Os Prisioneiros do Reich O Tratamento aos pilotos aliados detidos num Stalag LuftConforme relatos oficiais da Wehrmacht e do Alto Comando Britânico o primeiro oficial aviador aliado a ser feito prisioneiro pelos alemães foi o 1º tenente Laurence Hugh Edwards, piloto da RAF nascido na Nova Zelândia e abatido quando fazia um vôo de reconhecimento sobre o mar do Norte no dia 5 de setembro de 1939. Edwards seria o primeiro de milhares de pilotos a serem capturados pelas autoridades alemãs naquele conflito.
Psicologicamente a situação dos pilotos que caíam em mãos inimigas era muito diferente daquela de outros militares aliados (soldados ou marinheiros). Estes geralmente eram feitos prisioneiros depois de uma longa batalha, talvez depois de meses no mar, ou de trabalho pesado no campo. Mas os pilotos em geral só caiam em mãos inimigas poucas horas depois de desfrutar do conforto de um ambiente familiar: o refeitório do quartel-general ou o bar local. Num instante eles encontravam-se em casa, junto de amigos e seus entes queridos, porém no momento seguinte, ao serem abatidos, eram lançados numa terra estranha e misteriosa, e ficavam à mercê de desconhecidos e muitas vezes de um destino incerto.
Por essa razão os pilotos aliados e alemães nutriam uma grande necessidade de fugir. Uma angústia lhes tomava conta tal como pássaros em cativeiro. Além disso, a maioria dos pilotos preferia fugir porque o combate no céu lhes dava um sentimento de individualidade que era negada aos combatentes de outras actividades militares na guerra.
Prisioneiros e CarcereirosDurante a Segunda Guerra Mundial, milhares de prisioneiros aliados ficaram confinados em campos de prisioneiros de guerra. Os pilotos em especial ficaram sobre custódia da Luftwaffe.
A Força Aérea alemã administrava 7 campos de prisioneiros. Os seus oficiais comandantes eram escolhidos directamente pelo Alto Comando da Luftwaffe. O pessoal dos campos mantinha um grau de respeito profissional para com os seus prisioneiros, portanto a atitude dos oficiais e guardas dessas prisões não deve ser confundido com os métodos empregados pela SS ou Gestapo.
O próprio Reichsmarechal Hermann Göring no inicio do conflito, fez muitas referências ao tratamento cavalheiresco que seria dado aos membros da força aérea britânica no que ainda era chamado de A Grande Guerra. Chegou a deixar claro que, enquanto os pilotos aliados estivessem em mãos da Luftwaffe, podiam esperar o tratamento dispensado a cavalheiros.
Muitos dos oficiais que serviam nestes campos também haviam sido pilotos e por isso o relacionamento entre prisioneiros e carcereiros era amistoso, apesar da confraternização entre alemães e aliados ser proibida de acordo com o regulamento.
Somente em fins de 1943, com a intensidade dos bombardeamentos aéreos contra a Alemanha, realizado por ingleses e norte-americanos é que o tratamento dado aos pilotos capturados tornou-se mais rigoroso.
Dulag LuftDulag Luft, era o centro de inteligência da Luftwaffe. Localizado no sopé das montanhas Taunus na cidade de Oberursel, 13 quilometros a noroeste de Frankfurt. A maioria dos pilotos aliados capturados passavam por ele para serem interrogados, antes de ser enviados ao acampamento de trânsito em Wetzlar, onde passavam por uma triagem e então finalmente serem designados a um campo permanente.
Todos os pilotos capturados obrigatoriamente ficavam sobre custódia da Luftwaffe. Logo que chegavam eram colocados num barracão e despidos e suas roupas eram revistadas. Durante a sua permanência em Dulag Luft os prisioneiros eram mantidos em confinamento solitário para evitar que os aviadores capturados combinassem os seus depoimentos e forjassem informações. A estadia média em isolamento era de uma a duas semanas. De acordo com a convenção de Genebra um prisioneiro não podia ser mantido no confinamento solitário para finalidades de interrogatório por mais de 28 dias.
Faziam parte do grupo de oficiais interrogadores do Dulag Luft vários oficiais que haviam morado nos Estados Unidos ou no Canadá. Além de bom domínio do idioma, tais oficiais usavam diversos ardis para a obtenção de informações. Desconhece-se o emprego de tortura ou coação por parte dos oficiais interrogadores. De facto vários deles após a guerra voltaram a viver nos EUA e em Inglaterra, alguns mantiveram contatos com veteranos capturados da US Air Force e RAF.
Os capitães Kurt Waldschmidt e Hanns Scharff eram os principais interrogadores do centro de inteligência. Scharff era professor de literatura antes do conflito. Formado em Psicologia foi convocado a servir no serviço de inteligência da Luftwaffe no início da guerra. O Capitão Scharff tinha a reputação mágica de conseguir todas as respostas que necessitou dos prisioneiros de guerra. Sempre tratou os seus prisioneiros com respeito e dignidade. Diversos ex-prisioneiros que estiveram sobre sua custódia declararam os actos de bondade de Hans Scharff que muitas vezes ordenou que se tratasse dos pilotos feridos ou doentes no período de seu isolamento. Certa vez interviu numa acção das SS, que transportavam 6 pilotos norte-americanos para serem executados por sabotagem. De pistola em punho tomou para si a custódia dos prisioneiros. Tal acto honroso foi reconhecido por eles, sendo que em outubro de 1980 foi agraciado com diploma e medalha pelos generais americanos James H. Doolittle e Curtis LeMay por esse acto humanitário.
Depois da guerra foi convidado pela Força Aérea Norte-Americana para realizar palestras sobre os seus métodos de interrogatório. Scharff não era membro nem simpatizante do partido nazi.
Em 1982 foi lançado o livro
O Interrogador que narra as experiências do capitão Hans Scharff.
Waldschmidt também era professor, lecionava na universidade de Gottingen antes da guerra. Formado em Psicologia era encarregado de interrogar as tripulações de bombardeiros. Também era considerado um oficial de boa reputação, tratando os seus interrogados com benevolência.
Entre 1939 e 1945 mais de 68.000 prisioneiros das forças aéreas inglesa, americana, francesa, canadiana e até mesmo alguns pilotos brasileiros estiveram confinados no Dulag Luft. Em Maio de 1945 quando da sua libertação havia 2.457 pilotos aliados detidos no campo.
Em 26 de novembro de 1945 os ingleses prenderam e levaram a julgamento 4 oficiais alemães acusados de violação do direito de prisioneiros de guerra britânicos. Eram eles os tenentes Willie Eberhardt e Heinrich Junge, o major Walter Killenger, e o coronel Bohehringer. Killenger e Junge foram sentenciados a cinco anos de prisão. Eberhardt recebeu três anos e Bohehringer foi sentenciado a prisão perpétua, porém a sua pena foi comutada sendo libertado em outubro de 1953
Recepção aos prisioneirosDepois de designados para um dos campos, os pilotos eram reunidos, e transportados para o seu destino em camiões ou em comboios. Por todo o trajecto eram escoltados por guardas fortemente armados.
Os prisioneiros logo que chegavam ao campo eram levados para salões onde eram despidos e as suas roupas revistadas minuciosamente. Em seguida eram dirigidos a uma sala de banhos, enquanto as suas vestes eram esterilizadas a vapor.
Depois do banho, era feita a troca das carteiras de identidade por placas numeradas. Então cada prisioneiro era fotografado. Em seguida os prisioneiros aliados recebiam papel para escrever uma carta aos familiares que seria remetida pela Cruz Vermelha.
Concluindo o processo os prisioneiros eram apresentados ao oficial aliado de mais alta patente que passaria a ser seu comandante e representante junto ao oficial em comando do campo.
Esse oficial aliado designava os novos prisioneiros aos barracões aos quais se acomodariam. Os prisioneiros eram organizados em blocos de 5 homens. Tudo era organizado em razão dos blocos. Recebiam em bloco tudo que fosse distribuído tal como rações alimentares, pacotes da Cruz Vermelha, cobertores, cigarros, entre outros itens. Também as designações de trabalho eram feitas ao bloco.
A Vida como PrisioneiroA rotina num campo de prisioneiros começava cedo. No período de inverno a alvorada era às 7 horas da manhã (no verão 6 horas), Em seguida todos os prisioneiros deveriam preparar-se para a formatura, onde eram contados, em seguida eram emitidas ordens pelo comandante do campo ou seus oficiais auxiliares. Geralmente os oficiais aliados em posição de liderança também passavam informes e instruções aos demais prisioneiros.
Por volta das 8 horas da manhã os alemães distribuíam aos prisioneiros água quente para que a utilizassem para a confecção do chá. Às 11 horas era servida a refeição. Até meados de 1943 a Luftwaffe alimentava muito bem ps seus prisioneiros. Na verdade, havia tanta comida fornecida pela Cruz Vermelha que os alemães davam banquetes de quatro ou cinco pratos diferentes de duas em duas semanas, só para acabar com o excedente.
A generosidade dos alemães ao distribuir esses mantimentos entre os prisioneiros era feita em comemoração de aniversários ou festas. Essa realidade mudou muito na fase final da guerra, pois a escassez de mantimentos não permitia mais extravagâncias.
Os prisioneiros eram ocupados em várias actividades durante o dia. Equipas eram enviadas para fazer manutenção nos barracões, ou outros serviços de conservação das áreas do campo. Mas os soldados aliados também passavam boa parte do tempo em actividades recreativas e culturais.
Os comandantes alemães incentivavam os prisioneiros a dedicarem-se à música. No Stalag Luft 1 o comando alemão forneceu material e instrumentos para que os soldados aliados criassem uma orquestra musical.
Os soldados praticavam várias modalidades desportivas, do criquete ao futebol. Até mesmo um torneio de Boxe era realizado anualmente nos campos de prisioneiros administrados pela Luftwaffe.
Geralmente o comandante do campo abria a temporada de lutas de boxe entre os prisioneiros aliados. Os soldados e oficiais alemães também assistiam os embates acomodando-se do lado externo da cerca de arame farpado.
Depois de um dia cheio, o jantar era servido às 5 horas da tarde. Constava de 300 gramas de pão de batatas, 500 gramas de batatas, queijo ou salsicha.
A chamada da noite ocorria por volta das 20 horas. Nesta ocasião os prisioneiros eram contados novamente. Depois de expedido o relatório de contagem os soldados aliados eram obrigados a permanecer no interior dos barracões. As 21:00 os guardas passavam e inspecionavam se as janelas estavam bem trancadas, por volta de 21:45 todas as luzes dos barracões eram desligadas.
Aos domingos era permitido aos prisioneiros a realização de serviço religioso. Geralmente havia entre os prisioneiros padres ou ministros protestantes que executavam essa assistência religiosa. Um barracão no campo era destinado como igreja ecumênica, porém a grande maioria dos serviços eram realizados ao ar livre.
A Guarda e os meios de RetençãoOs campos de prisioneiros, geralmente eram divididos em sectores (mini-campos dentro do campo). Cada sector era limitado por 5 cercas de arame farpado de aproximadamente 3 metros de altura. Na área do setor junto às cercas localizavam-se torres de vigia. Em cada torre ficavam dois guardas, que dispunham de uma metralhadora MG-42. Além da arma as torres eram equipadas com holofotes.
Cada torre ficava a uma distância de 60 a 100 metros da outra, portanto os holofotes de uma geralmente iluminavam a área da outra. Grupos de guardas armados geralmente acompanhados de cães circulavam na parte interna e externa do sector. Cada setor mantinha uma guarda em alerta 24 horas por dia.
O número de soldados e oficiais de cada sector variava muito do tamanho da área a ser guardada. Estima-se que durante o dia cerca de 200 soldados faziam a guarda de cada setor, porém à noite esse número simplesmente dobrava ou triplicava.
Fuga e EvasãoUma das fugas mais espetaculares da 2ª Guerra Mundial foi a fuga do campo de Sobibor (acampamento mantido na Polónia por pessoal da SS) empenhada por combatentes russos e judeus. Através de um rápido ataque centenas de prisioneiros conseguiram escapar, matando diversos de seus captores.
Há registo de diversas fugas nos Stalag Lufts. Centenas de prisioneiros de guerra tentaram escapar usando os métodos mais variados. Túnel foi o meio mais usado pelos POWs (abreviatura de Prisioneiro de Guerra em inglês) em busca da liberdade. Muitos prisioneiros acabaram morrendo durante a fuga.
No Stalag 3 ocorreu a famosa fuga do filme
Fugindo do Inferno (
The Grant Scape titulo original em Inglês), onde 76 prisioneiros escaparam no meio da noite.
A grande fuga do Stalag 3 ocorreu em 24 de março de 1944. Essa empreitada fez com que as autoridades alemãs empenhassem grandes efectivos para recapturar os 76 homens que haviam fugido.
Adolf Hitler ficou furioso e ordenou que medidas severas fossem adoptadas para que se evitassem novas fugas. A SS e Gestapo foram designadas para se encarregar dos prisioneiros recapturados.
Foram fuzilados sem nenhuma piedade 50 dos POWs capturados.
Após a guerra ex-prisioneiros britânicos construíram no antigo terreno do campo um monumento em memória dos 50.
EvacuaçõesComo já citado anteriormente, à medida que os exércitos aliados e soviéticos avançavam pela Alemanha, os comandos responsáveis pelos POWs precisaram adoptar medidas para evacuar os prisioneiros destas áreas.
Diversos comandantes de campos começaram a adotar medidas para desgastar o moral dos detidos, bem como deslocar os prisioneiros para outros estabelecimentos a fim de evitar motins ou tentativas de fuga em massa.
As rações e pacotes da Cruz Vermelha foram drasticamente reduzidos. A partir de fevereiro de 1945 cada prisioneiro recebia diariamente alimentos que representavam apenas 800 calorias (até janeiro eram servidas 1.800 calorias diárias). O cardápio do almoço e jantar havia sido alterado para uma sopa pobre, composta de água quente onde boiavam algumas verduras e de vez em quando uma migalha de carne de cavalo.
Apesar das medidas para a evacuação, o exército soviético cercou o Stalag Luft 1 nas cercanias da cidade litoral de Barth, no dia 25 de março de 1945, libertando mais de 4.800 prisioneiros aliados.
O serviço de saúde do exército vermelho mal equipado, pouco pode fazer pelos prisioneiros que se encontravam com forte anemia, desidratados e com doenças respiratórias.
No inicio de abril de 1945 Hitler ordenou que os prisioneiros aliados sistematicamente fossem deslocados para as cidades estratégicas que eram alvos em potencial das esquadrilhas de bombardeiros, para servirem de escudos humanos.
Göring interveio, alegando ao Fürher que tal procedimento era contra a convenção de Genebra e que seria prudente e necessário manter os POWs em segurança para os utilizar como moeda de troca numa negociação forçada.
Himmler sugeriu que a SS se encarregasse de eliminar o "excesso de contingente" dos campos.
O Reichsmarechal Herman Göring opôs-se energicamente a isso, enviando apressadamente aos campos fortes contingentes da Luftwaffe para garantir a vida dos prisioneiros aliados.
Pode-se acusar Göring de diversos crimes; mas foi por meio dele que se evitou a morte de centenas ou talvez milhares de prisioneiros que estavam sob custódia da Wehrmacht em abril de 1945.
Em abril diversos campos mantidos pelo Exército e pela Luftwaffe foram libertados pelos exércitos aliados e soviéticos.
O Stalag 7 em Moosburg, o qual mantinha cativos militares brasileiros, foi libertado por tropas pertencentes ao 3º Exército de Patton no dia 29 de abril de 1945.
Fonte:
Grandes Guerras