Da Introdução do livro de Ricardo Marques,"Os fantasmas do Rovuma"cito:
- As páginas que se seguem contam a história de uma guerra de que ninguém fala.Não se comemora,não enche páginas de jornais e
salvo raras, mas boas, excepções, é tratada em meia dúzia de linhas nos livros de História. Ross Anderson,um dos maiores especialistas no tema, chamou à frente da África Oriental a Frente Esquecida.E com razão. Um século depois,ainda há muito por saber,muitos pontos por ligar,muitas
perguntas sem resposta.No final de 1917,depois de um breve ensaio meses antes,com as tropas alemãs prestes a entrarem definitivamente
em território português, e as inglesas em número muito superior atrás delas,uma real invasão estrangeira que não sucedia desde Napoleão e
que nunca mais se repetiu,um oficial alemão resumia a guerra africana de forma divertida:"Os ingleses perseguem-nos e nós perseguimos os
portugueses".A simplicidade tem destas coisas.A verdade é que tudo correu mal aos portugueses.Na frente e na retaguarda.As constantes mudan-
ças de governo e a instabilidade política em Lisboa sentiam-se a milhares de quilómetros.Em África as condições não podiam ser piores.Os solda-
dos morriam às centenas sem darem um tiro,sem saírem da base,atacados por paludismo, disenteria e sífilis.Outros morriam de cansaço nas
marchas de milhares de quilómetros pela selva,sem outro objectivo que não fosse andar.Andar,sempre andar.Depois havia os alemães,coman-
dados por um estranho general que insistia em viver do mato e do que roubava ao inimigo e que optava por uma mobilidade extrema das suas
reduzidas forças para atacar as enormes colunas adversárias.Havia também leões,formigas,elefantes e toda a espécie de mosquitos capazes
de matar um homem.Contra tudo isto Portugal mandava soldados indisciplinados,mal preparados,com escassa formação militar,que se re-
cusavam a tomar medicamentos,que bebiam àgua sem ser fervida,que passavam fome e sede,que andavam rotos e doentes. E era com estes
homens comandados por oficiais que não conheciam o terreno nem os hábitos das populações que,em Lisboa,se contava para invadir o terri-
tório alemão,primeiro,e para garantir que os alemães não invadiam o território português,depois.Falharam ambas.
O Autor considera esta obra não um livro de História,mas um livro de histórias,por ser baseado nos escritos de militares que viveram um
pesadelo.O livro em questão é duro de encarar,sobretudo para quem tem uma visão heróica e uma imagem elevada das cores portuguesas.
No entanto a verdade vem sempre acima,goste-se ou não. cr