É um fenómeno curioso que não se admitia como possível na Europa da livre circulação de bens e serviços o sistemático boicote a Portugal por parte das grandes empresas multinacionais com especial relevo aquelas que usufruem de posições monopolistas. Trata-se aqui do boicote à venda directa dos seus produtos a partir dos respectivos países de origem para Portugal.
Os tradicionais importadores portugueses são obrigados a comprarem a um qualquer representante espanhol, pagando por isso uma espécie de «direito de importação» sob a forma da margem de lucro usufruída pelo espanhol que se apresenta com o título de representante para a Península Ibérica. O facto encareceu muito os produtos importados e prejudicou os termos de troca da economia de Portugal que passou a pagar mais caro e a vender sem alterações. Julgavam os importadores portugueses que tinham entrado num regime de livre circulação de mercadorias quando sucedeu o contrário por imposição dos monopólios multinacionais, e a Espanha tornou-se na Alfândega secreta de Portugal que cobra verbas altíssimas sem nada produzir de válido para Portugal.
No campo dos "inputs" para a agricultura, o fenómeno é notório; são os produtos químicos alemães que têm de ser adquiridos em Barcelona, ou sementes israelitas que só podem vir de El Egido no Sul de Espanha, ou sementes francesas que só podem vir de Valença e agora sementes e outros produtos holandeses a vir obrigatoriamente de Espanha. Algumas multinacionais vão ao ponto de organizarem as suas rendes de venda, ligando Portugal à sua delegação na Estremadura. Para essas multinacionais, Portugal não só não é um dos mais antigos países independentes do Mundo como passou à categoria de província da Região espanhola da Estremadura.
Um empresa israelita que passou a boicotar Portugal percebeu o fenómeno e resolveu editar uma espécie de cartão de visita com a bandeira portuguesa, mas o produto continua a vir de El Egido a preços astronómicos. As impressoras e computadores HP vêm de Espanha, tal como milhentos outros artigos, incluindo automóveis, matérias-primas, etc., etc. O custo para a economia portuguesa cifra-se em cerca de 20% do valor CIF das mercadorias importadas, valor muito superior às antigas taxas aduaneiras, cobrando o Estado espanhol uma boa fatia por esses vultuosos lucros sem contrapartida de trabalho. E isto porque, fundamentalmente, as multinacionais vendem a partir de Espanha ao preço de revenda normal e não ao de importação e entre um e outro há margens de 20% ou mais ainda.
O fenómeno foi muito facilitado por uma certa mentalidade portuguesa que aceita tudo o que vem de fora e quase se consola em autoflagelar-se quando a realidade portuguesa é bem diferente. Os portugueses deixam-se enganar por muitas estatísticas superficiais que colocam Portugal na cauda da Europa, esquecendo que atrás dessas estatísticas se escondem realidades bem diferentes.
Veja-se só a Irlanda com apenas 1,2 km de auto-estradas por mil km2 de superfície quando Portugal tem quase 20, mais que a Espanha e que a maior parte dos países europeus e três vezes mais que os EUA. Veja-se o número de casas, uma para cada 1,9 portugueses, muito mais que qualquer país da Europa e os 21% da população na escola e os 40 mil estudantes universitários por milhão de habitantes quando a Alemanha e a Europa dita «desenvolvida» tem metade.
Os portugueses têm razões para se orgulharem de si mesmos e para não se deixarem enganar por um espanhol que apareça a vender uma «banha da cobra» qualquer, ou por outro qualquer representante de uma pseudo grande empresa. Vivemos todos numa Europa unida, mas ninguém pode esquecer a sua Pátria. O exemplo mais edificante é o do povo alemão que desdenha muito os produtos importados e nunca um supermercado alemão evidencia produtos concorrentes como os de fabrico nacional. E este exemplo é seguido por outros povos, os franceses por exemplo.
Basta circular nas estradas da Alemanha ou da França para verificar que os franceses adquirem quase só carros franceses e os alemães preferem o seu próprio produto. Todos sabem que a livre circulação é indispensável para evitar fenómenos de especulação e manter níveis adequados de qualidade, mas o interesse de cada um está em comprar nacional, sempre que o produto nacional exista e tenha um nível suficiente de qualidade e preço. Na Holanda ou na Bélgica, por exemplo, ninguém imagina comprar na Alemanha um produto francês ou espanhol só porque a Alemanha tem 80 milhões habitantes.
Os países pequenos da Europa também têm o seu amor-próprio e devem, como tal, ser respeitados por todos os que actuam nos mercados mundiais. Portugal está a ser muito afectado pelas multinacionais, mas terá de reagir com um espírito construtivamente nacional.