A questão síria
Alexandre Reis Rodrigues
Não é provável que o regime imposto à população síria pelo Presidente Bashad al-Assad consiga resistir por muito tempo ao clima de insurreição que alastra por todo o País; mas a mudança, seja ela qual for, não vai ser fácil nem irá concretizar-se rapidamente. Entre outras razões, porque os Países com capacidade de influência sobre o decurso dos acontecimentos internos, embora desaprovando a forma como o regime lida com a oposição, também não querem o seu colapso sem uma alternativa credível à mão.
Para alguns observadores, a maior pressão que Washington começou a fazer recentemente, para que Assad abandone o poder, pode precisamente significar que existe uma solução que pode ser apoiada. A recente deslocação de Davutoglu, ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia a Damasco, também a “reclamar” o fim da forma radical como Assad lida com a situação, que se estima ter causado cerca de 1700 mortos (2400 segundo o Local Coordination Committee), pode ter uma leitura idêntica.
Como se esperava, Assad não mostra abertura para lidar com a oposição nem para evitar excessos de violência às suas manifestações, nomeadamente quando diz que continuará a actuar contra os grupos que tentam desestabilizar o País. Mas ao acrescentar que se encontra receptivo à ajuda de países amigos na procura de uma solução para a crise, está, pelo menos, a dizer que não ignora a importância de um apoio externo que ajude o regime a sobreviver, neste momento o seu objectivo principal.
A Turquia, com ambições de potência regional e partilhando uma fronteira comum de 850 quilómetros com a Síria e tendo dado abrigo a mais de 10.000 refugiados que tentam escapar ao caos em que o regime os colocou, é com certeza um desses países. A grande incógnita, porém, é saber até que ponto estará disposta a envolver-se e de que forma; uma das possíveis “cartas em cima a mesa” será a exigência, como contrapartida, de um maior distanciamento em relação a Teerão, um tópico de agenda que os EUA, certamente, não deixarão de fazer notar como sendo do seu maior interesse.
Estas circunstâncias transformam o problema interno da Síria numa questão internacional que pode ter grandes repercussões no conturbado Médio Oriente. A generalidade dos Países árabes da região (Arábia Saudita, Kuwait, Qatar, Bahrain, Egipto) já fizeram regressar às respectivas capitais os seus embaixadores em Damasco e não têm hesitado em exigir maior contenção na forma de lidar com a oposição, muito embora internamente, não sigam o que apregoam. À semelhança da Turquia e EUA, estão todos unidos pelo interesse comum em ver Damasco distanciar-se de Teerão, possibilidade que uma mudança de regime deixaria em aberto.
Existe alguma boa perspectiva de este desfecho vir a concretizar-se no futuro próximo? Vai depender da forma como o Presidente Assad avaliar a importância relativa da ajuda que Teerão ou Ancara lhe poderão dar para garantir a sobrevivência do regime, inclinando-se para um lado ou outro, consoante a percepção das respectivas vantagens. De momento, esse jogo tenderá a favorecer Teerão, que é peça-chave da estratégia de segurança da Síria em relação a Israel mas tudo vai depender, em última instância, na forma como a oposição interna síria se conseguir organizar para dar maior consistência aos dois principais riscos que Assad enfrenta: o possível desmembramento da minoria alawita que detém o poder e uma eventual ruptura no seio das Forças Armadas. Nestes dois aspectos específicos talvez Ankara possa influenciar a precipitação de uma crise interna a que seria difícil Assad resistir.
A recente substituição do general Ali Habib de 72 anos como ministro da Defesa, em circunstâncias algo confusas, pode incluir alguns elementos de ligação com as duas possibilidades atrás citadas mas não se sabe ao certo. É de admitir que a oposição se tenha aproveitado de uma simples demissão por motivos de doença, seguida do falecimento no dia seguinte, para montar uma história de dissidências internas entre os quatro clãs dos alawitas e de discordância do general quanto ao emprego das Forças Armadas na repressão da oposição, o que terá levado ao seu subsequente assassinato.
Segundo algumas fontes, o substituto de Habib, o general Rajiha, também tem o mesmo tipo de reservas e estará, como o seu antecessor, em conversações com os EUA. Terá sido escolhido por ser cristão (a 1ª vez que um cristão assume o posto de MDN), precisamente como forma de Assad alargar a esse sector (10% da população) a estreita base de apoio que tem entre os alawitas (12%). Obviamente, estes temas precisam de ser acompanhados de perto mas as hipóteses de manobras de contra-informação obrigam a alguma cautela na sua ponderação.
Em qualquer caso, há duas figuras-chave da cena síria que por serem especialmente importantes no actual contexto, precisam de ser observadas. São os que estão a gerir a actual campanha militar: o irmão (Maher) mais novo do Presidente que chefia a Guarda Republicana e o cunhado (Asef Shawkat) que desempenha as funções de Vice-Chefe do estado Maior do Exército. Conseguirá o clã Assad manter-se unido para sobreviver? É da resposta a essa pergunta que de momento mais depende o desfecho da crise síria.
Jornal Defesa