Muitos agentes da PSP colocados em Lisboa esperam impacientemente em camaratas degradadas, pensões baratas ou quartos alugados a permissão para voltar à terra e pôr fim à desmotivação e às depressões que em alguns casos podem levar ao suicídio.
Depois de terminar o curso na Escola Prática de Polícia, em Torres Novas, a maioria dos agentes colocados nos comandos de Lisboa e Porto chega de vários pontos do país, mas com a ambição de voltar à terra de origem, multiplicando os pedidos de transferência que, no entanto, tardam em concretizar-se.
A ausência da família, as dificuldades relacionadas com o serviço e a falta de condições económicas e sociais tornam-se insuportáveis para alguns agentes, podendo em situações extremas levar ao suicídio.
Atentos a estas e outras situações, a PSP e a GNR têm em funcionamento gabinetes de psicologia e linhas telefónicas SOS para prevenir estes casos, levando em Outubro do ano passado o Governo a apresentar um Plano de Prevenção de Suicídios, que revela que, entre 1998 e 2007, se suicidaram 54 elementos das duas forças de segurança.
Em 78 por cento dos casos, os elementos das forças de segurança que se suicidaram tinham tido alterações recentes de vida: profissionais (77 por cento), familiares (56 por cento), financeiros (56 por cento) e legais (56 por cento).
Oriundo de Castelo Branco, o agente João (nome fictício, tal como os dos restantes agentes citados) está desde 1999 a exercer a profissão em Lisboa com os olhos posto no dia em que poderá regressar à sua terra e voltar a viver com a mulher e os três filhos menores, que só consegue visitar nos dias de folga.
"É muito complicado gerir a distância e as saudades. No primeiro dia ´andei a bater mal`, mas depois vamos levando, vivendo um dia de cada vez", disse João, que logo que entrou ao serviço pediu transferência para o comando de Portalegre.
Na altura tinha 78 pessoas à sua frente na lista de transferência, agora são 28. A "saírem a uma média de quatro ou cinco por ano ainda tenho muito que esperar", sublinhou.
Quando chegou a Lisboa João foi viver para uma camarata, depois arranjou casa com cinco colegas, que teve de abandonar recentemente devido à transferência de três companheiros. Os que ficaram não conseguiram suportar as despesas e regressaram às camaratas.
Há escassos meses em Lisboa, o agente Miguel deixou em Braga a mulher, que está a estudar, e duas filhas com menos de dois anos.
Confessou à Lusa que já recorreu ao apoio psicológico para conseguir suportar as saudades, que vai combatendo, recorrendo vezes sem conta a um filme da família que tem no telemóvel.
Tentou ir para uma camarata, mas a "lista de espera enorme" obrigou-o a ir para uma pensão "sem condições" a pagar 200 euros, o que emagrece ainda mais o ordenado de 780 euros.
Acresce a estas despesas a alimentação e o dinheiro que gasta em viagens para Braga, cerca de 100 euros por mês.
"Sempre gostei de uma força de segurança, mas nunca pensei ficar tanto tempo e encontrar estas condições. Se fosse hoje, pensava duas vezes", sublinhou, desabafando que, mesmo assim, não pensa em desistir porque tem dois filhos para criar.
A vida destes polícias assemelha-se à do agente António, que deixou a família e namorada em Évora para abraçar a profissão do seu "sonho", mas a esperança de exercê-la na sua terra é de uma década, uma vez que diz ter meia centena de elementos à sua frente na lista de transferências.
Nos primeiros dias, António ficou em casa de colegas, depois foi para uma camarata que "não tinha condições nenhumas, com tectos a cair, janelas partidas e muita humidade", acabando por alugar uma casa com três colegas.
"Houve colegas que no início ficaram a dormir na esquadra, outros iam para bares para poder passar a noite e houve casos que dormiram no banco do jardim", lembrou.
Conhecedor destas andanças, o agente Pedro conseguiu finalmente regressar ao Porto, depois de "mais de oito anos com o saco às costas".
Apesar de conhecer as dificuldades de quem vai viver para uma cidade longe e o "choque de perder a família", Pedro defende que os agentes deviam preparar-se para esta nova vida porque as "coisas não caem aos pés".
A psicóloga Sandra Coelho, do Gabinete de Apoio Psicológico do Sindicato dos Profissionais da Polícia da PSP (SPP/PSP), disse à agência Lusa que "estão a aparecer muitos polícias novos, com poucos anos de serviço, a pedir ajuda porque já não aguentam" a situação.
"São polícias tristes que não se conseguem integrar neste sistema e estão a pedir algumas estratégias para que consigam ser felizes e fazer o que gostam", disse a psicóloga.
Confrontado com estas declarações, o porta-voz da Direcção Nacional da PSP, Hipólito Cunha, disse apenas que os candidatos quando vão para a polícia têm conhecimento dos ordenados que vão auferir e as circunstâncias em que vão trabalhar.
Por outro lado, acrescentou, os candidatos quando entram para a Escola Prática de Polícia começam logo a receber vencimento de 510 euros por mês.
"Mesmo assim, a própria instituição faz tudo o que está ao seu alcance para tornar o acolhimento dos elementos o melhor possível", sublinhou.
Para melhorar as condições dos agentes deslocados, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP-PSP) e o SPP/PSP defendem a criação de habitações em Lisboa e no Porto para albergar os agentes que saem da escola ou um subsídio de deslocação.
O presidente da ASPP-PSP, Paulo Rodrigues, lembrou que há agentes a viver anos em camaratas e outros que para arranjar um "sítio barato vão para bairros sociais cuja localização entra em conflito com a própria missão da PSP", sublinhou.
Para prevenir estas situações, o director do Gabinete de Psicologia da PSP, Fernando Passos, aconselha os candidatos a informarem-se antes de concorreram à polícia.
"Os primeiros anos devem ser encarados com naturalidade e tranquilidade, porque o sistema funciona assim", afirmou, admitindo, contudo, não ter dúvidas de que a separação da família e da terra de origem podem causar alterações a nível emocional e afectar o desempenho dos profissionais.
O responsável lembrou um despacho, criado em 2007 pelo então ministro da Administração Interna António Costa para prevenir estas situações, que determina que seja feita a reavaliação dos novos elementos da PSP.
"Qualquer caso que suceda relativamente a estes indivíduos mais jovens e que nos seja reportado é imediatamente acompanhado por um especialista para tornar a sua integração mais fácil", sublinhou.