa vontade demonstrados pelos funcionários, professores e alunos da escola para receber as equipas, a verdade é que não conseguiram evitar um verdadeiro choque de culturas.
As equipas europeias e de países mais desenvolvidos manifestaram desagrado pelas condições de alojamento para os atletas, nomeadamente no que respeita à higiene, e cinco delas acabaram por abandonar o recinto.
Portugal foi uma das equipas que, no primeiro dia, questionou a organização sobre o facto de as casas-de-banho não terem portas, tendo em conta que algumas das selecções são mistas.
Por outro lado, os jogadores portugueses também manifestaram algum desconforto e desagrado por existirem naquela escola apenas oito duches montados em carrinhas exteriores para um total de 200 pessoas alojadas na Trafalgar High School.
A Associação Cais, responsável pelo vinda dos jogadores portugueses a este campeonato, procurou melhorar as condições de alojamento dos atletas tendo decidido alojá-los numa residencial a alguns quilómetros do centro da Cidade do Cabo.
Questionado pela agência Lusa, o director da Escola Trafalgar, explicou que a organização do evento - o jornal de rua Big Issue (semelhante à revista Cais) da África do Sul - viu-se confrontado com uma série de contratempos que chegaram mesmo a pôr em causa a realização do "Homeless World Cup".
Inicialmente o projecto previa o alojamento dos jogadores no hotel Ritz mas problemas, que não especificou, levaram a organização a procurar uma solução de última hora.
A escola colocou-se à disposição para, dentro dos possíveis, melhorar as degradadas instalações do espaço, de forma a receber os jogadores, salvando, assim, a realização do campeonato.
Esta escola, explicou o seu director, Nadeem Hendricks, é pobre mas tem uma boa vontade e simpatia inatas, pelo que os alunos, funcionários e professores ficaram muito contentes com o facto de poderem receber o evento.
"Temos pena que algumas equipas não estejam contentes mas tentamos fazer o melhor possível com poucas possibilidades financeiras", disse.
A escola pintou todo o espaço e distribuiu as equipas por várias salas de aula e, com ajuda de amigos do director, foram conseguidos colchões, lençóis e sacos-de-cama para cada jogador.
"Foi com muito esforço, mas estamos muito felizes por poder participar neste evento", disse.
Mel Young, co-fundador do "Homeless World Cup" e presidente honorário da Associação Internacional de Jornais de Rua (INSP) reconheceu, em declarações à Lusa, que existem alguns problemas e que, em anos próximos, irá precisar de mais gente para organizar o evento e de mais apoio financeiro.
Contudo, frisou que esta é a primeira vez que o campeonato se realiza em África, o que permitiu a participação de muitas equipas africanas.
Uma verba avultada que não quis especificar foi aplicada no apoio às equipas africanas e sul-americanas que, de outra forma, nunca conseguiriam estar num evento desta natureza.
O "Homeless World Cup" é promovido pela Rede Internacional dos Jornais de Rua, da qual a Associação Cais é membro desde 1995.
Este campeonato, que já é visto como um dos maiores eventos sociais do mundo com o objectivo principal de alertar para a problemática da exclusão social, é também apoiado pela União Europeia de Futebol (UEFA), que, há um ano, ofereceu no Mónaco um cheque no valor de 650 mil euros aos seus organizadores, e pelo comissário para o desporto da Nações Unidas.
A competição, destinada a homens e mulheres com mais de 16 anos que se encontrem em situação de pobreza e exclusão social, tem vindo a demonstrar que o desporto praticado ao nível da formação pode mudar a vida das pessoas.