1971 – Abril.23 (6ªfeira antevéspera de lua-nova)
Ao fim da tarde no porto de Nacala o cargueiro Angoche da CNN, sob comando de Adolfo Manuel Bernardino larga rumo à baía de Mocímboa da Praia, levando 24 tripulantes e um passageiro civil a bordo. De acordo com o manifesto de carga, aquele navio de cabotagem transporta «100 bombas de 50kg para a FAP e cargas inertes para bombas de napalm», mercadoria produzida na Explosivos da Trafaria e originária da BA5-Monte Real, transferida do cais do Lobito com destino final ao AM51-Mueda.
– «Eu achei que o ‘napalm’ não tinha absolutamente nenhuma utilização prática para a guerra que fazíamos [em Angola] e mandei embora o ‘napalm’, embora se pensasse que utilizava ‘napalm’. Dei, por exemplo, uma entrevista [em Mar71 em Luanda] a um jornalista do Washington Post, o Jim Hoagland, em que ele me disse que apesar de eu ter dito que não usava ‘napalm’, ele tinha visto bombas de ‘napalm’ [num hangar do aeródromo civil da FAV-202] em Nova Lisboa. Pois viu. Mas essas bombas estavam precisamente para ir para a Guiné e para Moçambique.»¹
– «Essa transferência fez-se devido ao facto de nunca ter autorizado a sua utilização. Um jornalista do Washington Post deslocou-se a Angola para fazer várias reportagens. Nomeei um oficial para o acompanhar a todos os sítios que ele quisesse visitar. Escreveu sobre as tais bombas de 750 libras que, segundo ele, estavam depositadas no aeroporto [de Nova Lisboa] para serem utilizadas por nós. Só que o contrário é que era verdadeiro: elas estavam depositadas no aeroporto precisamente porque não as queríamos usar. Em Moçambique, foram de certeza [!?]; na Guiné, não sei. Na ocasião fiz um desmentido, mas o Governo impediu a sua divulgação. [Um desmentido para] rebater as afirmações [em 16Mai71] do jornalista, tanto mais que tinha testemunhas. Apesar de falar inglês, na entrevista final não quis ficar sozinho. Pedi a aos Serviços de Informação e Turismo de Angola [CITA] para enviarem um intérprete para cada um de nós.»²
– «Mais de metade dos tripulantes do Angoche eram moçambicanos negros, os outros eram europeus. O navio não era de passageiros mas havia um a bordo, a quem se deu boleia. E também à última hora, o radiotelegrafista que era para ir resolveu não ir.³ Por isso houve mudança de radiotelegrafista. [...] Em 23 de Abril de 1971 foi abordado por um submarino soviético e os tripulantes levados para Nachingwea, base central da FRELIMO na Tanzânia.»4
¹ (Costa Gomes, em 27Abr95 a Freire Antunes); ² (idem, op.cit pp.138/9); ³ (um dos navios-patrulha que prestou serviço ao largo de Moçambique até pouco antes desta data, foi a fragata “Álvares Cabral” comandada pelo capitão-de-fragata Soares Parente e tendo como imediato Possidónio Roberto; em 21Abr69 havia saído da base naval do Alfeite para Lourenço Marques e até data recente esteve ao serviço do ComNav de Moçambique, vindo a aportar ao Alfeite em 10Mai71); 4 (Óscar Cardoso, in “A Guerra de África” pp.402)
1971 – Abril.24
Em Porto Amélia as autoridades portuárias dão o navio de cabotagem Angoche, como desaparecido ao largo da costa nordeste de Moçambique.
1971 – Abril.26 (2ªfeira)
Em Lourenço Marques, o comandante naval de Moçambique ordena acções de busca aero-naval para localizar o cargueiro Angoche.
Por essa ocasião em Lisboa, o subdirector-geral da DGS Barbieri Cardoso já contactou telefonicamente em Paris o director do SDECE Alexandre de Marenches que, por intermédio da rede de informadores na Tanzânia ligados ao chefe oposicionista zanzibarita Oscar Kambona, transmite o que se sabe ter acontecido ao largo do Canal de Moçambique.