'Wave Canon' ...ou a mutação modulável do armamento...

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JoseMFernandes

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'Wave Canon' ...ou a mutação modulável do armamento...
« em: Junho 29, 2006, 07:57:46 pm »
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Em 29 de Abril de 2005, o sector Missile Systems de Raytheon recebeu do Pentágono um 'cheque' de 7,5 milhões de USDólares para desenvolver, experimentar e finalizar a entrada em serviço de um sistema de 'canhão de ondas'.Uma decisão que oficializa definitivamente as pesquisas levadas a efeito desde 1990 pela Air Force e a Navy sobre uma arma antipessoal susceptível de proteger o acesso de zonas sensíveis e destroçar grupos de amotinados.Este dispositivo chamado ActiveDenialSystem2 'sponsorizado' pela direcção do programa interarmas não-letais do Dep. de Defesa, prefigura para lá da evocadora ficção científica, o nascimento de uma nova geração de armas particularmente inovadoras, capazes de trazer uma resposta global ao desafio que se põe no controlo de multidões à acção de forças terrestres no quadro de manutenção de paz, as quais  de momento tem à sua disposição uma panóplia estritamente letal e pouco adaptada ao domínio de uma multidão de civis desarmados, como se demonstrou à custa das forças francesas na questão do hotel Ivoire(C.Marfim), cujos civis sabiam bem que os soldados, controlados pelos 'média', não podem conscientemente disparar contra eles.

A desclassificação em 2001 das pesquisas do laboratório de Los Alamos sobre ondas milimétricas permitiu ter conhecimento do avanço dos trabalhos exploratórios sobre este sistema de armas de nova geração.Como o 'laser químico de alta potência', o canhão de ondas milimétricas faz parte da categoria das armas de energia dirigida (AED) (DEW em inglês).Estes DEW representam neste momento um dos domínios mais prometedores na prospectiva do armamento de alta tecnologia e testemunham a vontade do Pentágono em maximizar o potencial de energia dirigida para ultrapassar os esquemas tradicionais de assimetria que caracterizam os conflitos de baixa intensidade.
O 'fantasma' da energia dirigida não é realmente novo, pois encontramos traços na mitologia antiga com o famoso raio ardente de Arquimedes.Iniciado com os trabalhos do britânico Grindell-Matthews e do russo Filippov, a busca de um raio incapacitante, invisível e silencioso orientou-se desde 1920 para os feixes de micro-ondas.Foram no entanto os pesquisadores soviéticos, em especial graças a descobertas efectuadas por Nicolas Tesla , que amadureceram a área do armamento electromagnético, sendo os primeiros a dispor desde os anos 80 de 'armas de ondas' com finalidade antipessoal.Nesta mesma linha, as contribuições financeiras e os avanços tecnológicos permitidos pela Revolution in Military Affairs levaram os americanos a conseguir sistemas suficientemente miniaturizados para estarem operacionais e transportáveis no terreno.Desde 1995 mais de 51 milhões de USD foram consignados ao programa de estudo sobre micro-ondas do laboratório de Kirkland da Força Aérea.
Do ponto de vista científico convém desde já fazer a distinção entre a tecnologia de micro-ondas de alta-potência visando criar sistemas anti-materiais capazes de destruir com precisão aparelhos electrónicos e o ADS que se baseia numa tecnologia próxima, a das ondas milimétricas impulsionadas de baixa potência.Ao contrários das primeiras, esta última está práticamente operacional e um protótipo está actualmente a ser experimentado no Iraque, para proteger os postos de guarda e alguns 'checkpoints' e de um modo bem concludente pois o Departamento de Defesa deu 'luz verde' à Raytheon para iniciar a sua produção industrial...

Impulsionado à partida pelo desejo do corpo de Marines em dispor
de soluções não-letais mas verdadeiramente dissuasivas para o controle de multidões, em seguida especialmente ao episódio traumático do  Restore Hope, o ADS apareceu rápidamente aos olhos dos decisores politico-militares americanos, como uma solução potencialmente revolucionária porque modulável ou,na terminologia americana, 'reostática', quer dizer que permite articular num mesmo sistema funções não-letais e letais.
O ADS é pois um sistema táctico de proximidade que se compõe de um emissor de alcance médio 'incrustado' numa antena orientável e que pode ser montado, conforme a necessidade, num posto de guarda como arma com efeito de 'zona' ou num veículo tipo Humvee enquanto arma anti-motim.
Quanto à operacionalidade do canhão é relativamente simples: o raio emite numa frequência de 100 GHZ, insuficiente para penetrar o corpo humano (a penetração é da ordem de 0,4mm) mas bastante potente para interagir directamente com as terminações nervosas da derme e aquecer as moléculas de água das camadas subcutâneas, provocando ao fim de cinco segundos uma sensação de queimadura de tal modo intensa que o individuo tem o reflexo natural de fugir de imediato.O raio emitido não é ionisante- não radioactivo- e não tem por consequência perigo cancerígeno.Trata-se pois, no papel, de uma arma 'limpa'.O director-adjunto do laboratório de Los AlamosDoug Beason, testou ele mesmo o impacto psicológico desta primeira experiência e disse que dificilmente um individuo atingido tentaria repetir a sua acçao.
Outra vantagem, que depende de uma decisão táctica, é a invisibilidade do raio que multiplica naturalmente o efeito de pânico do alvo, que se sentirá incapaz de saber o que lhe acontece e identificar a origem da dor.
Podem também imaginar-se versões portáteis tipo arma de punho, ou como foi feito pela firma Metal Storm, montar o sistema num 'drone' de combate terrestre, se bem que estas aplicações de momento sejam ainda especulativas.Outras hipóteses mais plausíveis seria a possibilidade de 'interdição' das proximidades de sítios nucleares, embaixadas ou outras zonas sensíveis, como os pontos emersos de 'pipe-lines'.Já no que respeita a equipar, a semelhança do sistema acústico LRAD, os navios mercantes, tankers e outros navios susceptíveis de ser alvos de terroristas ou piratas, essa hipotese parece duvidosa devido aos limites de campo e alcance do canhão.Também no que respeita ao solo nacional, numa óptica de manutenção da ordem, haveria várias objecções especialmente políticas e mediáticas que esse uso iria engendrar.
No plano doutrinal, a concepção do ADS apoia-se sobre dois postulados fundamentais que são a raiz da não-letalidade: a reversibilidade e a graduação.Reversibilidade de efeito, pois no mesmo momento em que o alvo humano se afasta do campo de acção do raio, a dor vai desaparecendo.Graduação porque o emissor pode evidentemente ir bem para lá da frequencia benigna de 100 GHZ e tornar-se mortal na sua dosagem máxima.Este último ponto revela de resto o não-dito primordial do desenvolvimento do 'canhão de ondas': a questão do limite do seu uso.
E este é um dos pontos, para lá das considerações técnicas, mais importante... a elaboração de um sistema de armas como este,  se bem que destinado a um uso não-letal pode perfeitamente, por aceleração da pulsação de radiação, transformar-se numa arma mortal ou num terrivel meio de tortura, de resto algumas cobaias ficaram gravemente queimadas no decorrer de um teste por erro de dosagem.Resta ainda uma incerteza no que diz respeito ao raio de 100GHZ e suas consequências para o cérebro após exposição repetida, mesmo que os investigadores americanos tenham desmentido os riscos de patologias encefálicas, o factor de exposição continua a ser o centro das atenções...
Na mesma ordem de ideias, e embora essa dificuldade pareça ultrapassada, podemos interrogar-nos sobre a real faculdade  do militar encarregado de operar o sistema e orientar o raio, tanto mais que a problemática do emprego do 'canhao de ondas' é bastante similar ao dos armamentos acústicos, as ondas de baixa frequencia propagam-se fácilmente na atmosfera tornando-se dificeis de dirigir com precisão.
E pois provável que o Pentágono premedite tácitamente o seu emprego nas suas operações de alta-intensidade.
Do lado francês poucas informações se filtram sobre o assunto, se bem que haja conhecimento de equipas de investigadores franceses, alemães, britânicos e russos que trabalham actualmente no desenvolvimento deste sistema no Centro do Comissariado de Energia Atómica de Bédes- Gramat, no Lot- Pirinéus Franceses .No estado actual tem sido impossível estabelecer conjecturas fortes sobre o avanço das suas pesquisas.
Estigmatizado pelos seus detractores como uma arma potencialmente inumana, o ADS é especialmente uma testemunha da continuidade do processo da desumanização do armamento.Nao é o menor dos paradoxos que o canhão de ondas milimétricas se apresente como solução inovadora em termos de armamento de ponta e ao mesmo tempo ser também uma arma 'aterrorizante'.
Ou seja, permitindo a um mesmo sistema de armas propor tanto uma solução letal como não letal, o ADS abre o plano teórico da perspectiva de uma mutação crucial, a do armamento modulável....é pois uma verdadeira ruptura paradigmática face a lógica tradicional de concepção dos sistemas de armas.
Contradição que parece ter sido integrada e pronta a assumir, com o entusiasmo da ficção cientifica e a ausência de pudor ético que normalmente a caracterizam, pelas Forças Armadas Americanas.

Da revista T&ATechnologie & Armement- jul-Set2006
m/trad. do artigo de Georges-Henri Bricet des Vallons (membro do Inst. Prospect et Sécurité de l'Europe)


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