Falsa segurançaTambém o Vietname do Sul parecia ter "solução" militar e o General Westmoreland, entre outros, conseguiu convencer o Congresso a despejar 206.000 tropas para reforço no terreno (atingindo 650.000 homens em 1969). Penso não ser necessário recordar o que se seguiu...
Começando sinteticamente pelo final do "post" acima: o que o relatório do Congresso norte-americano contabiliza é o aumento crescente da despesa militar no Afeganistão. Esses números confirmam a desproproção dos meios no terreno e a sua obesidade financeira. Basta adicionar a crise em que se encontram as economias do Ocidente e a contínua falta de segurança no terreno de operações para reforçar a evidência e a escala do fracasso da NATO no Afeganistão.
Porque razão o fracasso aconteceu?Entre outras razões, temos os seguintes ingredientes:
- Já não há guerras como há 60 anos, de contornos facilmente definidos e nas quais ninguém se incomoda muito com os índices de mortalidade no campo de batalha.
- Já não há inimigos como há 60 anos, fáceis de identificar/confrontar/derrotar.
- Já não há economias no Ocidente como há 50, nem 40 anos. O Ocidente conhece actualmente a pior situação dos últimos 80 anos.
- Já não há política como as do pós-guerra. Leiam-se as opiniões de Obama e dos ministros da Defesa / Presidentes da maioria dos Estados europeus, membros da NATO.
O atoleiro tem as suas razões...que o Ocidente (des)conheceQuanto ao confronto com os mal-afamados Taliban e seus aliados
jihadistas de fim de semana, insurgentes, narco-traficantes, e respectivas famílias: todas as tentativas de "reformar" a população afegã rural conservadora e dividida numa dúzia de etnias, e de "estabilizar" nos últimos 200 anos resultaram em mais violência, com a única excepção da década de 1970.
Se, por um lado, os combatentes locais neste contexto tribal não dispõem obviamente da capacidade de derrotar militarmente os exércitos ocidentais, por outro, no cenário da guerra "assimétrica" contemporânea, estes maltrapilhos portadores do Al-Corão de 50 cêntimos beneficiam do próprio terreno, das populações locais e jogam com o tempo a seu favor para incutir algo indiscutivel: a guerrilha não derrotada é... vitoriosa. Ora, na quase-década de intervenção da NATO, os Taliban não cessaram de ampliar a sua influência através do território afegão. Não constitui qualquer surpresa perceber que 9 anos com este tipo de resultados tem apenas uma conclusão: fracasso.
O argumento das bases já se extinguiu há muitos anos. Isso e as tretas infantis dos
"nation-buildings" que só engole quem não possui neurónios (ou quem não tem escolha).
Ultimamente, a chefia militar norte-americana tem invocado a estratégia de
"hearts and minds" (sob o malogrado McChrystal), invertendo a estratégia de intervenção agressiva aplicada desde o início da ofensiva aliada.
Hoje fala-se em “transferência de poder” para poder agarrar-se a algo que não soe a assunção de fracasso. Trata-se de uma operação de relações públicas, com o embaraço natural de quem não resolveu grande coisa. Enquanto os líderes "insurgentes" se mantiverem longe do alcance das forças ocidentais, e a população ligada directa ou indirectamente ao cultivo/tráfico de ópio/heroína ganhar mais dinheiro ao final do mês do que um soldado afegão, a coisa simplesmente não funciona.
Enquanto a coisa não é resolvida no terreno, tal como apontei anteriormente, a micro-guerra no cenário regional (Operações Especiais e vôos de
drones) tem providenciado os melhores resultados, sendo que, no Ocidente a necessária coordenação bem sucedida dos serviços de informações entre Europa e EUA e entre Estados da UE tem prevenido, desde 2005 e até ver, novos atentados. A este nível, as coisas têm realmente corrido pelo melhor e é aí que o investimento se revela produtivo. Já existe tecnologia fiável e uma alta especialização em prática na guerra moderna.
A NATO não incluiu os parceiros “civis” no Novo Conceito Estratégico por inspiração divina: já percebeu que não basta músculo para resolver problemas. E não há bombas que cheguem para pulverizar as cordilheiras montanhosas no Afeganistão.
Resultados? Do lado dos insurgentes:
Bin Laden, Al-Zawahiri, Mullah Omar a monte…
Um Estado corrupto e ineficaz, frágil.
Desde 2006, recrudescimento do movimento islâmico.
Do lado dos “pacificadores”:
Tropas ocidentais encontram-se confinadas às bases, mais ocupadas em defender-se a si próprias.
Pela primeira vez na História, decretou-se publicamente o prazo para o final da guerra.
O treino das forças de segurança locais permanece um poço sem fundo.
E o que acontece quando a estratégia aliada não funciona?Negociações directas com os Taliban. É isso que tem vindo a ser prosseguido no terreno (embora discretamente) neste último ano. Karzai, Petraeus e os líderes Taliban à mesa. E muito dinheiro por debaixo da mesma. Talvez agora se entenda inteiramente o absurdo do real valor das baixas em combate actuais, tornadas absolutamente desnecessárias e supérfluas.
(algo "estranhamente" parecido com a
"Peace with Honor" e subsequente abandono do Vietname do Sul em 1973)
Só uns exemplos, para que conste:
http://www.thelocal.de/politics/20101119-31281.htmlhttp://www.telegraph.co.uk/news/uknews/1567309/Stirrup-No-military-solution-in-Afghanistan.htmlhttp://www.defencemanagement.com/news_story.asp?id=14710 http://www.ipinst.org/events/speakers/details/236-un-envoy-no-military-solution-in-afghanistan-and-taliban-knows-it.html http://patdollard.com/2010/07/there-is-no-military-solution-obama-shifts-afghanistan-strategy-toward-peace-talks-with-taliban/Como é óbvio, o Paquistão tem responsabilidade no inferno afegão, pois alberga a etnia maioritária
Pashtun que constitui a maioria dos Talibans. Recorde-se, ainda nas últimas eleições parlamentares (2007), como a candidata Benazir Bhutto, associada ao Ocidente, foi assassinada. Sem um compromisso político claro e consistente de Islamabad, a NATO bem pode continuar a somar mortos no terreno e alimentar ilusões de domínio e controlo, mas só se enterra mais no atoleiro.
Enquanto isso, a guerra não se resume ao arcaico conceito de Clausewitz, mas tem raízes simples e fortememente económicas. A indústria de armas e os recursos energéticos são sempre dominantes nas estratégias e fazem, por sua vez, da política uma mera extensão dos seus interesses. Não há guerras grátis.
Em 20 anos, mesmo com alguma sorte e muita boa vontade, talvez o Afeganistão seja um pouco menos do que a amálgama instável, desesperadamente pobre e desigual, e estupidamente violenta em que consiste há demasiado tempo.
Porém, também pode ser que tenha tido a tal hipótese que durante séculos falhou por se encontrar entalado entre grandes potências regionais e mundiais. Mas não com estas estratégias.