Timor-Leste: À caça de Salsinha nas montanhas de Ermera
11 de Abril de 2008, 15:20
** Pedro Rosa Mendes, da Agência Lusa **
Díli, 11 Abr (Lusa) - Noventa por cento dos efectivos das Forças de Defesa timorenses andam atrás de Gastão Salsinha. Todos os ramos estão envolvidos. É natural cruzar com um comandante de Marinha na estrada de Letefoho, a 1 700 metros de altitude.
"Começámos em Letefoho as buscas às 05:00 da manhã. Acabámos e já vamos para as rusgas no suco Estado", explica o major Higino das Neves.
Em Timor-Leste, não se foge para fora. Foge-se para cima.
O suco (conjunto de aldeias reunidas sob a autoridade de um chefe) de nome Estado fica na montanha em frente, numa estrada sem saída.
É nestas alturas da cordilheira do Ramelau, frequentemente com névoa e chuva, que a operação "Halibur" persegue Salsinha e os seus homens.
"É um terreno difícil mas para nós, timorenses, não é", diz à Agência Lusa o major Neves.
Higino das Neves é o comandante da Componente Naval timorense, o mesmo cargo que pertenceu, em tempos, ao major Alfredo Reinado, até ser demitido por usar as duas lanchas para cruzeiros pessoais.
É em Reinado, ex-marinheiro, que começa a história da perseguição a Salsinha.
Reinado atacou, a 11 de Fevereiro, a casa do Presidente da República. Morreu.
O ex-tenente Salsinha atacou, de seguida, o primeiro-ministro. Fugiu.
Salsinha tem as armas e os homens que estavam com Reinado, incluindo alguns cadastrados e alguns peticionários. Cerca de metade do grupo rendeu-se, a conta-gotas, ao comando conjunto.
Os rendidos descem da montanha e desaguam no quartel-general da operação, junto ao farol que sinaliza a baía de Díli, onde são submetidos a sessões suaves de interrogatório, bolinhos e café.
Polícias e militares dão caça, em conjunto, aos restantes fugitivos, que o tenente-coronel Filomeno Paixão, comandante da "Halibur", calcula em 15 homens, depois de mais seis rendições nas últimas 48 horas.
A entrega de homens não tem sido acompanhada da entrega de armas e os fugitivos dispõem ainda de várias armas de cano longo, HK33, FNC, SKS, M16.
Com este perigo em mente, e mantendo a preferência por uma captura de Salsinha vivo, as regras operacionais da "Halibur" subiram de tom há dois dias.
"Se Salsinha quiser, vamos disparar. Se ele não quer render-se... Ele é que escolhe. As Falintil estão preparadas para isto", garante o major Neves num português correcto, com um sotaque correcto de um adulto que aprendeu a língua de Camões num curso da Cooperação Militar portuguesa.
"As populações estão avisadas para não ir às plantações a partir de hoje", dizia à Lusa, na quinta-feira, o major Neves.
"Vamos dispersar então. O tempo é ouro para nós", despede-se o major Neves, sumindo na estrada do suco Estado navegando a sua coluna de viaturas do exército e viaturas civis alugadas pela operação "Halibur".
A "Halibur" dura há oito semanas. Como ficou claro na última reunião das chefias militares com os titulares políticos, a percepção do êxito da operação está dependente da captura de Salsinha.
Outro factor de urgência é o regresso do Presidente Ramos-Horta ao país, a 17 de Abril.
"Certamente, nós queremos ter o problema já resolvido antes do termo do estado de sítio", admitiu, no domingo, o tenente-coronel Filomeno Paixão, aludindo à data de 23 de Abril.
"Ai, o governo de Timor. Não tiveram pressa quando resolver era fácil", comenta, em Gleno, capital do distrito de Ermera, um homem que deu apoio logístico e político a Alfredo Reinado e, agora, a Salsinha.
"Agora, que é mais difícil, querem andar". E ri-se.
"Mandaram avisar para não irmos às hortas nem aos cafezais. Mas esqueceram-se que vem aí a colheita e é preciso entrar pelas plantações".
Quando será isso? "Lá para Maio..."
A última promessa de Salsinha, através de uma carta de que este homem foi portador, é a que se apresenta apenas a José Ramos-Horta, depois de ele voltar ao país.
Chega-se a suco Estado por um desvio na estrada que sobe de Gleno. Há uma via-sacra de cruzes de pau, uma curva ascendente e, de repente, uma clareira com vista para Letefoho.
Do lado direito, um homem vem descendo a escadaria da igreja com a cautela de quem pisa água turva. É cego.
Do lado contrário, uma grande árvore sagrada, com caveiras humanas num nicho das raízes, marca o sítio do antigo tribunal dos reinos da montanha.
Ali ao lado, num alpendre, dorme há mais de um mês um pelotão das forças conjuntas. Não há soldados, mas há mochilas verdes durante o dia.
"A população est�� calma. Sentem-se satisfeitos com a presença das forças conjuntas. A 'Halibur' está a dar mais segurança à população e as pessoas não têm medo de nada", conta o chefe de suco, António Maia.
"Sentimos que não podemos ir ver as hortas mas percebemos que a situação é diferente. Esperamos que Salsinha se entregue o mais rápido possível para voltarmos às hortas e aos cafezais", diz António Maia.
O chefe do suco assegura que "a tropa ainda não fez mal a ninguém, sobretudo tortura". Em Díli, no parlamento, uma líder de bancada acusou as forças timorenses de espancarem civis em Ermera.
Estas montanhas e cafezais são o terreno onde Reinado e Salsinha forjaram a sua aliança fatal e onde a rebeldia sempre contou com apoio popular.
"Todos sabem que, há dois anos, Alfredo e Salsinha com os seus homens tinham actividades no distrito de Ermera. É normal que a população lhe ofereça um prato de comida", admite, lacónico, o chefe do suco Estado.
"As rusgas em casas vão começar", anunciou o major Neves antes de desaparecer com as suas fardas verdes e azuis.
Lusa/fim