Uma incursão a Dar Es Salaam

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Ricardo Nunes

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Uma incursão a Dar Es Salaam
« em: Agosto 17, 2004, 12:02:19 pm »
Como é do conhecimento geral, durante a guerra colonial portuguesa acções com um caracter classificado foram bastante frequentes. Muitas delas ainda não são do conhecimento público e um punhado foram desenvolvidas em territórios estrangeiros, com uma grande eficácia, mas sempre à margem do direito internacional. Era também normal a colaboração de outros países "amigos" nestas intervenções, sendo os mais óbvios a África do Sul e antigo Rodésia no teatro moçambicano.

É um pequeno relato de uma destas missões que vos trago e espero que me aturem visto que, sendo a informação escassa, é também uma história que sabe a "incompleta".


Decorria o ano de 1974. Os serviços de informações portugueses receberam uma suposta confirmação de que 3 navios de origem checoslovaqua se dirigem para Dar Es Salaam, Tanzânia, com carregamentos de armas destinados à Frelino.
É então elaborado um plano para deter os referidos navios. A 20 ( ? ) de Abril de 1974 zarpa de Moçambique a NRP João Coutinho rumo a norte.
Esta seria uma curta viagem, normal, se não fosse a declaração do comandante a meio da viagem: " Caros camaradas, desta ou ficamos lá todos ou vimos de lá todos ".
Ainda ao largo da costa de Moçambique, outra surpresa, um heli de origem sul-africana deixa no navio 6 especialistas sul-africanos em demolições marítimas e guerra submarina.
É então revelado  o plano de acção: a fragata deverá aproxiar-me da entrada do porto da capital da Tanzânia e miná-lo: tarefa que seria efectuada pelos sul-africanos. Após isto deveria tentar "caçar" os 3 navios de origem checa.

Toda a viagem é feita sem qualquer bandeira no mastro e sem qualquer tipo de identificação vísivel. Um verdadeiro barco pirata.

É então atingida a entrada do porto e, a coberto da noite, os especialistas sul-africanos minam a entrada do mesmo. A tensão entre a tripulação era, nesta altura, intensa de tal maneira que até ao enfermeiro de bordo marinheiros se confessavam.

A João Coutinho segue agora à caça dos navios checos. Passam-se 2 dias e nenhum navio é avistado até que ao 3º dia os gritos nervosos do vigia indicam que 3 rastos de fumo são vísiveis no horizonte. Visivelmente nervosos todo o navio se prepara para o combate. Constata-se mais tarde que afinal os 3 rastos provinham apenas de um navio mercante que, alternando a utilização das caldeiras dos motores, deixara 3 rastos de fumo.

Sem êxito na sua tentativa de apresar ou atacar os navios checos a NRP João Coutinho regressa a Moçambique com os sul-africanos a bordo.
Vivia-se o dia 24 de Abril. O resto... o resto é história. Seguiria-se no dia seguinte o 25 de Abril de 74.

As informações relativas a esta missão são extremamente escassas, daí que, se algum membro possuir mais alguma informação de relevância por favor partilhe com todos nós visto que esta foi, e será sempre, uma das acções mais arriscadas e espectaculares efectuadas no período colonial português.

Cumprimentos,

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Tanzânia


NRP João Coutinho
Ricardo Nunes
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fgomes

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« Responder #1 em: Agosto 23, 2004, 11:03:00 pm »
Não conhecia esta operação, no entanto ouvi falar que se chegou a estudar uma operação de resgate de prisioneiros de guerra portugueses detidos em Dar es Salaam mas houve oposição da parte do ministério dos Negócios Estrangeiros "escaldado" com a operação Mar Verde em Conakry.
Também um conterrâneo meu, paraquedista em Moçambique, me relatou ter efectuado operações em conjunto com SAS rodesianos em Tete por volta de 1972, em perseguição de guerrilheiros do ZANLA que se tentavam infiltrar na Rodésia através de Tete com o apoio da Frelimo.
 

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papatango

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« Responder #2 em: Agosto 24, 2004, 08:12:46 pm »
Também nunca tinha ouvido nada disto.
Fiquei no entanto sem entender nada. Porque é que eles estavam com medo? dos navios checos? Mas a Checoslovaquia é um país interior. Será que tinham marinha? E de que barcos é que eles estavam com medo?

É que naquele tempo a marinha da Tanzania, tinha no máximo quatro vedetas Shanghai-II, armadas com quatro canhões de 37mm.

As vedetas davam 30 nós, mas claro, por um periodo limitado. O alcance das peças de 37mm era de 8 Km e disparavam 180 tiros por minuto.

a corveta João Coutinho tinha uma peça dupla de 76mm com um alcance superior (12.8 Km)
http://freehost01.websamba.com/areamili ... a=Portugal
Além disso tinham canhões anti-aéreos 40L/70 duplo
http://freehost01.websamba.com/areamili ... _40L70.asp
que também pode ser utilizado contra alvos navais, que também tem um alcance de 12Km.

Mesmo que a Tanzania enviasse os seus barcos, se eles mostrassem intenções agressivas, as possibilidades que teriam seriam relativamente reduzidas.

O canhão duplo de 76mm (que na altura não era exactamente obsoleto) podia desfazer as vedetas da Tanzania.

A Força Aérea da Tanzania sería o maior perigo, mas não tinha capacidade para operar de noite e mesmo que tivesse, duvido que os seus pilotos acertassem num petroleiro, quanto mais numa Corveta, mesmo uma Corveta grande como a João Coutinho. Além de que não acredito que se atrevessem a defrontar os canhões AA da corveta. O máximo que podiam fazer era tentar atacar com bombas de queda livre, mas as probabilidades de exito seríam minimas, veja-se os ataques Argentinos (com pilotos de uma qualidade enormemente superior) contra os navios britânicos.

Mas de facto sería muito interessante ter mais dados sobre este assunto, porque assim a "seco" não entendo muito bem o objectivo da missão e a razão do medo dos participantes.

Claro, que a esta distância e sabendo agora com o que é que contava a Tanzânia é facil deitar postas de pescada :mrgreen: Na altura devia ser diferente, e se eu estivesse lá provavelmente também encomendava a alma.

Cumprimentos
É muito mais fácil enganar uma pessoa, que explicar-lhe que foi enganada ...
 

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Ricardo Nunes

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« Responder #3 em: Agosto 24, 2004, 09:21:57 pm »
Espero que não duvide da minha palavra caro papatango. Afinal de contas toda esta história é baseada em factos que me foram relatados por pessoas que a viveram.

Citar
Fiquei no entanto sem entender nada. Porque é que eles estavam com medo? dos navios checos? Mas a Checoslovaquia é um país interior. Será que tinham marinha? E de que barcos é que eles estavam com medo?


A média da tripulação da João Coutinho rondava, na altura, os 20 anos de idade. Para um qualquer rapaz de 18 anos, acabado de vir de Lisboa, esta seria sempre uma operação que envolveria muita pressão psicológica. Não entendo como é que você acha que, numa operação perfeitamente ilegal do ponto de vista de direito internacional, em território inimigo, os tripulantes não haveriam de sentir medo e de estarem nervosos. Afinal de contas era uma operação de alto risco.

A "origem" ( bandeira ) dos navios era checoslovaqua, mas todos sabemos que isso significava União Soviética. Não é necessário um país ter costa para um navio poder estar registado em seu nome.

É exactamente pelo facto de possuir pouca informação - e por a Marinha não me responder ao e-mails - que perguntei se algum membro do fórum possuía alguma informação suplementar.

Cumprimentos,
Ricardo Nunes
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papatango

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« Responder #4 em: Agosto 24, 2004, 10:25:41 pm »
Claro que não duvido.
Aliás essa operação faria sentido, tendo em consideração as operações realizadas em Moçambique.

Conforme eu disse, hoje é fácil concluír que a João Coutinho não tinha nenhum rival á altura naqueles mares. Mas na altura, com a pouquissima informação que havia, e ainda mais num país onde existía censura, que é a melhor forma de ajudar a criar boatos, é evidente que se compreende o problema da tripulação.

Faz-me lembrar a situação de 1975 com a invasão de Timor. Se Portugal tivesse enviado duas ou três fragatas para lá e tivesse respondido aos Indonésios, eles não tinham ocupado Timor, porque não tinham barcos á altura e os seus aviões não podiam operar tão longe das suas principais bases.

Por isso é que as guerras se ganham com a informação.

A marinha, nunca lhe vai responder. Lembro-lhe que, tanto quanto sei, Portugal nunca reconheceu oficialmente a operação Mar Verde, exactamente para evitar a questão das indemnizações.

Cumprimentos
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fgomes

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« Responder #5 em: Agosto 24, 2004, 11:41:07 pm »
As nossas informações eram pouco fiáveis, havendo uma tendência para sobrestimar o adversário. Veja-se também o caso dos supostos meios aéreos do PAIGC que na realidade não existiam. Por outro lado quando a guerrilha começou a usar mísseis Strela fomos apanhados de surpresa. Realmente a informação é fundamental numa guerra.
 

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Spectral

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« Responder #6 em: Agosto 25, 2004, 12:20:13 am »
Citar
Faz-me lembrar a situação de 1975 com a invasão de Timor. Se Portugal tivesse enviado duas ou três fragatas para lá e tivesse respondido aos Indonésios, eles não tinham ocupado Timor, porque não tinham barcos á altura e os seus aviões não podiam operar tão longe das suas principais bases.


Os indonésios dizem que durante o assalto aerotransportado a Díli fragatas portuguesas lá estacionadas colaboraram activamente com a FRETILIN.  :roll:

Vi isso há uns tempos num artigo a "relatar" a versão indonésia dos acontecimentos. A ver se o encontro.
I hope that you accept Nature as It is - absurd.

R.P. Feynman