Invasão de Goa, Damão e Diu - A guerra esquecida?

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TOMKAT

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« Responder #30 em: Janeiro 08, 2007, 12:10:34 am »
Um tema não tão esquecido como isso... por altura da visita do PR Cavaco Silva à Índia.

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Índia: Invasão de Goa, Damão e Diu foi ilegal e ilegítima - Carlos Azeredo

**** Por Fernando Zamith, da agência Lusa **** Porto, 08 Jan (Lusa)
A invasão dos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu, consumada em 1961 pelas tropas indianas, foi "ilegal, ilegítima e contra os Direitos Humanos", disse à Lusa o general Carlos Azeredo.

"Foi um ataque absolutamente ilegal, ilegítimo e contra os Direitos Humanos. O que lá vai lá vai, mas isso é uma verdade histórica, e a verdade não se torce", afirmou Carlos Azeredo, em entrevista à agência Lusa, no Porto, onde vive.

Carlos Azeredo, então com 31 anos, estava em Goa como oficial de ligação do comandante da Polícia do Estado da Índia (PEI, designação dada ao Exército português na Índia), general Vassalo e Silva, quando 50 mil tropas da União Indiana invadiram o Estado Português da Índia, ao anoitecer de 17 de Dezembro de 1961.

"Eles tinham armas automáticas e nós umas kropatchek de 1892, armas de origem checa completamente obsoletas, que era preciso carregar depois de cada tiro. Não tínhamos qualquer meio aéreo e eles atacaram-nos com aviões a jacto. Foi a primeira vez que vi um avião a jacto", recordou Carlos Azeredo.

O ataque foi feito por terra, com carros de combate blindados, por ar, com inúmeros caças e bombardeiros, e por mar, com vários navios de guerra. As tropas portuguesas ainda conseguiram rechaçar o primeiro ataque, mas a resistência durou pouco.

O então capitão Azeredo tinha a incumbência de comandar as tropas no último reduto, em Goa, mas não chegou a entrar em acção.

Com apenas uma metralhadora anti-aérea, escassa artilharia, poucas munições e só um navio de guerra, um aviso de primeira classe (maior do que um destroyer e menor do que um cruzador), os portugueses sabiam que não podiam resistir muito tempo.

Menos de dois dias depois, às 17:00 de 19 de Dezembro, as mal armadas tropas portuguesas aceitaram o cessar-fogo e a União Indiana consumou a ocupação, mas a anexação unilateral dos territórios de Goa, Damão e Diu só foi reconhecida por Portugal e pelas Nações Unidas depois do 25 de Abril de 1974.

Com o cessar-fogo, que não constituiu uma rendição oficial, como sublinhou Carlos Azeredo, a União Indiana enviou para campos de prisioneiros os cerca de 3.500 militares da PEI, metade dos quais nascidos na metrópole (Portugal continental) e os restantes nos territórios portugueses na Índia (morreram nos combates 26 portugueses continentais e um número indeterminado de goeses).

Impedidos de tentar fugir, sob pena de serem considerados "traidores", só seis meses depois um navio português foi buscar os prisioneiros, recebidos em Lisboa sob a ameaça de pistolas, dado Salazar os ter acusado de "covardes" por não terem lutado até à morte.

"Goa foi uma tragédia, um desastre nacional", frisou Carlos Azeredo, disparando críticas simultaneamente para o presidente do Conselho, Oliveira Salazar, o primeiro-ministro na União Indiana, Pandita Nehru, e o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy.

Para Carlos Azeredo, não havia qualquer razão, "a não ser geográfica", para integrar Goa, Damão e Diu na União Indiana, que era de constituição bem mais recente do que a Índia Portuguesa.

"Goa era muito mais velha do que a União Indiana, que só nasceu em 1947/48", quando passou a ser um estado independente do império britânico, salientou, recordando que as possessões portuguesas na Índia começaram com Afonso Albuquerque.

O general sublinhou que "Goa foi conquistada a muçulmanos e não a hindus", pelo que não havia qualquer legitimidade para a anexação do Estado Português da Índia pela União Indiana.

"Kennedy, que foi bem morto, teve muita culpa disso. Ele, através da mulher, deu carta branca a Nehru para atacar Goa", acusou Carlos Azeredo, referindo que, apesar de não desejar a morte de ninguém, não teve pena que o então presidente norte-americano fosse assassinado.

"O tipo [John Kennedy] era absolutamente contra Portugal, sobretudo por causa das colónias", afirmou o general, salientando que Salazar também não ajudou nada à resolução pacífica do conflito, dado que "chegou a oferecer bases aos chineses para fazerem guerra à União Indiana".

Carlos Azeredo referiu que a integração na União Indiana nem sequer era desejada pelos goeses, que lhe deram muitas provas de amizade e gratidão durante os seis meses em que esteve prisioneiro.

"Como viram as boas relações que tínhamos com os goeses, obrigaram a população a separar-se de nós. Impediram todas as visitas aos prisioneiros, à excepção de uma visita por semana da Cruz Vermelha Internacional", disse.

"Os goeses foram leais e portaram-se como portugueses até ao fim", frisou Carlos Azeredo, acrescentando o que lhe disse um oficial indiano: "Esta guerra foi uma teimosia de velhos: Nehru e Salazar".

A única "vantagem" pessoal que Azeredo disse ter tido da "tragédia" de Goa foi o despertar da sua consciência política: "Daí em diante passei a ter actividade política. Essa é talvez uma das razões porque comandei o 25 de Abril no Norte de Portugal. Foi revanche [vingança] contra a forma como fomos tratados pelo Estado Novo e por Salazar".

Passados 45 anos, o "monárquico, católico e conservador" Carlos Azeredo, que foi oito anos chefe da Casa Militar do "republicano, laico e socialista" Presidente da República Mário Soares, lamenta que os portugueses que foram prisioneiros de guerra continuem sem receber pensões e que o Governo de José Sócrates tenha proibido as mulheres dos militares de serem tratadas nos hospitais militares.

Em contraste com os muitos "ministros do Ataque" que viu passar pelos governos após o 25 de Abril, Carlos Azeredo considerou que Adelino Amaro da Costa e Paulo Portas foram os únicos verdadeiros ministros da Defesa que Portugal teve.

"Paulo Portas não tinha dinheiro, e a gente percebeu isso, mas não nos ignorou", disse Carlos Azeredo, elogiando o gesto do ex- ministro da Defesa, que, em 2003, atribuiu a "Medalha de Reconhecimento" aos prisioneiros da guerra colonial.

FZ.

Lusa/Fim
IMPROVISAR, LUSITANA PAIXÃO.....
ALEA JACTA EST.....
«O meu ideal político é a democracia, para que cada homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado»... Albert Einstein
 

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LM

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« Responder #31 em: Dezembro 17, 2007, 11:39:52 am »
CM 17/Dez/07

Comandante da lancha ‘Sirius’ à data da invasão de Goa pelas tropas da União Indiana, Marques da Silva, então com 25 anos, cumpriu uma ordem que lhe deixou marcas: afundou o seu próprio navio com recurso à danificação das hélices. “Ainda hoje ouço o barulho do embate da lancha nas rochas”, recorda, à distância de mais de quatro décadas, quem, tal como a sua guarnição de oito homens, escapou de ser detido. Sobre o cenário de guerra, classifica-o como “um absurdo que marcou o início da ruptura entre os militares e a ditadura”.

Autor do livro ‘Sirius’, em que pretende repor a verdade sobre o que aconteceu, Marques da Silva entende que o seu nome, “na altura, foi apagado na instituição naval, tendo só sido recuperado em 2005”. O que fez “resultou do cumprimento de uma ordem clara”, garante. No dia do ataque indiano, sem ter recebido quaisquer instruções do Comando Naval de Goa sobre como actuar em caso de ataque, e depois de ver o navio de guerra ‘Afonso de Albuquerque’ encalhar, decidiu afundar a lancha.

Como mandam os manuais militares, nos dias seguintes conseguiu evitar fazer-se prisioneiro. Cumpriu as regras e recusou lutar até à morte, como pretendia Salazar. “A morte em combate é uma consequência involuntária. Não é uma expressão que a ética militar preveja numa situação de conflito”, explica.

A salvo com os seus homens, chegou ao Paquistão num cargueiro grego. De regresso a Lisboa, a sua atitude não foi bem recebida por um regime que defendia a resistência na Índia até ao último soldado.

Depois de um processo moroso e sem direito ao contraditório, acabou por ser expulso da Marinha. O caso da ‘Sirius’ nunca foi assimilado pela instituição.

Sem vencimento, casado e com três filhos, compreendeu que era necessário lutar na vida civil. Quem foi tradutor até formar-se em Engenharia espera agora clarificar uma situação que permanece esquecida na Marinha. Gostaria de convidar os homens que comandou para a apresentação de ‘Sirius’, mas desconhece o paradeiro da maior parte deles.

LIVRO NARRA TRÊS VIDAS

Quarenta e seis anos após a invasão de Goa, Damão e Diu, é apresentado amanhã, na sede do Comité Olímpico Português, em Lisboa, o livro ‘Sirius - Índia, 18 de Dezembro de 1961 - Três Casos de Marinha’, de Manuel José Marques da Silva. A obra revive a experiência de três militares no dia em que as forças indianas ocuparam os territórios. O comandante Marques da Silva recorda que, após receber ordem para afundar a lancha ‘Sirius’, viria a ser proscrito da História da Marinha. Uma segunda parte é referente ao vice-almirante Fausto Morais de Brito, que deslocou uma outra lancha, a ‘Antares’, de Damão para o Paquistão. Do capitão-tenente Vitor Marques Pedroso são reveladas as cartas no cativeiro em Pondá.

CAMARADAS PRESTAM RECONHECIMENTO

AMADORA

Na Academia Militar, na Amadora, em Outubro de 2004, o tenente--coronel José Aparício disse: “Há ainda injustiças dolorosas por reparar, como o caso da lancha ‘Sirius’, afundada no cumprimento de ordem superior.”

‘SAGRES’

No navio-escola ‘Sagres’, um ano depois, o contra-almirante Azevedo Pascoal aludiu à reparação moral que considerava necessária. “Este acto recuperou-me para a instituição naval”, entende Marques da Silva.

TESTEMUNHO

‘Sirius’, o livro agora publicado, tem no último capítulo o testemunho de pessoas próximas dos militares Marques da Silva, Morais de Brito e Marques Pedroso.

PERFIL

Manuel José Marques da Silva nasceu em Lisboa a 20 de Setembro de 1936 e entrou na Escola Naval em 1955. Guarda-marinha em 1958 e segundo-tenente em 1959, foi destacado para Goa a 3 de Dezembro de 1961. Após os acontecimentos de 18 de Dezembro desse ano regressou a Lisboa a 29 de Dezembro de 1961. Demitido da Marinha em Abril de 1963, viria a tirar o curso de Engenharia Electrónica. Reintegrado na Marinha em 1975, foi incorporado na reserva territorial. É vice-presidente do Comité Olímpico.  

João Saramago
Quidquid latine dictum sit, altum videtur
 

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Luso

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« Responder #32 em: Dezembro 17, 2007, 04:50:31 pm »
Estando eu no conforto do meu lar e sem ter passado alguma vez por qualquer que se assemelhe, não posso deixar de estranhar a posição de um militar que, perante uma situação de combate e de invasão do seu território, decide-se pela inutilização dos seus meios e combate e pela evasão.

"No dia do ataque indiano, sem ter recebido quaisquer instruções do Comando Naval de Goa sobre como actuar em caso de ataque, e depois de ver o navio de guerra ‘Afonso de Albuquerque’ encalhar, decidiu afundar a lancha."

Eles atacam-nos. O que faço?
Afundo o próprio barco. :shock:

À espera de instruções para quê?
Em Wake todos ajudaram à festa, independentemente da sua especialidade e condição militar.
Desconfio muito da qualidade dos oficiais da altura.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

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Miguel

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« Responder #33 em: Dezembro 17, 2007, 08:34:32 pm »
O que faria o capitao Luso dentro de um NPO2020 com uma unica peça de 40MM contra uma invasao de forças superiores c34x

Arriscar sem qualquer utilidade, as vidas dos homens sob seu comando?

Lembre-se do general de gaulle, "nao é porque perdemos uma batalha que perdemos a guerra"

Como militares experientes devemos saber quando é possivél resistir e quando é necessario uma retirada, para vencer no futuro.
 

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Luso

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« Responder #34 em: Dezembro 17, 2007, 09:15:18 pm »
Citação de: "Miguel"
O que faria o capitao Luso dentro de um NPO2020 com uma unica peça de 40MM contra uma invasao de forças superiores c34x

Arriscar sem qualquer utilidade, as vidas dos homens sob seu comando?

Lembre-se do general de gaulle, "nao é porque perdemos uma batalha que perdemos a guerra"

Como militares experientes devemos saber quando é possivél resistir e quando é necessario uma retirada, para vencer no futuro.


Não sei o que é que o Capitão Luso faria. Até poderia ser que fizesse muito pior figura que esse comandante. Ou não.
Mas se formos levados a esse extremo é preferível não ter juramentos de bandeira, nem forças armadas nem coisa nenhuma. Se se desiste logo à primeira...
Depois, parto do princípio que quando se enverga o uniforme aceitam-se as consequências.
O que fez Oliveira e Carmo?
É possível louvar o seu exemplo e aceitar uma postura contrária?

Ao ler as poucas linhas desse livro aqui citadas parece-me uma situação de uma desistência precoce", para não dizer deserção.
Resumindo, o princípio que defendo é que pelos menos uns tiritos bem dados ele e os seus deveriam ter dado, no mar ou na terra.

Em todo o caso - e mais uma vez repetindo o que desde sempre disse - que os culpados foram (e são) as chefias militares cobardes e cúmplices com a irresponsabilidade do poder político ao não terem feito o seu melhor para garantir as melhores hipóteses de sucesso e sobrevivência para as tropas sobre o seu comando.
Melhores hipóteses essas que a maior parte de nós, neste fórum, procura conseguir para as nossas forças.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

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pedro

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« Responder #35 em: Dezembro 17, 2007, 09:21:06 pm »
Concordo consigo luso.
A patria é o mais importante.
Senao para que que eles dizem que dariam a vida pela patria?????
O capitao pedro tentava fazer o possivel para honrar Portugal e seus antepassados.
Cumprimentos e boas festas. :wink:
 

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papatango

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« Responder #36 em: Dezembro 17, 2007, 10:47:57 pm »
Na realidade, dar a vida pela Pátria, só é realmente importante quando a perda da vida tem um objectivo claro.

Só se a perda da vida puder salvar ou prlongar a vida da dita Pátria é que é legitimo pedir o sacrificio máximo.

Num juramento de bandeira, jura-se defender essa mesma Pátria, mas não se jura dar a vida apenas por dar a vida.

Comparativamente com o século XVI, em que muitos comandantes "viravam" corsários e roubavam os indianos, fossem eles aliados ou inimigos do rei de Portugal e em que alguns fizeram pactos para entregar fortalezas ao inimigo a troco de dinheiro, o comportamento dos militares portugueses esteve muito longe de indigno ou menos corajoso.

A verdade é que é normal pedir a vida dos soldados numa situação crítica, em que a própria Pátria depende de uma vitória desesperada.
Para os militares na Índia, que estavam numa parcela mínima do império português, a perda da vida deveria parecer algo de absurdo, num país como Portugal que tinha mais terra que aquela que conseguia dominar e colonizar.

Na verdade, a perda da Índia não parecia colocar em causa o império na sua totalidade.

Além de tudo isto, não esquecer que o governo em Lisboa não esperava na realidade um ataque indiano. Começou a negociar com a China a concessão de bases em Goa para a marinha de Mao Tsé Tung.

Mao, mandou dizer a Salazar que a China estava interessada em discutir o assunto das bases navais em Goa, mas que não previa que Nehru atacasse num futuro próximo.

As informações da China de Mao, vieram ao encontro da impressão internacional de que a Índia da "Não intervenção" e do pacifismo não iniciaria uma guerra.

Para não criar problemas e reduzir a possibilidade de uma acção militar indiana, o governo de Lisboa não fez absolutamente nada para reforçar Goa com tropas minimamente credíveis.

Quando Salazar entendeu que a Índia iria mesmo atacar era já demasiado tarde.

Um governo que se enganou rotundamente, previu mal e organizou pior, não tinha legitimidade para tentar limpar com o sangue dos soldados (aos quais mandou chouriços em vez de munições) a sua própria incompetência e erros de previsão.

A destruição de material, para evitar que caia em mãos do inimigo não é nada de extraordinário. O aviso Afonso de Albuquerque aliás foi encalhado propositadamente, embora estivesse armado com canhões de 120mm e tivesse alguma capacidade militar.

Era aliás praticamente a unica coisa com alguma serventia, mas que perante as fragatas da Índia (uma das quais chegou a ser atingida tendo-se retirado de imediato)  não tinha qualquer hipótese.

Cumprimentos
É muito mais fácil enganar uma pessoa, que explicar-lhe que foi enganada ...
 

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Lancero

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« Responder #37 em: Abril 02, 2008, 05:02:12 pm »
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47 anos depois a viúva do tenente Oliveira e Carmo foi ao encontro da memória do marido morto na batalha de Diu

Artigo de José Pedro Castanheira, publicado no Expresso de 29MAR08



Eram 6h25 do dia 18 de Dezembro de 1961 quando a lancha de fiscalização ‘Vega’ levantou ferro do cais de Diu. A invasão pelas forças da União Indiana já tinha começado - por terra, mar e ar. À saída da barra, os oito membros da guarnição avistaram, recortada no horizonte, a silhueta de um cruzador inimigo, com a bandeira de fogo içada no mastro. Pouco depois, o comandante desapareceu no interior da embarcação. Ao reaparecer, o 2º tenente Jorge Manuel Oliveira e Carmo envergava uniforme branco, próprio dos grandes momentos. “Assim morrerei com mais honra”, justificou-se. Pouco depois, falou à tripulação: “Fazemos parte da defesa de Diu e da Pátria e vamos cumprir até ao último homem e última bala, se possível”. O inimigo não perdeu tempo. Dois aviões fizeram fogo cerrado sobre a ‘Vega’, limitada a uma pequena metralhadora de 20mm. Atingido nas coxas, o comandante, coberto de sangue, despediu-se dos marinheiros. Antes, num gesto que os cinco sobreviventes jamais esqueceriam, tirou do bolso um plástico que protegia as fotografias da mulher e do filho e beijou-as. Um novo voo picado dos caças indianos roubou finalmente a vida ao tenente, cujo corpo desapareceria mais tarde no Mar de Omã, arrastado pela lancha a afundar-se.

Durante semanas, a mulher viveu na ânsia da incerteza. Escreveu-lhe, desesperada, todos os dias. Pelo correio, nem uma nova. Na rádio, televisão e jornais, apenas loas à “heróica resistência” dos soldados e marinheiros. A notícia da morte só chegou a Lisboa um mês depois, a 18 de Janeiro de 1962, através de um telegrama da Caritas de Goa, em português e inglês, a “informar falecimento” do tenente Oliveira e Carmo, «killed in action». Maria do Carmo estava em casa a comer uma laranja quando entraram vários familiares. “Vinham todos vestidos de negro, não precisaram de dizer nada...”

A gesta do comandante Oliveira e Carmo - acima descrita a partir do ‘relatório de acção’ feito pelos sobreviventes - ficou nos anais da historiografia militar como o último herói da Índia. O Estado atribuiu-lhe a título póstumo a Torre e Espada, a mais alta condecoração militar. À viúva, uma pensão de sangue.

Morto aos 25 anos, deixou um filho, Diogo, com pouco mais de um ano, e a viúva, Maria do Carmo, de 22 e grávida. “Foram quatro anos inesquecíveis: em 1959, casámos; em 1960, nasceu o Diogo; em 1961, morreu o Jorge; e em 1962, em Janeiro, nasceu o outro Jorge”, conta Maria do Carmo, na sua casa, no Restelo, que lhe foi atribuída pelo Estado, mas paga por si e pela Gulbenkian. Com duas crianças no colo, determinada, refez a vida, apostada no futuro. “Não podia viver do passado”, explica. Pragmática, pegou em toda a correspondência trocada com o marido, nas fotografias e outras recordações e fechou-as numa mala, no sótão.

Empregada na TAP durante anos, Carmo viajou pelo mundo fora. Incluindo a Índia, que visitou como turista mais do que uma vez. Chegou a ir a Bombaim, bem pertinho das antigas colónias de Goa, Damão e Diu. Sem a coragem de lá entrar. Até que, há uns anos, um paciente entrou no consultório médico do filho Diogo. Informado de que era o varão do herói de Diu, contou-lhe que o cadáver do pai teria aparecido nas areias brancas da praia de S. Sebastião. A informação coincidiu com a tragédia de Entre-os-Rios, com os cadáveres a surgirem, um a um, semeados ao longo da costa, Minho e Galiza acima. “Nessa altura, tomei a decisão de ir a Diu. Quando chegasse a altura”.

O momento chegou em Fevereiro passado. Antes, teve que juntar forças e preparar-se. Com a ajuda dos filhos e da única irmã, Luísa - que, de resto, a acompanhou no seu périplo. Conversou igualmente com o pároco de S. Francisco Xavier, padre Colimão, indiano e com familiares em Diu.
Como não há fome que não dê em fartura, visitou Diu duas vezes. Numa primeira, foi como uma vulgar turista - “estava demasiado couraçada”. À segunda, mais serena e com o terreno desbravado, sentiu finalmente a terra onde o marido passou os últimos cinco meses de vida, até morrer numa inútil batalha com vencedor antecipado. Com a ajuda de um sacerdote, percorreu os lugares que Jorge tantas vezes descrevera: a casa da lancha (onde vivia), a fortaleza e o farol, o Fortim do Mar, a estátua do conquistador Nuno da Cunha, a capitania, o bazar, a praia de S. Sebastião. E as muitas igrejas e capelas. Numa delas, até é provável que repousem os restos mortais do marido. Na matriz de São Paulo, Carmo despediu-se de Diu e de Jorge, mandando rezar uma missa “por todos os portugueses que ali morreram”. Igreja cheia, para uma missa em inglês, com o celebrante a afirmar que “Oliveira e Carmo faz parte da natureza de Diu”. Maria do Carmo comoveu-se. É isso que pensa. Melhor: é isso que sente. Descarta, por isso, qualquer hipótese de trasladação de eventuais ossadas: “Não! Foi por Diu que ele deu a vida - ele pertence a Diu!”
"Portugal civilizou a Ásia, a África e a América. Falta civilizar a Europa"

Respeito
 

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TOMSK

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« Responder #38 em: Dezembro 15, 2008, 09:13:21 pm »
Só para relembrar que estamos a dias de assinalar a queda da Índia Portuguesa...

Já no dia 14 de Dezembro de 1961 tinha chegado a célebre carta de Salazar ao Governador Vassalo e Silva em que pedia-lhe que organizasse a defesa "pela forma que melhor possa fazer realçar o valor dos portugueses, segundo velha tradição na Índia"
"É horrível pensar que possa significar o sacrifício total, mas recomendo e espero esse sacrifício como única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação".


 :cry:   :cry:
 

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P44

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« Responder #39 em: Dezembro 16, 2008, 08:29:08 am »
queriam uma Chacina, era isso??????
"[Os portugueses são]um povo tão dócil e tão bem amestrado que até merecia estar no Jardim Zoológico"
-Dom Januário Torgal Ferreira, Bispo das Forças Armadas
 

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TOMSK

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« Responder #40 em: Dezembro 16, 2008, 10:29:16 am »
O passado português na Índia tem um peso muito grande, que não se devia compadecer com rendições. E a desvantagem numérica não era novidade para nós...

No entanto, o passado não se discute, e só quem lá estava é que sabia com mais certeza o que podia ou não podia fazer.

Prefiro relembrar contudo a atitude de Santiago de Carvalho, que não se rendeu, e consegui resistir quase 36 horas, na fraca Damão, quase sem armas, sem munições...
Um feito de "tomates", que parece vindo daquelas histórias dos feitos portugueses do séc.XVI...
E concerteza estará agora lá no céu, lado a lado a Albuquerque e aos grandes da Índia, plenamente merecedor de tal companhia...

A questão não era conseguirmos resistir ou não. Era impossível resistir a tão poderoso exército.
Trata-se de que depois de largos séculos da presença portuguesa na Índia, saímos de lá pela porta pequena...
 :roll:
 

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Daniel

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« Responder #41 em: Dezembro 16, 2008, 10:44:48 am »
Índia: Invasão de Goa, Damão e Diu foi ilegal e ilegítima - Carlos Azeredo


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Eles tinham armas automáticas e nós umas kropatchek de 1892, armas de origem checa completamente obsoletas, que era preciso carregar depois de cada tiro. Não tínhamos qualquer meio aéreo e eles atacaram-nos com aviões a jacto. Foi a primeira vez que vi um avião a jacto", recordou Carlos Azeredo.


Meus amigos creio que está tudo dito, como é que era possivel registir, com uma diferença tão grande de meios, creio que esse sempre foi um erro de nossas guerras, falta de meios, pois capacidade humana sempre tivemos e temos, agora ao contrario ficamos muito a desejar. :roll:
 

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Lightning

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« Responder #42 em: Dezembro 16, 2008, 12:25:07 pm »
É muito fácil falar que se devia resistir na Índia sentados no sofá, mas se qualquer um de nós de visse nessa situação, com 18 anos, inferioridade numérica esmagadora, armamento obsoleto, sem apoio aéreo.

"Tenho 18 anos e vou-me suicidar contra o Exército Indiano, para que no futuro todos digam como eu fui valente! Só se for parvo! Ainda por cima eu nem moro aqui nem ninguém da minha familia!"
 

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André

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« Responder #43 em: Dezembro 16, 2008, 12:30:51 pm »
Saimos de lá pela porta pequena tal como os Ingleses e Franceses ...  :roll: E como é que querias que eles resistisem quando a Metropole em vez de Munições enviou Chouriços ...  :?

 

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TOMSK

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« Responder #44 em: Dezembro 16, 2008, 12:52:55 pm »
Por isso mesmo é que só quem estava lá sabia o que podia fazer...
Eu não estou criticar a atitude do Vassalo e Silva, nem dos militares que se renderam!

Como sempre, é a política que não funciona, e depois a fava sai sempre aos militares...

Não funcionou Salazar, não funcionou a "Aliança Mais Velha do Mundo", não funcionou Kennedy e os EUA, não funcionou a ajuda chinesa...

Temos que entender que as critícas ao Vassalo e Silva estão inseridas num regime que usava para uso pessoal as glórias e personalidades passadas de Portugal, de conquistas e heróicas vitórias contra forças substancialmente superiores. Ora, rendendo-se o Governador, para o regime não interessava quais tinham sido as condições, mas o facto de se ter rendido era uma vergonha para Salazar e a sua política de continuação do Império de "quinhentos".

E cada um sabe de si. Se houve os portugueses que se renderam, também houve os que lutaram.
Lutaram para nada, pode-se dizer.
E são parvos por isso? Secalhar sentem a herança de ser português de outra maneira. E sim, estavam a defender Portugal. Aquele pedaço de Índia era Portugal. Pelo menos em teoria.
São razões pessoais, as do Santiago de Carvalho e as do Vassalo e Silva.

Se Salazar queria manter a Índia Portuguesa ( :roll:  ) então devia ter abdicado de tropas que não eram precisas em África e enviá-las para lá.
Mas sem dúvida, houve aqui um erro crasso de Salazar, a lembrar as dos velhos comandantes debruçados sobre um mapa, movimentando divisões que já nem existem...