NÃO...O COVID NÃO É GRIPE
Hoje vou abrir uma exceção e falar da minha prática clínica. Ao contrário do que a chalupagem pensa, não sou um "teórico". Não passo a minha vida metido numa cave, sem ver a luz do sol, a dormir num colchão suportado por tijolos...Trabalho 60-80 horas por semana e ando a ver pessoas com COVID desde Março.
Não me queixo do trabalho porque desde 2008 aprendi que o problema não é muito trabalho, é não ter trabalho. Também não me queixo porque não trocava 1 hora, sequer, do meu trabalho com os colegas no serviço de urgência. Só quem passa por aquilo sabe o que é...ontem, ao ver o Carlos Cortes, Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, a falar que há colegas que ao entrar no serviço têm 40 pessoas para alocar ao internamento por causa do COVID-19...QUARENTA...e só dei graças por não trabalhar num hospital...e tive pena de quem lá trabalha.
Dito isto, vamos ao que interessa. Ontem por volta da meia-noite vi uma jovem de 28 anos. . A jovem tinha tido contacto de alto risco com doente com COVID-19. No dia 16 de Janeiro começou a ter sintomas compatíveis com COVID-19. O Menu todo: anosmia, disgeusia, febre, diarreia, náuseas e vómitos, tonturas e tosse. Progressivamente começou a ter dispneia para pequenos esforços.
Dados os sintomas foi fazer um teste PCR no dia 18 de Janeiro. O teste foi NEGATIVO. Repito...negativo. Falso-negativo. Sintomatologia exuberante, de livro e o teste...népia. Eu sei que a chalupagem só fala dos falsos-positivos, mas o problema são estes. Os falsos-negativos...
Náuseas e vómitos não cederam ao Motilium, pelo que foi prescrito Ondansetrom, algo que tem sido frequente com a COVID-19 - fica a dita para o laboratório, para me mandar a avença
Mas o mais incrível é isto: 28 anos, sem doenças. Falta de ar intensa a pequenos esforços, com saturação de 85%, que subia para 90% em repouso (normal é acima de 97%, com 90% já se pondera oxigénio). Amplitude de respiração diminuída de forma extrema. Taquicardia permanente, na ordem dos 110 bpm. 28 anos, com os pulmões feitos num caco. 28 anos, com "gripezinha".
Durante os 10 anos da minha prática, das centenas de gripes e pneumonias que vi, nunca tinha visto isto...é a diferença entre dar com os "cornos na COVID" e de ser um teórico metido numa cave a mandar uns bitaites no PC, a fazer uns gráficos martelados, a dizer que isto é uma pandemia do medo.
A jovem irá, provavelmente, juntar-se aos milhares de internados por COVID-19. Irá, certamente, juntar-se aos outros milhares que precisarão de reabilitação respiratória. É que, como temos vindo a falar, a COVID-19 não é só mortes...é também as sequelas.
Fonte: SCimed